Cidade de Deus entre a história e literatura: problemática racial no Rio de Janeiro (1960-1980)

AutorClaércio Ivan Schneider, Camila Biranoski
Páginas27-47
http://dx.doi.org/10.5007/1984-8951.2014v15n106p27
Cidade de Deus entre a história e a literatura: problemática racial no Rio
de Janeiro (1960-1980)
City of god among the history and literature: racial problem in Rio de
Janeiro (1960-1980)
Claércio Ivan Schneider
1
Camila Biranoski2
Resumo
Busca-se, por meio da análise do romance Cidade de Deus”, de Paulo Lins,
compreender as relações entre literatura e história, na tentativa de investigar o tema do
preconceito racial no Rio de Janeiro, mais especificamente no conjunto habitacional
Cidade de Deus. Em outras palavras, um dos principais objetivos deste texto é perceber
na fonte literária de Lins as representações em torno da realidade de um determinado
período e contexto histórico, no qual a marginalização, a exclusão e o preconceito racial
são tematizados pelo autor a partir das relações sociais dos habitantes do conjunto
habitacional.
Palavras-chave: Literatura. História. Racismo. Comunidade.
Abstract
This study analysis a novel wrote by Paulo Lins: City of God seeking to understand the
relationship between literature and history in an attempt to investigate the subject of racial
prejudice in Rio de Janeiro, more specifically in the housing complex called City of God.
In other words, one of the main goals of this paper is to identify in this literary source the
representations of the reality of a given period and historical context in which Lins talks
about the marginalization, the exclusion and the racial prejudice, based on the social
relations of the inhabitants of the complex.
Keywords: Literature. History. Racism. Community.
Neste texto, tem-se por objetivo compreender as relações existentes entre a
história e a literatura a partir da análise do romance Cidade de Deus (2002), de autoria
de Paulo Lins. Busca-se historicizar a obra, problematizando um dos temas centrais da
trama: o preconceito racial no Rio de Janeiro, dos anos de 1960 a 1980. Investindo na
representação das relações conflituosas entre os habitantes que formaram o conjunto
habitacional Cidade de Deus, Lins registra o cotidiano, utilizando-se, para tanto, da
própria linguagem da população local residente na comunidade, constituída por
afrodescendentes, nordestinos, brancos pobres e diversos outros tipos humanos.
1 Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO). Professor adjunto do Departamento de História da
UNICENTRO, Campus de Irati/PR. E-mail: claercios@gmail.com.
2 Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO). Licenciada em História pela UNICENTRO. E-mail:
camilabiranoski@yahoo.com.br.
Esta obra foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição 3.0 Não Adaptada.
Cad. de Pesq. Interdisc. em Ci-s. Hum-s., Florianópolis, Santa Catarina, ISSN 1984-8951
v.15, n.106, p. 27-47 jan./jun. 2014
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A obra escrita por Lins surgiu de um projeto antropológico, em conjunto com a
antropóloga Alba Zaluar sobre “Crime e criminalidade no Rio de Janeiro”. Morador da
Cidade de Deus, Lins pesquisou a vida dos habitantes e se utilizou de sua própria
experiência como morador para tais escritas. O livro foi publicado pela Editora Companhia
das Letras, em 1997, e ganhou destaque pela forma poética e, ao mesmo tempo, realista
manifestada. Primeiramente, a pesquisa seria destinada a uma dissertação de mestrado,
inicialmente abrigada pela Unicamp, depois, pela UERJ. Portanto, a pesquisa não era tida
como ficcionista, somente mais tarde se transformou em um romance de grande utilidade
para análises históricas da contemporaneidade.
O livro, que narra a vivência no interior do conjunto habitacional Cidade de Deus,
começou a ser escrito quando o autor ainda era um estudante. Em entrevista cedida ao
jornal “Gazeta do Povo”, Lins afirmou que , no momento em que o livro Cidade de Deus
fez sucesso, foi vendido para as quatro grandes línguas do Ocidente: inglês, francês,
italiano e espanhol. A editora, objetivando ganhar mais dinheiro, pediu a escrita de mais
um livro para Lins; porém, o próprio autor respondeu que Cidade de Deus demorou uma
década para ser escrita, dando ênfase à impossibilidade de escrever outro livro em dias,
ou meses. Segundo Lins, no início da escrita, o projeto contou com mais de dez
pesquisadores e mais de três mil entrevistados. Neste sentido, entende-se ser essa obra
de grande importância para a análise da comunidade, e dos habitantes lá existentes. Os
temas presentes em Cidade de Deus não se resumem somente às questões raciais,
foco desta pesquisa, mas em fatores como prostituição, miséria, desemprego,
assassinato, tráfico, etc. O autor apresenta a realidade do bandido, dos indivíduos
desprovidos de voz e de vez na sociedade.
Os episódios presentes na trama montada por Lins narram acontecimentos
correspondentes às décadas de 1960, 1970 e 1980, vivenciadas pela população residente
na comunidade, em sua maioria afrodescendente. Estes viviam em precárias condições
de vida, resultado direto de sua pobreza, do analfabetismo e das péssimas condições de
moradia, mas sonhavam um dia melhorar de condição, principalmente econômica.
Conscientes da exploração que sofriam, negavam se sujeitar às condições impostas pelos
donos de fábricas, principalmente os pequenos salários recebidos em troca de uma longa
jornada de trabalho. Neste sentido, por meio dos roubos, tráfico de drogas e de armas,
buscavam solucionar seus problemas econômicos, não se sujeitando às imposições da
elite.
A partir da análise da narrativa literária de Lins procuramos destacar, analisar e
problematizar, dentre um universo ilimitado de temas, a representação que o autor

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