Civil e comercial

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Existência de filiação socioafetiva não afasta direitos originários de paternidade biológica decorrente de ação investigatória

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

Apelação Cível n. 70057989337

Órgão julgador: 8a. Câmara Cível

Fonte: DJ, 16.05.2014

Relator: Desembargador Luiz Felipe Brasil

Santos

APELAÇÃO CÍVEL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. VÍNCULO BIOLÓGICO COM O INVESTIGADO, COMPROVADO POR EXAME DE DNA.

Sentença que somente declara a paternidade biológica, sem conceder, contudo, os reflexos na esfera registral e patrimonial. EXISTÊNCIA DE FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA que não pode inibir as repercussões DA INVESTIGATÓRIA, em detrimento dos interesses do investigante.
1. O argumento da prevalência da paternidade socioafetiva em relação à paternidade biológica somente é passível de acolhimento para fins de manutenção do vínculo existente em prol do filho, e não contra este – salvo em circunstâncias muito especiais, quando a relação socioafetiva é consolidada ao longo de toda uma vida, o que não se verifica no caso.
2. Desse modo, na espécie, ainda que o pai registral defenda a manutenção do vínculo socioafetivo existente, não se pode negar à investigante o direito de ter assegurados todos os reflexos do reconhecimento da paternidade biológica, com a devida retificação de seu registro civil e com todas as repercussões daí decorrentes, inclusive as de ordem patrimonial.

POR MAIORIA, DERAM PROVIMENTO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, em dar provimento à apelação.

Custas na forma da lei. Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Rui Portanova (Presidente) e Des. Alzir Felippe Schmitz.

Porto Alegre, 08 de maio de 2014.

DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS, Relator.

RELATÓRIO

Des. Luiz Felipe Brasil Santos (RELATOR)

(...) interpõe recurso de apelação em face da sentença das fls. 188-190v. que, nos autos da ação de investigação de paternidade que move contra a SUCESSÃO DE (...). e (...), julgou parcialmente procedentes os pedidos, apenas para reconhecer que o demandado (...) é pai biológico da autora.

Suscita, preliminarmente, que (1) de acordo com o STJ, as ações de estado são imprescritíveis, devendo ser afastada a aplicabilidade do prazo decadencial previsto no art. 1.614 do CCB/02 nos casos em que o filho impugna a paternidade registral; (2) igualmente, não há falar em prescrição para a petição de herança, pois quando da abertura da sucessão do investigado, não havia certeza acerca da verdadeira identidade biológica da apelante. No mérito, sustenta que: (3) tão logo descobriu, por intermédio de parentes, que não era filha do pai registral, mas de (...), propôs a presente ação, a fim de exercer seu direito de ver declarada sua verdadeira identidade biológica;
(4) a paternidade socioafetiva somente pode ser invocada por um dos interessados na manutenção da relação, quais sejam, o pai registral ou o filho, mas nunca o investigado; (5) nos termos do art. 227, § 6º, da Constituição Federal, o reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível; (6) o fato de ter sido registrada por terceiro, que não seja o pai biológico, não pode impedir a investigação da paternidade; (7) ao caso dos autos não se aplica a orientação jurisprudencial de que é descabida a investigação de paternidade com o único propósito de obter a herança do pai biológico, quando consolidada a paternidade socioafetiva com o pai registral, pois, na espécie não há provas a corroborar a existência do vinculo socioafetivo; (8) conforme se depreende de seu depoimento pessoal, o pai registral não se opôs à pretensão da ora recorrente;
(9) uma vez comprovado que a apelante é filha biológica do investigado, impõe-se que seja estendido em seu favor todos os efeitos civis decorrentes da relação parental, abrangendo os efeitos jurídicos, sociais e patrimoniais;
(10) apesar de estar cada vez mais se fortalecendo o entendimento jurídico de que a paternidade socioafetiva deve prevalecer sobre a paternidade biológica, no caso, a apelante não pode ser penalizada pelas escolhas de sua genitora; (11) o pai registral não se opôs à desconstituição da relação parental, pois demonstrou em seu depoimento que a pretensão inicial é um direito que não pode ser retirado da apelante. Requer o provimento do recurso para que seja reformada a sentença atacada, a fim de que, mantido o reconhecimento da paternidade biológica, seja desconstituído o registro de nascimento e assegurado o direito hereditário da recorrente em relação ao investigado (fls. 192-202).

Contrarrazões pela sucessão do investigado nas fls. 205-210 e pelo pai registral da autora nas fls. 211-215.

O Ministério Público opina pelo não provimento (fls. 217-218v.).

Vieram os autos conclusos, restando atendidas as disposições dos arts. 549, 551 e 552 do CPC, pela adoção do procedimento informatizado do sistema Themis2G.

É o relatório.

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VOTOS

Des. Luiz Felipe Brasil Santos (RELATOR)

É inquestionável que o pai biológico da recorrente é, de fato, o falecido (...), consoante o resultado do exame de DNA por reconstrução das fls. 143-146, que concluiu pela probabilidade de 99,99999933% de que o (...) seja o pai biológico da investigante.

A sentença reconheceu e declarou a paternidade biológica, sem conceder, contudo, os reflexos na esfera registral e patrimonial, em razão da existência de vínculo socioafetivo da autora com o pai registral.

O objeto do recurso cinge-se ao óbice imposto às repercussões na esfera patrimonial e registral de que decorreriam a procedência do pedido investigatório.

Merece acolhida a pretensão recursal.

Via de regra, o argumento da prevalência da paternidade socioafetiva em relação à paternidade biológica somente é...

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