Prefácio

AutorWalmir Oliveira da Costa
Ocupação do AutorMinistro do Tribunal Superior do Trabalho
Páginas7-9

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É corrente a distinção que se faz entre os sistemas jurídicos que pertencem à família romano-germânica (civil law) e os que se vinculam à família anglo-americana (common law). A distinção leva em conta, particularmente, o diferente peso das variadas fontes normativas em cada um deles.

Nos sistemas da família romano-germânica a primazia cabe à lei. Ao juiz reserva-se, segundo se afirma, papel secundário, como ficou indelevelmente marcado na afirmação de Montesquieu: "les juges de la nation ne sont...que la bouche qui prononce les paroles de la loi; des êtres inanimés qui n’en peuvent modérer ni la force ni la rigueur"1. A proposição, que Savigny, de certo modo, repetiu2, deita raízes em Cícero, no seguinte tópico de seu tratado sobre as leis: "O magistrado é a lei falando, como a lei é o magistrado em silêncio"3.

Já nos sistemas da common law a jurisprudência - e, portanto, os juízes - ganha considerável importância. O direito é formado, segundo se diz, muito mais a partir dos pronunciamentos judiciais, dos quais se extraem as regras para reger a relação entre as pessoas, com a formação das rules of precedents4. Daí afirmar-se que a common law é "diritto giurisprudenziale, costituito fondamentalmente dall’insieme delle sentenze, collegate fra loro in sistema grazie all’istituto del precedent"5. E René David sintetiza a diferença entre os dois sistemas jurídicos, nos termos a seguir: "la place attribuée aux décisions judiciaires, parmi les sources du droit, oppose les droits de la famille romano-germanique à la common law"6.

Se a distinção apontada entre civil law e common law no passado fazia todo sentido, nos dias de hoje tem cada vez menos razão de ser. Há uma progressiva interpenetração dos modelos, fazendo com que os contornos do quadro percam nitidez e desapareçam. Em texto da década de 60, Cappelletti já referia o movimento de confluência dos sistemas da common law e da civil law7. Pouco tempo depois, em outro texto, afirmou ser clara a tendência de "uma atenuação progressiva, recíproca e convergente, da contraposição" entre civil law e common law8. É fácil confirmar o acerto da proposição.

Nos Estados Unidos da América, o papel do direito legislado cresce muito. Rápida consulta ao United States Code, que espelha apenas uma parte do direito legislado federal, mostra como é atualmente impossível falar em um direito baseado nos precedentes judiciais. Um autor pôde mesmo escrever, a propósito: "la rapidité des changements économiques, politiques et sociaux fit que le rôle du législateur s’accrut et se diversifica au point que l’on peut dire aujourd’hui que la loi est la source première du droit..."9. O Reino Unido, primeiro e último bastião da common law, passa a contar cada vez mais com normas jurídicas de origem legislativa, por conta, entre outros fatores, de sua integração à União Europeia, cujo sistema jurídico supranacional vincula-se francamente à família romano-germânica, influenciando os ordenamentos de todos os países membros.

Nos sistemas vinculados à família romano-germânica, por sua vez, o movimento processa-se no sentido contrário. O papel e a relevância da jurisprudência têm crescido de maneira exponencial. Para ficar no exemplo brasileiro, enquanto a antiga Lei de Introdução ao Código Civil nem sequer menciona a jurisprudência como fonte de integração do ordenamento

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jurídico10, o cenário agora é oposto. No processo do trabalho, a Lei n. 9.957, aprovada em 2000, ao disciplinar o procedimento sumaríssimo, admitiu, no § 6º...

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