A Desconsideração da Personalidade Jurídica: sua Aplicação no Âmbito Brasileiro

AutorTalita Martins Pereira/Junio César Mangonaro
CargoDiscente do curso de Direito Universidade Norte do Paraná (UNOPAR)/Mestre em Direito Empresarial Universidade de Marília (UNIMAR)
Páginas81-88

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1 Introdução

A pessoa jurídica é um ente social indispensável ao desenvolvimento econômico, é por essa razão que com o tempo se auferiu a ela a titularidade própria de deveres e obrigações, visando, o melhor desenvolvimento econômico-social de suas atividades.

Contudo, frente à crescente crise social da má gestão deste ente, usado, por vezes, como meio de deturpar a realidade, servindo à prática dos interesses pessoais, de quem as compõe, e não mais àqueles pelos quais fora criada, trouxe a eminente necessidade de que tal conduta fosse freada. Mas sem, contudo, negar a existência da pessoa jurídica, haja vista sua inegável importância.

Deste modo passou-se a teorizar sobre a Desconsideração da Personalidade Jurídica, antecedendo, sua aplicação, a qualquer previsão legal expressa embasada tão somente na realidade social, vez que sua origem histórica deu-se no Direito Inglês, que se determina pela Commom Law.

No Brasil, esta teorização chegou primeiramente no âmbito doutrinário, exposta brilhantemente pelo Professor Rubens Requião, na década de 60. Disseminando-se por nosso ordenamento jurídico e, somente na década de 90, reconhecida sua importância, passou a ser trabalhada expressamente, também pela lei, especialmente com a edição do Código de Defesa do Consumidor, o qual serviu de parâmetro a outras diversas normas.

Seu desenvolvimento levou a duas formas distintas, entre si, de expressão dessa teoria. Uma, a qual se denomina menor, sendo também a mais abrangente, dada a sua aplicação fundada, tão somente, na insolvência do ente personalizado, outra, maior por ser de conteúdo mais complexo e elaborado, necessitando, para sua aplicação episódica, da ocorrência de alguma das hipóteses fixadas legalmente.

Nos diversos ramos do Direito há, ainda que sem previsão expressa, a possibilidade de aplicação de tal teoria, vez que isto não se faz necessário fundamentalmente, contudo, o que gera conflitos é quanto a qual forma teórica é de aplicabilidade mais adequada.

2 Das Pessoas Jurídicas

Com a evolução sócio-econômica, o homem foi percebendo que era imprescindível, para a melhor realização de alguns empreendimentos, a reunião de várias pessoas, não só para que tivessem seus recursos patrimoniais administrados por outro ente, mas também, que de forma direta, atuassem na condução do empreendimento.

Da necessidade social foi que surgiu a pessoa jurídica. Com a evolução jurídica da sociedade, as coletividades passaram a ser reconhecidas como entes com existência social, distintamente dos agentes humanos que as compunham.

Contudo, somente na última parte do segundo milênio, com o direito canônico, é que se permitiu reconhecer, nessas coletividades organizadas, uma pessoa, dando-lhe identidade e personalidade próprias (MAMEDE, 2007).

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2. 1 Conceito

A criação deste ente ficto tem por finalidade atender os interesses do homem, uma vez que serve de fato, como uma armadura jurídica para realizar, de modo mais adequado, os interesses dos homens (TOMAZETTE, 2002).

Servindo, pois, a pessoa jurídica, como incentivo e estímulo ao desenvolvimento das atividades lucrativas, vez que, os riscos inerentes ao empreendimento são por ela minorados, frente a sua autonomia, fato decorrente de sua personalidade própria.

Nesse sentido tem-se, em consonância aos ensinamentos de Bevilaqua (1975), no qual a pessoa jurídica, como sujeito de direito e do ponto de vista sociológico, é realidade social, formação orgânica investida de direitos pela ordem jurídica, a fim de realizar certos fins humanos.

Sólido é o entendimento doutrinário no sentido de que as pessoas jurídicas são como "entidades criadas para a realização de um fim e reconhecidas pela ordem jurídica como sujeitos de direitos e deveres" (FIUZA, 2003, p.75).

Porém, ao apresentar o seu entendimento do que seja a pessoa jurídica, Requião, não se refere à reunião e conjugação de esforços para a consecução de certo fim, mas destaca que:

Entende-se por pessoa jurídica o ente incorpóreo que, como as pessoas físicas, podem ser sujeitos de direitos. Não se confundem, assim, as pessoas jurídicas com as pessoas físicas que deram lugar ao seu nascimento; pelo contrário, delas se distanciam, adquirindo patrimônio autônomo e exercendo direitos em nome próprio. Por tal razão, as pessoas jurídicas têm nome particular, como as pessoas físicas, domicílio e nacionalidade; podem estar em juízo, como autoras ou como rés, sem que isso se reflita na pessoa daqueles que a constituíram. Finalmente, têm vida autônoma, muitas vezes superior às das pessoas que as formaram; em alguns casos, a mudança de estado dessas pessoas não se reflete na estrutura das pessoas jurídicas, podendo, assim, variar as pessoas físicas que lhe deram origem, sem que esse fato incida no seu organismo. É o que acontece com as sociedades institucionais ou de capitais, cujos sócios podem mudar de estado ou ser substituídos sem que se altere a estrutura social (REQUIÃO, 1988, p. 204).

As pessoas juridicamente constituídas são classificadas, por sua vez, de acordo com a finalidade a que se prestam, podendo estas ser genericamente de duas naturezas, as públicas e as privadas, sendo estas as relevantes ao nosso estudo.

2.1. 1 Pessoa jurídica de direito privado

As pessoas jurídicas de direito privado vem enumeradas pelo Código Civil Brasileiro, em seu artigo 44, nos incisos de I a V, constituídas por iniciativas de particulares, sendo elas, as fundações particulares, associações, sociedades (simples e empresariais), organizações religiosas e ainda partidos políticos. O presente estudo terá por foco o estudo mais relacionado às sociedades, especificamente as de natureza empresarial.

Assim, pode-se afirmar que realização de investimentos comuns para a exploração de atividade econômica pode revestir várias formas jurídicas, entre as quais a "sociedade empresarial" (COELHO, 2008, p.5).

As sociedades são, por seu turno, pessoas jurídicas com finalidade lucrativa, podendo estabelecer-se sob dois regimes distintos, o de sociedade simples, ou empresarial.

As sociedades constituídas, mesmo que com fulcro econômico só serão consideradas sociedades empresariais quando exercerem profissionalmente a atividade econômica e de modo organizado, para produção e circulação de bens e serviços, nos moldes do que nos prescreve o artigo 966 do Código Civil Brasileiro, sujeitos a registro, nos termos do artigo 967 do mesmo diploma legal.

A sociedade empresarial terá sua personalização com o seu registro na junta comercial, sendo o órgão competente, na modalidade de arquivamento, porque a legislação civil estabelece formalidades para sua constituição, tornando-se, deste modo, público o novo sujeito de direito.

3 Da Personificação das Sociedades Empresariais

Constituída a pessoa jurídica, certamente os componentes desta sociedade devem, mutuamente, agir em prol do desenvolvimento da atividade empresaria a ela atribuída, sem, no entanto, confundí-los, sendo, pois agentes autônomos. As sociedades empresariais, quando personalizadas, são pessoas distintas dos sócios, titulares de seus próprios direitos e obrigações (COELHO, 2008).

3. 1 Dos efeitos decorrentes da personalidade jurídica

Da definição da sociedade empresarial, como pessoa jurídica, derivam consequências específicas, ou seja, é com a efetiva inscrição, no órgão competente, que se tem início a personalidade jurídica, passando, então, a produzir seus efeitos legais (COELHO, 2008).

Com a aquisição de personalidade é que se torna sujeito titular de direitos, naturalmente, só lhes serão atribuídos àqueles compatíveis com a sua condição ficta, deste modo é que o próprio Código Civil, por meio de seu art. 52, declara a aplicação, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade (RODRIGUES, 2003).

Desde o momento em que é constituída regularmente haverá a separação entre as pessoas físicas que compõem a sociedade, e a pessoa jurídica, observada a sua autonomia e titularidade, a qual se distingue em três aspectos, o patrimonial, o processual e o obrigacional (COELHO, 2008).

3.1. 1 Da titularidade processual

Isto importa no fato de que constituída a pessoa jurídica, é esta quem será legítima a figurar como parte no âmbito processual, tanto no pólo ativo, quanto no pólo passivo da demanda. Tendo em vista sua autonomia e independência, em se tratando de uma relação litigiosa que envolva a atividade empresarial não serão os sócios legitimados para demandar e serem demandados, mas sim a própria pessoa jurídica.

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3.1. 2 Da titularidade obrigacional

A pessoa jurídica agirá sempre em nome próprio. Por óbvio que sua manifestação de vontade far-se-á por meio de uma pessoa natural que a represente, contudo, isto não leva ao conflito de identidades, entre o agente e o titular obrigacional. Ao contrário, será a pessoa jurídica a participante ativa das relações firmadas em torno da atividade empresaria, como credora ou devedora, sendo que apenas em circunstâncias excepcionais, tratadas em normas específicas, é que serão estendidos os efeitos dessa relação à esfera subjetiva dos seus sócios (COELHO, 2008).

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