Civil disobedience: legitimacy of the state political transformation/ Desobediencia civil: legitimidade de transformacao politica do Estado.

AutorBraga, Julio Trevisam

Introducao

As manifestacoes no Brasil que eclodiram em junho de 2013 e que contam com uma ampla gama de reivindicacoes revelaram, por si so, nao so a configuracao de novas caracteristicas de acao dos movimentos sociais na contemporaneidade--os quais se delineiam, em grande parte, entre o espaco virtual da internet e o espaco publico das ruas--, mas tambem trouxeram a tona a dificuldade do Estado, midia e opiniao publica em assimilar a legitimidade das demandas e as formas de organizacao e acao dos diferentes movimentos--ademais, as praticas de desobediencia civil e resistencia suscitadas em conflito com as forcas de ordem e a impulsividade refletida na busca do acolhimento das reivindicacoes defendidas, apresentou um cenario ainda mais polemico e complexo de aproximacao.

De modo simultaneo, a percepcao desses movimentos e outros que em escala global colocaram em pauta a ofensiva ao modelo de regulacao social capitalista, evidenciando o contexto atual de uma crescente crise economica global (1) e uma crise de legitimidade perante o Estado cada vez mais aguda, foi refletida em grande parte pela presenca de instrumentos ideologicos de exposicao e ataque a patrimonios publicos e privados como simbolos da arbitrariedade dos interesses economicos, que terminaram por divulgar no palco das manifestacoes, por exemplo, grupos de ativistas como os adeptos da tatica Black Bloc.

O constante atrito da opiniao publica, meios de comunicacao e Estado com as formas caracteristicas de organizacao desses movimentos e a utilizacao pontual de metodos nao-convencionais ou violentos de reivindicacao, trazem para o presente debate dois questionamentos que visam concorrer, ao menos, para dar continuidade a discussao sobre a polemica vigente em torno da legitimidade das praticas de desobediencia civil e resistencia, como instrumentos de transformacao politica do Estado.

Por um lado, como a perspectiva juridica da ciencia do direito, alguns dos pensadores classicos da ciencia politica e juristas intelectuais da atualidade, tem se posicionado ao lidar com a discussao em torno das praticas de resistencia e desobediencia civil?

Por outro lado, no contexto especifico brasileiro, o fato de alguns dos acontecimentos historicos terem sido centrais na organizacao de movimentos contra diferentes regimes politicos e economicos no pais, tendo em sua maioria o recorrente uso de metodologias rigidas de acao para a obtencao das demandas de cada episodio, revela que, nas dadas circunstancias, a mobilizacao por meio do confronto com o poder estatal e a ordem institucional configurou a implementacao de novos modelos e concepcoes de organizacao politica, economica, cultural e social do Estado.

Sendo assim, como estas circunstancias influem na discussao sobre a aceitacao da legitimidade em torno dos movimentos eclodidos em junho de 2013, no Brasil, uma vez que suas demandas se encontram virtualmente norteadas pela mudanca do paradigma politico-economico vigente na atualidade global (2)?

Para tanto, a presente pesquisa trara uma breve aproximacao historica de eventos cujas praticas de resistencia e desobediencia civil foram utilizadas como instrumentos de transformacao politica no Estado brasileiro, buscando, ainda, refletir sobre a repercussao destas praticas no contexto atual de reivindicacao dos movimentos, frente a demandas que se ancoram no confronto com os interesses politicos e economicos vigentes no atual modelo politico e economico do Estado, trazendo, por fim, uma sintese a respeito das diferentes concepcoes e apropriacoes do conceito de desobediencia entre os principais expoentes da ciencia politica e juridica.

  1. Eventos historicos de exercicio das praticas de resistencia e desobediencia civil no Brasil e sua repercussao no atual cenario nacional

    Dentre os inumeros momentos na historia do Brasil, desde o tempo do Imperio ate os dias atuais, encontramos diversos movimentos emancipacionistas, como a Inconfidencia Mineira (1789), levantes politicos-militares, como a Proclamacao da Republica brasileira (1889), movimentados e armados para derrubar governos, como a Revolucao Constitucionalista de 1932, lutas armadas como ocorreu na resistencia ao governo militar entre 1964-85, os quais mantem como ponto de contato, a organizacao de grupos de resistencia a opressao do governo central e que protagonizaram momentos de concreta transformacao politica do Estado, atraves seja da mudanca de projetos, seja pela mudanca de regime.

    Numa primeira aproximacao, pode-se dizer que esses mesmos acontecimentos historicos colocaram em debate o emprego das praticas de resistencia e desobediencia civil como, talvez, ultimo recurso para a obtencao de suas diferentes demandas.

    No contexto mineiro, tendo como principal personagem emblematico a figura do alferes Tiradentes, a Inconfidencia foi uma expressao de revolta, em 1789, numa investida contra a execucao da derrama (3) e a opressao do governo portugues no periodo colonial, principalmente pela cobranca de altas taxas e tributos e proibicao de funcionamento das industrias fabris em territorio brasileiro.

    Na tentativa de eliminar a dominacao portuguesa de Minas Gerais, para entao se protagonizar uma nova instituicao independente, apos seu abrupto desmantelamento, o movimento foi considerado crime contra a Coroa, duramente criticado pela opiniao publica e severamente punido pelo governo monarquico.

    Numa outra direcao, pelos fatos ocorridos na Revolucao Constitucionalista de 1932, vemos, de um lado, a declarada oposicao de blocos politicos do Estado de Sao Paulo a centralizacao do poder por parte do governo de Getulio Vargas, instaurado sob golpe e apoiado por militares em 24 de outubro de 1930, rompendo definitivamente com a "politica do cafe-comleite", que promovia, ate entao, a alternancia da presidencia da Republica entre os estados de Sao Paulo e Minas Gerais; de outro lado, a pauta em torno da restauracao da autonomia estatal, ameacada tanto pelo controle economico estabelecido pelo governo central, quanto pela nomeacao de interventores administrativos em todos os estados--com excecao de Minas Gerais--, da ensejo para que se instaure uma revolta no interior do Estado de Sao Paulo.

    A suspensao da vigencia da Constituicao de 1891, aliada a dissolucao do Congresso Nacional e a cessacao de atividade dos senados e camaras estaduais e municipais, tornam ainda mais favoravel a iniciativa por um movimento armado, com o objetivo de por fim a ditadura de Getulio Vargas e marchar pela proclamacao de uma nova Constituinte brasileira.

    Apesar de o governo central ter se flexionado para o estabelecimento de uma data para convocar uma Assembleia Nacional Constituinte, marcadas para fevereiro de 1932, e ainda ter atendido a uma das principais exigencias da oposicao paulista, nomeando um interventor do estado de Sao Paulo, estes, por sua vez, ao ainda perceberem a constante pressao e interferencia do governo central sobre o pleno exercicio da autonomia estatal almejada, terminam por dar inicio ao conflito armado.

    Tendo os dois partidos politicos rivais agora reunidos, tanto o Partido Republicano Paulista quanto o Partido Democratico de Sao Paulo resolvem por optar pelas armas, a fim de reconquistar a autonomia estatal e a dominacao da politica nacional, permitindo a reparacao da posse de Julio Prestes a presidencia.

    Entao, em 9 de julho de 1932 eclode o movimento revolucionario, contando com o apoio inicial dos estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul e um grande contingente civil e militar. Porem, com a traicao dos dois primeiros estados, interceptados pela pressao do governo central e com pequeno apoio oferecido pelas tropas mato-grossenses, Sao Paulo termina em desvantagem. O que resultou por oferecer ao conflito, durante os acontecimentos posteriores, um quadro definitivo de derrota, deixando para tras o exemplo de uma das revoltas de amplitude nacional com o maior numero de envolvidos. Entretanto,

    menos de vinte e quatro meses depois da derrota militar e dos consideraveis desajustes sociais subsequentes, o escol dirigente paulista obtinha grande parte das aspiracoes que o levaram a conspirar, e auto-proclamava, soberbamente, a "Revolucao Constitucionalista" como um marco epico para a nacao (RODRIGUES, 2009, pp. 179-180).

    A despeito de incisiva derrota militar sofrida pelos revoltosos paulistas, politica e economicamente, Sao Paulo permaneceu como um dos principais personagens no cenario economico federal, verificando-se, ao mesmo tempo, "o fortalecimento do projeto constitucionalizante, com Vargas reativando a comissao que elaboraria o anteprojeto de Constituicao e com a criacao de novos partidos para concorrer as eleicoes para a Assembleia Nacional Constituinte" (4).

    Analisando-se o presente conflito, observa-se claramente a notoriedade simbolica a que o ocorrido e resgatado historiograficamente, dando legitimidade a um embate politico de envolvimento armado, em prol do combate a desarticulacao da autonomia federativa e da implementacao de uma Constituinte que possibilitaria a normalizacao de um cenario democratico. Ao menos provisoriamente.

    Por sua vez, apos um curto periodo de redemocratizacao do pais, que perdurou entre 1945-1964, o golpe militar de 1964 contou com o apoio das elites empresariais e da Igreja Catolica, objetivando a manutencao no poder diante de uma potencial crise economica e de uma possivel "ameaca" comunista no momento em que o Brasil figurava como centro de influencia na America do Sul, no auge da Guerra Fria. A partir deste cenario, o periodo tornou-se um dos momentos da historia recente do Brasil, em que o modelo de organizacoes armadas surge como forma de resistencia as disposicoes autoritarias e arbitrarias do governo militar.

    A crise economica no inicio dos anos 60 no Brasil, com a aceleracao inflacionaria e a desaceleracao do crescimento, impos ao governo do Presidente Joao Goulart a elaboracao de um plano para salvaguardar economicamente o pais e afastar as...

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