Cidadania multiétnica: esboço de formação de um estado transnacional para além das nacionalidades

AutorUlisses Levy Silvério dos Reis - Sven Peterke
Páginas48-74
CIDADANIA MULTIÉTNICA: ESBOÇO DE FORMAÇÃO DE UM
ESTADO TRASNACIONAL PARA ALÉM DAS NACIONALIDADES
MULTIETHNIC CITIZENSHIP: DRAFT FORMATION OF A
TRANSNATIONAL STATE BEYOND NATIONALITIES
ULISSES LEVY SILVÉRIO DOS REIS
1
SVEN PETERKE
2
RESUMO: O artigo apresenta considerações teóricas sobre a formação de um Estado transnacional no âmbito
da Organização dos Estados Americanos capaz de viabilizar cidadania aos habitantes dos Estados-membros
independentemente do gozo de uma nacionalidade específica. Tenta-se responder à questão: é possível garantir
os direitos de cidadania dos apátridas independentemente do gozo de uma nacionalidade? A pesquisa é relevante
porque os mecanismos do direito internacional dos direitos humanos relativos ao direito à nacionalidade não vêm
conseguindo estancar o aparecimento de apátridas. Empregou-se o método dedutivo, com apoio em bibliografia
das áreas das ciências jurídica e sociais, assim como da filosofia. Os referenciais teóricos principais são Arendt,
Kant, Bauman e Habermas. O artigo divide-se em três momentos: no primeiro, apresenta-se como as duas
Guerras Mundiais contribuíram para a criação de controles de migrantes nas fronteiras dos Estados e para
medidas de desnacionalização; em seguida, será apresentada a perspectiva arendtiana do fracasso da dignidade
humana para a proteção das minorias étnicas; no último, subdividido em três subpartes, será articulada, no
campo teórico, a possibilidade de formação da categoria estatal citada anteriormente e como ela pode garantir a
proteção dos direitos humanos dos apátridas. O trabalho demonstra que, apesar de não testado ainda no plano
empírico, o Estado transnacional pode tornar-se uma realidade de proteção dos vulneráveis à medida em que
pode proporcionar cidadania aos residentes nos territórios dos seus Estados-membros não pela em função do
vínculo de nacionalidade, mas com base no critério do local de residência.
PALAVRAS-CHAVE: Apátridas. Guerras Mundiais. Estados Transnacionais. Organização dos Estados
Americanos.
ABSTRACT: The article presents theoretical considerations about the formation of a transnational State within
the Organization of American States capable of enabling citizenship to the inhabitants of the States-members
regardless of the enjoyment of a particular nationality. It tries to answer the question: is it possible to guarantee
citizenship rights to stateless regardless of the enjoyment of a nationality? The research is relevant because the
mechanisms of international human rights law concerning the right to nationality have been unable to stop the
emergence of stateless persons. It’s used the deductive method, with support in literature of legal and social
sciences, as well philosophy. The main theoretical references are Arendt, Kant, Bauman and Habermas. The
article is divided into three stages: in first, it’s presented as the two World Wars contributed to the creation of
migrants controls at the frontiers of States and for denationalization measures; then, it will be presented to
Arendt’s thought about the failure of human dignity for the protection of ethnic minorities; in the latter, divided
into three subparts, will be articulated, in theory, the possibility of formation of the state category mentioned
above and how it can ensure the protection of human rights of stateless persons. The work shows that, although
not yet tested empirically, the transnational State can become a protective reality to vulnerable people if it can
provide citizenship to residents in the territories of its Member States not depending of the link of nationality, but
based on the criterion of place of residence.
KEYWORDS: Statelessness. World Wars. Transnational States. Organization of American States.
Doutorando em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará
1
(PPGD/UFC). Mestre em Ciências Jurídicas pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas da
Universidade Federal da Paraíba (PPGCJ/UFPB). Especialista em Direitos Humanos e Bacharel em Direito pela
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Professor Assistente da Universidade Federal Rural
do Semiárido (UFERSA)
Doutor em Ciências Jurídicas e Mestre em Assistência Humanitária Internacional pela Ruhr-Universität
2
Bochum (Alemanha). Bacharel em Direito pela Christian-Albrecht-Universität zu Kiel (Alemanha). Professor
Adjunto IV do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba (CCJ/UFPB).
Revista Acadêmica da Faculdade de Direito do Recife, vol.89, n.02, jul.-dez. 2017
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Volume 89, número 01, jan-jun. 2017
Why Individual Freedom and the Autonomy of Law
Stand or Fall Together
Bjarne Melkevik1
Åsbjørn Melkevik2
1 Two Kinds of Autonomy – Legal and Individual
There is, in legal philosophy, an ongoing debate about the autonomy of law, that
is, about the extent to which law is distinguishable from some other phenomena. The
dominant views, today, all understand law as fulfilling a certain instrumental role. Justice
and efficacy, then, are probably the most common relational others to law. For example,
it is common to say that the law should further a certain understanding of distributive
justice – this is the view preferred by philosophers such as John Rawls and Ronald
Dworkin. Others have argued for the efficacy of the law as with the law-and-economics
approach most famously championed by Judges Frank Easterbrook and Richard Posner.
This paper argues for a radically different understanding of the law, as it explains why
the law should indeed be autonomous. The question, however, is not whether the law is
actually autonomous or not – it is obviously not, as the law is too often the plaything of
various lawgivers. The real question is the following – do we want to be autonomous, as
individuals? The answer is obviously yes, individual freedom being a universal value,
and therefore, this paper argues, the law should also be autonomous. There is, as we will
1 Doctorat d’État in Legal Science at University Paris 2 – France. Professor at the Faculté de Droit –
Université Laval /Canada.
2 Ph.D. in political studies, Queen`s University. Post-Doctoral Fellow-in-Residence at Harvard University.
Autores convidados
Recebimento em 27/06/2017
Aceito em 07/07/2017
Recebido em 15/09/2017
Aprovado em 28/11/2017
1 INTRODUÇÃO
O meio jurídico do Brasil, seja no âmbito prático ou acadêmico, costumeiramente não
se debruça sobre a situação dos apátridas. A razão disso, muito provavelmente, se encontra no
sistema concessório misto de nacionalidade elencado na Constituição Federal de 1988, o qual
dá reduzida margem para geração de pessoas sem nacionalidade, sejam as nascidas no
território nacional ou os filhos de pai ou mãe brasileiros que nascem no exterior.
Ocorre, porém, que o drama da carência de nacionalidade é concreto e, segundo dados
do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), afeta cerca de
quinze milhões de pessoas no mundo atualmente, conquanto não se tenha dados estatísticos
precisos nesta mensuração (ONU, online). Embora existam tratados universais e regionais
construídos com o fim de garantir o gozo da nacionalidade para todos os seres humanos , bem
3
como sejam incessantes os esforços dos órgãos de monitoramento/fiscalização judiciais e
extrajudiciais da aplicação destes instrumentos normativos, o fato é que permanece a situação
de violação dos direitos destas pessoas, como apontado pela agência especializada das Nações
Unidas.
Tudo indica que a falha dos órgãos internacionais nesta missão se deve ao próprio
modo como a solução do problema é pressuposta: pela concepção segundo a qual a garantia
dos direitos humanos/fundamentais é corolário do gozo de uma nacionalidade. Esse trabalho,
de teor nitidamente teórico, visa justamente inverter tal lógica e responder ao seguinte
problema: é possível garantir os direitos de cidadania dos apátridas independentemente do
gozo de uma nacionalidade (se sim, como)? É premente a necessidade de se encontrar nos
campos acadêmico e político uma resposta para tal dilema, uma vez que os mecanismos dos
Estados-nações, mesmo articulados internacionalmente, não parecem aptos, pelo menos a
curto e médio prazo, a solucioná-lo.
A pesquisa é realizada no campo normativo. Foi construída com o método de
abordagem dedutivo e com apoio em bibliografias dos campos das ciências jurídicas, da
No âmbito internacional, existem a Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas de 1954 e a Convenção para a
3
Redução dos Casos de Apatridia de 1961. Já no sistema europeu, há a Convenção Europeia sobre Nacionalidade
de 1997 e a Convenção de Prevenção da Apatridia em Relação à Sucessão de Estados de 2006. Com relação ao
sistema interamericano de proteção dos direitos humanos, o art. XIX da Declaração Americana dos Direitos e
Deveres do Homem de 1948 (DADDH/1948) e o art. 20 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos de
1969 (ConvADH/1969) contemplam a obrigação de os Estados conferirem as suas nacionalidades a todos os
nascidos em seus territórios e a todos aqueles que corram o risco de não gozar de uma.
Revista Acadêmica da Faculdade de Direito do Recife, vol.89, n.02, jul.-dez. 2017
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Volume 89, número 01, jan-jun. 2017
Why Individual Freedom and the Autonomy of Law
Stand or Fall Together
Bjarne Melkevik1
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1 Two Kinds of Autonomy – Legal and Individual
There is, in legal philosophy, an ongoing debate about the autonomy of law, that
is, about the extent to which law is distinguishable from some other phenomena. The
dominant views, today, all understand law as fulfilling a certain instrumental role. Justice
and efficacy, then, are probably the most common relational others to law. For example,
it is common to say that the law should further a certain understanding of distributive
justice – this is the view preferred by philosophers such as John Rawls and Ronald
Dworkin. Others have argued for the efficacy of the law as with the law-and-economics
approach most famously championed by Judges Frank Easterbrook and Richard Posner.
This paper argues for a radically different understanding of the law, as it explains why
the law should indeed be autonomous. The question, however, is not whether the law is
actually autonomous or not – it is obviously not, as the law is too often the plaything of
various lawgivers. The real question is the following – do we want to be autonomous, as
individuals? The answer is obviously yes, individual freedom being a universal value,
and therefore, this paper argues, the law should also be autonomous. There is, as we will
1 Doctorat d’État in Legal Science at University Paris 2 – France. Professor at the Faculté de Droit –
Université Laval /Canada.
2 Ph.D. in political studies, Queen`s University. Post-Doctoral Fellow-in-Residence at Harvard University.
Autores convidados
Recebimento em 27/06/2017
Aceito em 07/07/2017

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