A centralidade das políticas sociais no capitalismo: uma análise da Era Thatcher
Autor | André Simões |
Cargo | Pesquisador do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) |
Páginas | 151-176 |
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 14 - Nº 29 - Jan./Abr. de 2015
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A centralidade das políticas sociais no
capitalismo: uma análise da Era Thatcher
André Simões1
Resumo
O presente artigo tem como objetivo mostrar a inviabilidade do projeto neoliberal de construção
de uma economia baseada nas forças de mercado, ressaltando, ao mesmo tempo, a importância
das políticas sociais para o processo de reprodução do capitalismo. A partir da análise da ex-
periência britânica no período marcado pelo governo da Primeira Ministra Margareth Thatcher,
pretende-se mostrar como a tentativa de criação de uma economia de mercado produziu um
contramovimento de proteção da sociedade. Este último pode ser notado tanto no aumento dos
gastos sociais quanto no processo de reestruturação das políticas sociais.
Palavras-chave: Crise econômica. Neoliberalismo. Políticas sociais. Gastos sociais.
1 Introdução
Desde a publicação, em 1776, do livro “A Riqueza das Nações” de Adam
Smith, estudiosos se dedicam a desenvolver teorias explicativas sobre o fun-
cionamento do capitalismo. Essa motivação esteve na origem do surgimento
de uma série de correntes de pensamento ao longo de todo o século XX, que
forneceram as bases para a formulação de políticas voltadas para o desenvol-
vimento dos países.
Embora pertencentes a diferentes matrizes teóricas, essas correntes de
pensamento possuem um ponto em comum: encontram-se fundamentadas
na problemática que envolve as relações entre Estados e mercado. A teoria
neoclássica, por exemplo, confere primazia ao mercado no funcionamento do
1 Pesquisador do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Doutor em Economia da Indústria e da
Tecnologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Mestre em Planejamento Urbano e Regional pela
mesma Universidade. E-mail:andresimoes36@gmail.com. O IBGE não se responsabiliza por opiniões, informa-
ções, dados e conceitos contidos neste artigo, que são deexclusiva responsabilidade do autor.
http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2015v14n29p151
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capitalismo, abrindo espaço para a intervenção estatal no sistema econômi-
co apenas quando este apresentar falhas que comprometam sua eciência.
Já a teoria keynesiana minimiza a ecácia de uma economia conduzida uni-
camente pelas forças de mercado, mostrando que o Estado é a instituição
fundamental para garantir a elevação do nível de produção acima daquele
xado pelo mercado.
A abordagem da Economia Política Institucional2, por sua vez, insere a
referida relação em uma problemática que remete às condições de reprodu-
ção do capitalismo. Assim como a interpretação marxista, os institucionalistas
atribuem ao capitalismo contradições que impedem que o processo de acu-
mulação seja conduzido exclusivamente pelas forças de mercado POLANYI,
2000; GOUGH, 1979). Nesse sentido, a natureza ctícia da força de trabalho
particulariza o seu processo de (re)produção, diferenciando-o das demais mer-
cadorias. A necessidade de condições básicas de reprodução da força de tra-
balho se encontra além da garantia de um salário de subsistência, incluindo,
da mesma forma, o acesso à moradia, ao saneamento, à saúde e à educação.
O mercado, dessa forma, mostra-se insuciente em prover os meios que ga-
rantam essa reprodução, o que abre espaço para a atuação de instituições não
mercantis, como o Estado.
Nesta abordagem, o Estado assume um papel mais amplo no capitalismo,
ao garantir as condições para que a expansão dos mercados ocorra sem que
haja o rompimento dos seus vínculos com as instituições políticas e sociais do
sistema. Os mercados perdem sua primazia, assumindo a condição de mais
uma instituição – de fato importante – que se desenvolveu ao longo da histó-
ria. Em outras palavras, para os adeptos da Economia Política Institucional, o
mercado se expande a partir da atuação do Estado, estando, por isso, enraiza-
do nas instituições políticas e sociais das sociedades capitalistas, que condicio-
nam o seu desenvolvimento.
Imbuído desta visão, Polanyi (2000) mostra, a partir de evidências his-
tóricas, que a inversão dessa lógica – tentativas de submissão das instituições
políticas e sociais à lógica de funcionamento do mercado –, produziu o au-
mento da vulnerabilidade social da população. Para o referido autor, a total
2 Denominou-se de “Economia Política Institucional” a corrente analítica inaugurada por Karl Polanyi, que
vincula o funcionamento do sistema capitalista ao movimento de suas instituições.
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