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AFASTADA DISTINÇÃO DE REGIMES SUCESSÓRIOS ENTRE CÔNJUGES E COMPANHEIROS

Superior Tribunal de Justiça Recurso Especial n. 1.332.773/MS Órgão Julgador : 3a. Turma

Fonte: DJ, 01.08.2017

Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Terceira Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze (Presidente), Moura Ribeiro, Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 27 de junho de 2017 (Data do Julgamento)

Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva Relator

EMENTA

Recurso Especial. Civil. Processual civil. Direito de família e das sucessões. Distinção de regime sucessório entre cônjuges e companheiros. Impossibilidade. Art. 1.790 do Código Civil de 2002. Inconstitucionalidade. STF. Repercussão geral reconhecida. Art. 1.829 do Código Civil de 2002. Princípios da igualdade, dignidade humana, proporcionalidade e da razoabilidade. Incidência. Vedação ao retrocesso. Aplicabilidade. 1. No sistema constitucional vigente é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado em ambos os casos o regime estabelecido no artigo 1.829 do CC/2002, conforme tese estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal em julgamento sob o rito da repercussão geral (Recursos Extra-ordinários nos 646.721 e 878.694).

2. O tratamento diferenciado acerca da participação na herança do companheiro ou cônjuge falecido conferido pelo art. 1.790 do Código Civil/2002 ofende frontalmente os princípios da igualdade, da digni-dade humana, da proporcionalidade e da vedação ao retrocesso. 3. Ausência de razoabilidade do discrímen à falta de justo motivo no plano sucessório. 4. Recurso especial provido.

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Trata-se de recurso especial, fundamentado no artigo 105, inciso III, alíneas "a" e "c", da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul assim ementado:

"Agravo de instrumento - arrolamento de bens - união estável - bens adquiridos onerosamente durante a união estável - aplicação da regra de sucessão conjugal - momento em que existe a união estável - impossibilidade de aplicação de letra de destinada a situação jurídica inexistente - recurso improcedente.

O legislador ao disciplinar a sucessão no novo Código Civil estabeleceu normas diferenciadas em relação à união estável e o casamento, optando por tal discliplinamento ainda que pudesse ter equiparado, não produzindo, a união estável, efeitos sucessórios de igual forma ao cônjuge e não havendo se falar em inconstitucionalidade do regramento jurídico especial. Recurso Improce-dente" (e-STJ ? . 186).

Cuida-se, na origem, de agravo de instrumento interposto por (...) nos autos da ação de inventário por arrolamento sumário de bens deixados pelo Espólio de (...), seu ex- -companheiro, na qual houve decisão interlocutória proferia pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Ribas do Rio Pardo/MS deferindo o pedido de habilitação de herdeiros colaterais na sucessão nos termos dos arts. 1.790, inciso III, e 1.829, inciso III, do Código Civil de 2002.

Consta das razões do agravo que "(...) O art. 1.838 dispõe que na ausência de descendentes e ascendentes, será deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge sobrevivente. Deve-se destacar que embora o companheiro não conste do rol do art. 1.829, a qualidade sucessória do companheiro é de sucessor legítimo e não de testamentário; logo por analogia, deveria ter sido colocado no inciso III do referido artigo" (e-STJ ? . 9).

O Tribunal de origem negou provimento ao agravo de instrumento nos termos da supramencionada ementa, por entender que ausente a plausibilidade jurídica em aplicar a regra da sucessão conjugal à sucessão decorrente da união estável, notadamente mais vantajosa, por implicar negativa de vigência do direito positivo, ainda que maculado de críticas doutrinárias e jurispruden-ciais (e-STJ fis. 233-240).

Nas razões do presente recurso, a recorrente sustenta, além de dissídio jurisprudencial, que o acórdão deu interpretação divergente ao art. 20, inciso III, da Lei n. 8.971/1994, bem como ao artigo 1.790, inciso III, do Código Civil de 2002, sob o argumento de que, por ter sido companheira do falecido, possuiria direito à herança sem concorrer com os parentes colaterais até o 4º grau.

Afirma que a Constituição não diferenciou as famílias havidas a partir do casamento daquelas decorrentes da união estável, motivo pelo qual não existiria motivo para tratamento diferenciado no que se refere à ordem sucessória. Para tanto, consigna que

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"(...) a nova determinação dada pelo artigo 1790, III do Código Civil usurpou o direito que o companheiro já possuía com a Lei 8971/1994, lesando o seu direito no que tange à sucessão, causando um verdadeiro retrocesso decorrendo em inconstitucionalidade, ferindo, dentre outros, o Princípio da Proibição de Retrocesso dos Direitos individuais, amplamente aplicado pela doutrina doméstica e estrangeira" (e-STJ ? . 305).

Houve a interposição de recurso extraordinário pela recorrente (e--STJ fis. 248-282).

Sem as contrarrazões (e-STJ ? . 355), o recurso foi admitido em ju-ízo de admissibilidade (e-STJ fis. 359-361).

O Ministério Público Federal, instado a se manifestar, opinou por meio do seu representante legal, o Subprocurador-Geral da República José Bonifácio Borges de Andrada, pelo não conhecimento do recurso especial, nos termos da ementa a seguir transcrita:

"Direito Civil. Sucessões. União Estável. A Constituição Federal dispensa tratamento assimétrico à união estável e ao casamento, tanto que determina à lei facilitar a conversão da primeira no segundo. A diferença dispensada a ambos os institutos revela-se quanto a forma-lidade, invalidação, eficácia, disso-lução, regime patrimonial e sucessório. Ausência de violação aos arts. 1.790, III e 1.829 do CC/2002, que estabelecem regimes sucessórios diferenciados na união estável e no casamento. Parecer pelo não conhecimento do recurso especial" (e-STJ ? . 372).

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): O recurso merece prosperar.

A presente controvérsia foi enfrentada em 10 de maio de 2017 pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, que, por maioria, concluiu a análise dos Recursos Extraordinários nos 646.721 e 878.694, julgados sob a égide do regime da repercussão geral, reconhecendo, incidentalmente, a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil, dispositivo que estabelecia a diferenciação dos direitos de cônjuges e companheiros para fins sucessórios.

A tese fixada pela Corte em ambos os casos ficou...

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