A cédula de produto rural na estruturação de operações financeiras

AutorRenato Buranello
Páginas121-126

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I - Introdução

Recente julgado no Superior Tribunal de Justiça em sede do Recurso Especial (n. 722.130-GO - 2005/0017809-0), renovou antiga discussão sobre a necessidade de pagamento antecipado para validade da Cédula de Produto Rural (CPR), bem como, possibilidade ou não de utilização do título como garantia de obrigações contratuais. No sentido de evidenciar os principais ob-jetivos deste importante título no financiamento agrícola, destacamos as várias formas de utilização da Cédula de Produto Rural (CPR) em diversos tipos de operações financeiras estruturadas pelas empresas de fertilizantes, tradings companies e instituições financeiras. Assim, pudemos avaliar e concluir sobre a adequação negociai e segurança jurídica de tais operações à luz do direito comercial, dos princípios da autonomia privada e da função social dos contratos.

Ao direito privado comum, ou civil, se contrapõem os direitos privados especiais. Como todo direito especial, representam à adaptação deste direito comum a circunstâncias especiais. Assim, o direito comercial, historicamente elaborado para subtrair a atividade económica ao formalismo do direito civil do século XVIII, alicerça-se nas seguintes necessidades: a) de celeridade da atividade económica, que obriga a uma decisão muito mais rápida dos negócios; b) da boa-fé, na base da qual se sacrificam certas formalidades com que se garante o tráfego civil; c) de reforço do crédito, do qual resulta uma proteção mais acentuada do credor comercial; d) do fim lucrativo, uma vez que este objetivo permeia e caracteriza toda a atividade comercial.1

O contrato, por sua vez, exprime uma realidade económica de interesses em relação aos quais cumpre uma função instrumental. O contrato vale porque as partes assim o quiseram e com o conteúdo por estas estipulado. O seu acordo é disciplina criada pelas partes e integra-se na ordem jurídica. Por isso se diz que estas gozam de autonomia. No direito contratual moderno enfrenta-se a possibilidade de se afastar ou abandonar esquemas predispostos pela teoria clássica dos contratos, para modelos negociais de cooperação, solidariedade e boa-fé entre os agentes. Desta forma, os modernos ordenamentos jurídicos devem

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buscar compatibilizar as análises jurídicas e económicas a respeito de mercados, no caso, o mercado agrícola, tendo como eixo a noção de desenvolvimento da atividade, a qual se aperfeiçoa na celebração de seus novos instrumentos.

A autonomia privada precisa acomodar-se à razoabilidade e, nesse caso, deve levar em conta mais as ideias de formação coletiva, inclusive práticas costumeiras e distributivas. Nesse contexto, temos que a execução das obrigações contratuais importa necessariamente o uso da propriedade de algum bem, seja ele o próprio objeto do contrato ou insumo da atividade económica. Também entendemos que a busca de soluções inovadoras, até mesmo mais eficientes que as conhecidas não poderá ser tolhida, a função social do contrato deve conviver com a dinâmica dos mercados.2 Por fim, como descreve o professor Fábio Ulhoa Coelho, "apenas não atenderia à função social exigida dos negócios comerciais, aquele contrato que sacrifica, compromete ou lesa interesses metaindividuais (públicos, difusos ou coletivos) acerca dos quais não têm os contratantes a disponibilidade".3

II - O papel da Cédula de Produto Rural no financiamento agropecuário

O financiamento agropecuário brasileiro sempre teve como característica histórica um modelo de grande intervenção estatal, passando tal modelo pela constituição do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), em 1966, e pelo Decreto-lei n. 167, de 14 de fevereiro de 1967, que criou títulos para financiamento rural, fortemente relacionado às fontes oficiais de crédito com a consequente pequena evolução e operacionalidade de tais títulos. No aspecto económico, a crise financeira que atin-giu o Brasil nos últimos anos, especialmente na década de 1980 e início da década de 1990, obrigou o Estado brasileiro a reduzir gastos públicos, o que provocou, entre outras medidas, na restrição da concessão do crédito rural pelo Estado aos produtores. Tal afirmação é confirmada pelo fato de que a parcela financiada com recursos públicos vem se reduzindo gradativãmente ao longo dos anos, transferindo para a iniciativa privada, assim, a responsabilidade pelo financiamento do setor. Em 22 de agosto de 1994, marcando a reformulação da política agrícola e visando o maior financiamento privado do agronegócio, foi criada a Cédula de Produto Rural, com a publicação da Lei n. 8.929, que pode ser considerada o instrumento básico de toda a cadeia produtiva e estrutural do que chamamos de Sistema Privado de Financiamento do Agronegócio.

A Cédula de Produto Rural é um título representativo de promessa de entrega de produtos rurais emitido por seus produtores, suas associações ou cooperativas. Em 2001, como forma de reduzir os riscos físicos e prevendo a maior participação direta do mercado financeiro e de capitais privado, foi permitida a liquidação financeira desse título, denominada "CPR Financeira" (conforme...

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