A cidade do medo: segregação, violência e sociabilidade urbana em Salvador

AutorRafael de Aguiar Arantes
CargoSociólogo, mestre e doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia, com estágio de doutoramento no Instituto de Estudios Urbanos y Territoriales da Universidad Católica de Chile. Email: rafaelarantes13@gmail.com
Páginas45-73
A cidade do medo
Cadernos do CEAS, Salvador, n. 235, p. 45-73, 2015 45
A CIDADE DO MEDO: SEGREGAÇÃO, VIOLÊNCIA E SOCIABILIDADE
URBANA EM SALVADOR
The city of fear: segregation, violence and urban sociability in Salvador
Resumo
Este Artigo discute os sentimentos de medo e insegurança que
têm tomado conta dos grandes centros urbanos brasileiros.
Através do estudo de caso da cidade do Salvador, analisa os
determinantes sociais do medo contemporâneo, suas principais
características e suas consequências para a vida urbana. O medo
urbano, que afeta as cidades contemporâneas, é uma mescla de
violência real com imaginários sociais, engendrados por
diversos atores, como os meios de comunicação e o capital do
medo que tem, na segurança privada e na oferta de enclaves
fortificados, seus principais produtos. A proliferação dos
referidos sentimentos têm contribuído para a transformação
urbana das cidades, fazendo emergir um novo panorama
espacial, marcado pelos processos de segregação e privatização
urbana, novas formas de sociabilidade, notadamente aquelas
pautadas em estratégias de evitação e preconceitos para com
outros sujeitos urbanos e os grupos considerados perigosos e
indesejáveis, e também uma militarização da questão urbana,
com a emergência de discursos que defendem uma guerra
contra o crime. A cidade do Salvador, assim como outros
grandes centros brasileiros, se às voltas com essas
características: medo, privatização, segregação e a
transformação dos padrões de circulação pela cidade e das
interações urbanas. Nesse sentido, o Artigo conclui como essas
tendências se opõem aos ideais de urbanidade e civilidade que
têm sido, tradicionalmente, associados ao próprio conceito de
cidade.
Palavras-chave: Medo. Segregação. Violência. Enclaves
fortificados. Espaço público Salvador.
INTRODUÇÃO
Este Artigo discute os sentimentos de medo e insegurança que se têm tornado cada
vez mais comuns entre a população dos centros urbanos brasileiros. A emergência de tais
sentimentos está vinculada a um conjunto de transformações sociais e urbanas, como o
crescimento dos índices de violência, o tráfico de drogas, a prevalência de altos índices de
desigualdades sociais, a segregação socioespacial, entre outros aspectos, como o surgimento
de uma espécie de “capital do medo” (BAUMAN, 2009, p. 55) , que se utiliza dos
imaginários e representações sociais para ofertar um conjunto de produtos como segurança
Rafael de Aguiar Arantes
Sociólogo, mestre e doutorando
em Ciências Sociais pela
Universidade Federal da Bahia,
com estágio de doutoramento no
Instituto de Estudios Urbanos y
Territoriales da Universidad
Católica de Chile.
Email:
rafaelarantes13@gmail.com
A cidade do medo
Cadernos do CEAS, Salvador, n. 235, p. 45-73, 2015 46
privada e enclaves fortificados. Essa realidade tem produzido impactos importantes sobre a
vida urbana, como a ampliação da autossegregação residencial, principalmente entre os
grupos de média e alta renda, a evitação de certos espaços, a desconfiança e o receio em
relação aos outros sujeitos urbanos, além da reafirmação de discursos belicistas que propõem
uma guerra contra o crime. Esses processos destroem a confiança e formas de solidariedade e
sociabilidade tradicionais, reafirmam preconceitos e estereótipos e contribuem para a
configuração de um panorama socioespacial caracterizado por uma privatização urbana,
engendrando uma ampliação das desigualdades socioespaciais.
Segundo dados das Nações Unidas (2010 apud DAMMERT, 2013, p. 390), de fato, a
América Latina e o Caribe concentram a segunda maior proporção de homicídios do mundo.
O medo urbano tem, portanto, um componente objetivo, relacionado ao crescimento da
criminalidade violenta. Segundo Dammert (2013), as cidades latino-americanas se tornaram
espaços da insegurança. Não obstante, como sustenta Amendola (2000), o medo tem-se
configurado como o principal organizador das cidades contemporâneas não apenas em países
com altos índices de violência, pois ele é uma mescla de violência real com imaginário social,
que é amplificado por um conjunto de atores sociais, como os meios de comunicação por
exemplo. Considerando essa complexa relação entre realidade objetiva e imaginário social,
Briceño-Leon (2007, p. 542, livre tradução) se questiona: “O que aconteceu para que as
cidades da América Latina, lugar de sonhos e esperanças, se convertessem em uma ameaça
para a maioria dos seus habitantes? ”
Considerando esse questionamento, o presente trabalho analisa o caso da cidade do
Salvador. Através de revisão da literatura, observações diretas, análise de jornais locais e
dados de pesquisas que temos realizado nessa cidade
1, o trabalho discute os determinantes
sociais do medo contemporâneo, suas principais características e suas consequências para a
vida urbana.
VIOLÊNCIA, CAPITAL DO MEDO E PRIVATIZAÇÃO URBANA
As transformações ocorridas na economia mundial nas últimas décadas
globalização, reestruturação produtiva e o neoliberalismo impactaram fortemente sobre a
1 Em 2011 defendemos como dissertação de mestrado no Programa de Pós-graduação em Ciê ncias Sociai s da
UFBA (PPGCS) o trabalho “Fugindo dos males da cidade: os condomínios fechados na Grande Salvador” e
atualmente estamos estudando, para a tese de doutorado, a dinâmica de apropriação dos espaços públicos da
cidade e as características da sociabilidade urbana em Salvador.

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