Cidadania e responsabilidade socioambiental

AutorReis Friede
CargoMestre e Doutor em Direito pela UFRJ
Páginas810-825

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CIDADANIA E RESPONSABILIDADE SOCIOAMBIENTAL

CITIZENSHIP AND ENVIRONMENTAL RESPONSIBILITY

CIUDADANÍA Y RESPONSABILIDAD SOCIOAMBIENTAL

Reis Friede1 1 Mestre e Doutor em Direito pela UFRJ, Desembargador Federal e ex-Membro do Ministério

Público. Professor do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Local da UNISUAM (PPGDL - UNISUAM) e da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, UFRRJ, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: reisfriede@hotmail.com

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IssN Eletrônico 2175-0491

Resumo: O presente estudo examina brevemente o conceito de cidadania e sua evolução histórica. Veriica que, no momento atual, é necessário incorporar neste conceito (e na ação do cidadão) o papel primordial de preservação do meio ambiente. Em segu-ida, discute a relação antropomórica do homem em relação à natureza e, por im, aborda a função socioambiental da propriedade, que consiste em uma atividade exercida não apenas no interesse de seu proprietário, mas, principalmente, no interesse da socie-dade.

Palavras-chave: Cidadania. Meio Ambiente. Responsabilidade Socioambiental.

Abstract: The current article examines, briely, the concept behind the term “citizenship” and its historical evolution. It veriies that, nowadays, it is necessary to include in this concept (and in the actions of the citizens) the primordial role of preserving the environment. Continuing, it debates the anthropomorphic relationship between man and nature. To inish off, it discourses about the social function of properties, which consists of activities not only in the behalf of their owners, but, especially, in the interest of society as a whole.

Keywords: Citizenship. Environment. Social and Environmental Responsibility.

Resumen: El presente estudio examina brevemente el concepto de ciudadanía y su evolución histórica. Veriica que, en el momento actual, es necesario incorporar a este concepto (y a la acción del ciudadano) el papel primordial de preservación del medio ambiente. A continuación, discute la relación antropomórica del hombre en relación a la naturaleza y, por último, aborda la función socioambiental de la propiedad, que consiste en una actividad ejercida no solo en interés de su propietario, sino principalmente en interés de la sociedad.

Palabras clave: Ciudadanía. Medio Ambiente. Responsabilidad Socioambiental.

Revista Novos Estudos Jurídicos - Eletrônica, Vol. 20 - n. 2 - mai-ago 2015

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INTRODUÇÃO

palavra cidadania vem do latim civitas, que quer dizer cidade. Na Roma clássica, indicava a situação política de uma pessoa e os direitos que ela tinha ou podia exercer. Tanto em Roma como na Grécia Clássica, signiicava a possibilidade dos cidadãos participarem da vida pública, de interferirem na vida da cidade (civitas em latim e polis em grego). Em ambos os casos, os escravos, que obviamente não possuíam o estatuto de cidadãos (até porque moravam fora de seus muros), estavam excluídos da participação e das benesses proporcionadas pela cidadania.

Vê-se que, desde Roma, a cidadania esteve ligada a privilégios, pois os direitos dos cidadãos eram restritos a determinadas classes e grupos de pessoas. Ao longo da história, porém, seu conceito foi se aprimorando, sendo que na Idade Moderna ocorreu a união dos direitos universais com o conceito de nação, introduzindo os princípios de liberdade e igualdade perante a lei e contra os privilégios. Entretanto, mesmo assim, a cidadania continuava restrita às elites, porque dependia de direitos políticos, vetados para a maioria da população.

No Brasil, o conceito de cidadania vem sendo construído desde o advento da Constituição de 1891 (redigida por Rui Barbosa), sendo que um grande passo em seu desenvolvimento deu-se a partir da promulgação da Constituição de 1988, conhecida como “A Constituição Cidadã”.

Segundo Dallari2, trata-se de um conceito que expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Logo, quem não “tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, icando numa posição de inferioridade dentro do grupo social”.

Todavia, ainda prevalece entre nós uma inconteste visão reducionista da cidadania, pois se pode airmar que uma grande parcela dos habitantes das

A

2 DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos Humanos e Cidadania. São Paulo: Moderna, 1998.

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cidades (mormente os moradores de áreas favelizadas, onde até pouco tempo o poder público só se fazia presente por meio de intervenções de natureza exclusivamente policiais) ainda não a tem, ou não a exerce, pois na atual sociedade de consumo, ser cidadão signiica ter recursos para consumir, conforme diria Nestor Clancline3.

O conceito contemporâneo de cidadania reside, sobretudo, na concepção estruturante que preconiza que esta não deve mais se resumir a um conjunto de direitos e deveres políticos e sociais: ela deve se desenvolver alicerçada na capacidade popular de organização, participação e intervenção social, com vistas também a possibilitar que o ambiente (construído) seja visto, planejado e preservado pensando nas gerações futuras.

Por conseguinte, deve compreender um conjunto de deveres não só do cidadão para com o Estado e com a nação derivada, mas também com o próximo e, em especial, com o meio ambiente (com o planeta), uma vez que somos parte de um ecossistema complexo que funciona de maneira integrada.

O HOMEM E A CONCEPÇÃO ANTROPOMÓRFICA

O homem, até pouco tempo, era visto sobretudo como um elemento superior e extrínseco em relação ao meio ambiente (sujeito apenas de direitos no que pertine a este), precisando refazer o caminho de integração como parte componente que é deste, na qualidade fundamental de sujeito também de deveres para com toda a biosfera. É importante consignar, por oportuno, que biosfera é o conjunto de todos os ecossistemas da Terra, resultado da conjunção de causas astronômicas, geofísicas, geoquímicas e biológicas frequentemente ligadas entre si por relações de interdependência, ao passo que meio ambiente é o conjunto de condições, leis, inluências e infraestrutura de ordem física, química e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas4.

3 CANCLINI, Néstor García. Consumidores e cidadãos : con itos multiculturais da globali-zação. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2006.

4 WEBBER, Alexandra Andréa. A Proteção das Reservas de Biosfera no Direito Internacional Ambiental: Aspectos Jurídicos Relevantes a Proteção das Reservas de Biosfera. Disponível em: . Acesso em: <8 Mai 2014>.

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A concepção estruturante antropomórica do homem no centro de tudo requer, portanto, mudança de concepção (de pensar e de sentir), ainda que se apresente com enorme diiculdade de ser rompida, eis que é a visão que perdurou durante praticamente toda a história da espécie humana: o homem - e apenas este - era a razão da existência de tudo à sua volta, o exemplar máximo da perfeição da criação divina, tese esta corroborada fortemente no Mundo Ocidental pela base ilosóico-religiosa judaico-cristã. A concepção fundamental e uníssona desta tese repousa, acima de tudo, na ideia de superioridade do gênero humano sobre o meio ambiente e está no livro Gênesis da Bíblia.

Trata-se não somente de uma questão de simplesmente repensar o homem, mas, em termos mais realistas, de reformular o papel do gênero humano na sociedade organizada, criando novos pilares a partir dos quais deve ser construída uma nova concepção político-jurídica de cidadania - com novos paradigmas de direitos e obrigações -, ampliando, consequentemente, a limitada noção de responsabilidade social para incorporar o meio ambiente e sua correspondente responsabilidade, forçando o desenvolvimento de um novo e ampliado conceito de responsabilidade socioambiental. Modernamente já se conceitua cidadão como sendo “o indivíduo que tem direito a ter direitos”5.

Assim, entende-se que, para se ter direito a ter direitos, é necessário cumprir determinados deveres, obrigações, que seriam a contrapartida na obtenção de benesses proporcionadas pelo Estado-Nação.

O termo meio ambiente é conceituado na lei que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/19816), em seu artigo 3º, inciso I, como “o conjunto de condições, leis, inluências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Assim, o homem, como habitante da Terra, é uma destas formas de vida que é abrigada e regida pelo meio ambiente, posto que é este conjunto de fatores que possibilita à espécie humana sobreviver neste planeta.

5 D'URSO, Luiz Flávio Borges. A Construção da Cidadania. Disponível em: Acessado em: <22 Abr 2014>.

6 BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do

Meio Ambiente, seus ins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Brasília: Diário Oicial da...

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