Cheque administrativo. Oposição motivada apresentada pelo endossante. Exoneração do banco sacado de honrar o título de sua emissão. Acórdão do STJ de 26.4.1993

AutorSílvia Maria do Prado Maida
Páginas168-181

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RE 16.713-0-MS - 4°T. Rel. Min. Athos Carneiro j. 26.4.1993 DJU 8.6.1993

Cheque administrativo. Pagamento. Oposição motivada apresentada pelo endossante. Hipótese em que o banco fica exonerado do compromisso de honrar o titulo de sua emissão. Ressalva das pretensões cambiarias ou não que possam assistir ao endossatário frente ao endossante. Inteligência do art. 36 da Lei 7.357/85.

Ementa oficial: A circunstância de tratar-se de cheque administrativo, sacado pelo estabelecimento bancário contra a sua própria caixa (art. 9a, III, da Lei 7.357/85), não afasta a aplicação do instituto da oposição motivada, nos termos do art. 36 da mesma lei, oposição no caso apresentada pelo favorecido e endossante do cheque sob invocação ao negócio subjacente ao endosso.

Em consequência, fica o banco exonerado do compromisso de honrar o cheque de sua emissão, ressalvadas as pretensões, cambiarias ou não, que possam assistirão endossatário frente ao endossante.

Recurso especial conhecido e provido.

Acórdão

Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas. Decide a 4â Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, na forma do relatório e notas taquigráficas precedentes que integram o presente julgado. Participaram do julgamento, além do signatário, os Srs. Mins. Fontes de Alencar, Sálvio de Figueiredo, Barros Monteiro e Bueno de Souza.

Custas como de Lei.

Brasília, 26 de abril de 1993. Athos Carneiro, Presidente e Relator.

Relatório

O Exmo. Sr. Min. Athos Carneiro: apreciando o recurso especial manifestado por Banco Itaú S/A, o e. Vice-Presidente

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do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, ao negar seguimento ao apelo, interposto pela letra "a" do permissivo constitucional, assim narrou a espécie:

Banco Itaú S/A, inconformado com o acórdão que manteve a decisão de lfi grau que julgou improcedentes os embargos ofertados contra José Juvino de Lima, interpõe recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça, com fulcro no art. 105, III, da Constituição Federal.

Na génese deste recurso depara-se com os seguintes fatos: em 6.12.1989, Armando Marques, cliente do recorrente, re-quereu a emissão de uma Ordem de Pagamento em seu próprio favor, no valor de NCz$ 1.000.000,00, para ser cumprida na agência de Campo Grande. Neste mesmo dia, este cliente resgatou a ordem, mediante a emissão de dois cheques administrativos nos valores de NCz$ 550.000,00 e NCz$ 450.000,00, nominativos a ele próprio. No momento seguinte, ainda no mesmo dia, endossou os dois cheques a José Juvino de Lima, que, por sua vez, depositou-os em sua conta corrente, junto ao Bamerindus do Brasil S/A, em Campo Grande. No dia 7.12. 1989, o Sr. Armando Marques solicitou a sustação do pagamento dos títulos, oferecendo oposição escrita, alegando que a transação comercial que lhes dera origem houvera sido cancelada. Diante disto, o ora recorrente devolveu os cheques recebidos, através da compensação, sem o pagamento, pela alínea "c" (contra-ordem/ oposição). Inconformado com a devolução dos títulos, o ora recorrido propôs Ação de Execução.

Opostos embargos, estes foram julgados improcedentes, sob o argumento de que o cliente Armando Marques, tomador originário dos cheques, não tinha legitimidade para oferecer oposição e que cabia ao ora recorrente tê-la rejeitado e pago os títulos emitidos.

Irresignado, o recorrente apelou para este Egrégio Tribunal de Justiça, tendo a 2a Turma Cível proferido decisão unânime resumida na seguinte ementa:

Embargos de devedor. Cheque Administrativo. Contra-ordem do endossante. Impossibilidade. Recurso Improvido.

Se o cheque administrativo foi lançado à circulação, não pode o banco recusar seu pagamento mediante simples pedido de sustação do endossante.

Argúi o recorrente que o acórdão impugnado viola flagrantemente os arts. 586 e 618 do Código de Processo Civil (fls.).

Negado seguimento ao recurso, foi manifestado agravo de instrumento pelo Banco Itaú, agravo este provido para melhor exame.

Com as contra-razões a fls., veio o processo a este Superior Tribunal.

É o relatório.

Voto

O Exmo. Sr. Ministro Athos Carneiro (Relator): O v. acórdão, de relatoria da Desa. Dagma Paulino dos Reis, contém fundamentação nos termos seguintes: "(...) o cerne da questão em debate é saber se uma pessoa, que transfere a outrem, por endosso, um cheque emitido a seu favor pelo banco (cheque administrativo ou comprado), pode dar a este uma ordem para que suste seu pagamento".

Já entendeu o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 77.167, de 10.12.1973 (in JB 55/55), que: "Uma vez lançado à circulação, não pode o sacador-sacado recusar seu pagamento a pretexto de contra-ordem de terceiro, que lhe solicitou a emissão".

É bem verdade que o art. 6Q da Lei 2.591/12, já admitia a contra-ordem de pagamento do cheque, feita pelo emitente, desde que legalmente motivada e independentemente do prazo para apresentação em face da adesão à Convenção de Genebra, e que a nova lei permite ao emitente a revogação do cheque (v. arts. 35 e 36 da Lei 7.357), mediante as razões motivadoras do ato e oposição feita pelo emitente ou pelo portador.

Nada esclarece a lei a respeito de oposição manifestada por terceiro, no caso o

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comprador do cheque administrativo responsável por sua criação e circulação.

Por isso, cabia ao cliente, como terceiro interessado na sustação do cheque, obter uma ordem judicial para que o banco emitente deixasse de pagá-lo, pois o banco não poderia, mediante uma simples carta contendo a afirmação de que houve o cancelamento de transação irregular, sustar o pagamento do cheque já em mãos de terceiro, sob pena de comprometimento do próprio instituto do cheque, título autónomo e de fácil e corrente circulação.

Se a lei não autoriza a revogação pura e simples do cheque e se o endossante de cheque administrativo necessita impedir seu pagamento, deverá procurar meio judicial célere para veicular sua pretensão, pois, conforme foi dito no voto do e. Min. Xavier de Albuquerque (in JB 55/55):

A pessoa que entregou o dinheiro ao Banco e pediu que fosse emitido um cheque a favor de terceiro, nada mais tem com o título, que corre sob a responsabilidade do Banco emitente. Daí concluir-se que a agência sacada não pode atender à contra-ordem de quem extraiu o cheque, porque a contra-ordem só pode ser dada pelo emitente, e este é o próprio Banco. Desta maneira, o cancelamento destes cheques, a pedido de quem solicitou a emissão, só é possível se eles ainda estiverem em seu poder. Do contrário, o Banco será obrigado a pagar o cheque, se lhe for apresentado, pelo portador de boa-fé, não podendo, sob pena de protesto, recusar o pagamento do cheque apresentado por endossatário que o adquiriu de boa-fé.

No caso em exame nem sequer se cogitou de má-fé do endossatário na cobrança dos cheques em questão e a solução dada ao caso parece ter sido a que melhor atende à natureza da controvérsia discutida nestes autos (fls.)

Diga-se que os autores de nomeada dão amparo a tal orientação.

Assim, Paulo Restife Neto, em douta monografia sobre a Lei Uniforme de Genebra relativa ao cheque (Ed. RT, 3aed., p. 106), traz à balha o aresto do Excelso Pretório, já citado, proferido no RE 77.167, e afirma que em se tratando "de cheque bancário, não se admite, por incompatibilidade, a revogação ou a contra-ordem".

O emitente, que é também o Banco sacado, é o único que teria legitimidade para contra-ordenar o pagamento. Entretanto, posto em circulação com a entrega do cheque bancário ao seu tomador, que constituiu a provisão junto ao primeiro, ao emitente só resta cumprir a obrigação do pagamento do seu valor ao portador legitimado, seja o tomador, seja outro beneficiário.

Sérgio Carlos Covello lembra o magistério do mestre Waldemar Ferreira em seu Tratado de Direito Comercial, no sentido de equiparação do cheque administrativo, ou "cheque bancário", a uma autêntica "nota promissória bancária de cheque denominada"; e desde este asserto extrai a conclusão de que impossível a revogação de tais cheques, a não ser por meios judiciais (Contratos Bancários, 2a ed., Saraiva, 1991,pp. 144-145).

Igualmente, Mauro Brandão Lopes, escrevendo sobre a vigência da Lei Uniforme, exclui a possibilidade de contra-ordem ao pagamento do cheque bancário, pois em seu entendimento a expressão "regular-se-ão, em tudo o mais pela Lei do Cheque" (grifo nosso), constante do Decreto 24.777/ 34 - que expressamente legitimou o costume de os bancos emitirem cheques contra as próprias caixas, tal expressão excluiria "a contra-ordem", já que este é privativa do cheque de estrutura típica, em que o sacador ordena o sacado, que é diferente pessoa, o pagamento da soma constante do cheque (omissis) ao cheque típico, que tem estrutura tradicional, na qual emitente e sacado são pessoas distintas, aplica-se no Brasil a norma que se contém no art. 62 do Decreto 2.591, porque possível ordem de revogação de um a outro; mas ao cheque que um banco emite contra ele próprio não se pode aplicar aquela norma, porque impossível ordem que dê uma pessoa a si mes-

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ma" (Natureza e Regime Legal do Cheque Bancário, Ed. RT, 1978, n. 3, pp. 13-14).

Não obstante tão ponderáveis considerações, a polémica questão deve ser encarada e solucionada à luz do direito vigente, ou seja, da Lei 7.357/85.

Em primeiro lugar, vale sublinhar que a lei em vigor encara o chamado "cheque bancário" como uma das modalidades normais de cheque, como está no art. 9°, verbis: "O cheque pode ser emitido: I - A ordem do próprio sacador; II - Por conta de terceiro; III - Contra o próprio banco sacador, desde que não ao portador".

De outra parte, a lei vigente, art. 35, prevê expressamente os casos de contra-ordem ou revogação, privativa do "emitente do cheque pagável no Brasil e que só produz efeito após expirado o prazo de apresentação", e os casos de oposição, pela qual "Art. 36. Mesmo durante o...

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