Conscientização ecológica: uma questão de sobrevivência

AutorLuís Carlos Rosa
Páginas223-237

Page 223

1 Considerações iniciais

No decorrer da história evolutiva1 da raça humana, a natureza sempre teve um papel fundamental, seja pelas dificuldades iniciais que impôs, seja pelos recursos naturais que propiciou ao homem, para, após séculos de exploração descuidada e degradante, quando os indicativos do sistema, no conjunto, apontam para um perigo iminente à continuidade das condições que propiciaram e propiciam o desenvolvimento da vida e de sua manutenção na face da Terra, ganhar, novamente, uma atenção especial, agora sob uma perspectiva ecocêntrica. Dentro deste contexto, a proposta do presente trabalho envolve a análise das condições e circunstâncias que conduziram e conduzem à degradação paulatina doPage 224 meio ambiente, às consequências desta exploração descriteriosa e a indicação de uma necessária mudança radical de comportamento, com a adoção de um desenvolvimento sustentável.

Dentro do primeiro e segundo tópicos do trabalho, foram exploradas as nuances do paradigma antropocêntrico – que toma o homem como centro do universo, senhor absoluto –, concepção que conduziu a um modelo de desenvolvimento não-sustentável, com uma exploração desmedida da natureza, ignorando o fato de que o homem é apenas um elemento da “teia da vida”, tendo o ideário antropocêntrico amparo no pensamento mecanicista, que concebe homem e mundo como máquinas auto-explicativas, independentes e autônomas.

No terceiro tópico, saindo do modelo antropocêntrico e ingressando em uma perspectiva sistêmica, passa-se a abordar o homem não como um ser isolado, mas como um integrante do todo, compreendendo o ecossistema em que está inserido e respeitando-o, o que passa por uma necessária alfabetização ecológica, com uma conscientização acerca da necessidade de mudanças no comportamento que fomentou e esta fomentando o colapso do sistema terrestre.

Com olhos no pensamento sistêmico e na construção de James Lovelock, no quarto tópico, parte-se para a abordagem da Terra como um ser vivo, um ser pulsante, que se auto-regula e organiza, onde cada ser vivo e elemento inanimado tem seu papel a desempenhar na produção do equilíbrio imprescindível à vida, teoria que buscou na mitologia grega o nome da deusa Gaia, denominação consagrada entre os ambientalistas.

Na sequência, a abordagem centra a atenção em um dos maiores problemas de desiquilíbrio do sistema Gaia, qual seja, o aquecimento global decorrente do aumento de emissão de gases do efeito estufa que, segundo os pesquisadores, tem acarretado um aumento progressivo na temperatura, prevendo-se para um futuro próximo um colapso impactante, com a grande possibilidade de inviabilidade da mantença das condições propícias à vida na Terra.

Por fim, diante da gravidade do problema, parte-se para a indicação de uma necessária adoção de mudança do projeto de desenvolvimento explorativo, para um projeto de desenvolvimento sustentável, com a substituição da utilização da fontes de energias sujas, para as energias limpas.

2 Homem, o senhor do mundo – uma visão antropocêntrica

A necessidade de vencer os obstáculos impostos pela natureza inóspita, significou, no alvorecer da raça humana, a diferença entre a sobrevivência e o extermínio. Contudo, com o passar do tempo, vencidas as dificuldades iniciais, esse sentimento de sobrevivência, motivado pelas necessidades básicas de busca por alimento, por abrigo, de defesa contra as feras que reinavam de forma absoluta na Terra, acabou por ganhar contornos predatórios e de dominação desenfreada, passando a natureza a ser explorada de forma indiscriminada.

De fato, superadas as primeiras dificuldades, restou difundida no decorrer da história evolutiva da raça humana, em especial a partir da Revolução Comercial e Revolução Industrial, a concepção de uma natureza inesgotável, fonte de riquezas intermináveis que estariam ao inteiro dispor do homem para fomentar o desenvolvimento. Dentro desta visão de mundo, o homem figurava como senhor absoluto, como centro do universo, como um dominador e explorador, fomentandoPage 225 um paradigma antropocêntrico que rendeu um desequilíbrio ecológico sem precedentes. Neste contexto, assinala Junges:

Para essa mentalidade, os recursos naturais estão à disposição do desfrute ilimitado do ser humano. O dever moral é utilizar para proveito imediato e o mais rapidamente possível o máximo de recursos naturais disponíveis. Essa atitude moral acompanhou e justificou a conquista de terras selvagens e a sua colonização e exploração em vista do lucro e do enriquecimento. É a mentalidade que inspirou a ocupação do território brasileiro desde a chegada dos portugueses, que se mantém até hoje. A busca de novas terras para a mineração e a agricultura chegou a longíquos rincões do Brasil durante os últimos dois séculos. Essa busca foi motivada pela ideologia do progresso, induzida pela possibilidade de exploração descriteriosa dos recursos naturais. Esse processo socioeconômico tem sua origem no capitalismo. Os efeitos de injustiça social e destruição da natureza estão patentes e despertam reações no sentido de uma mudança de paradigma2.

Fruto desta visão antropocêntrica, vigorou durante muito tempo no âmbito do Direito a concepção de propriedade imóvel como um direito absoluto, propiciando ao titular do domínio a utilização irrestrita e sem limites dos bens que compõe o seu patrimônio, em nome do que florestas foram devastadas, recursos naturais foram esgotados e espécies foram extintas.

A conversão para esta linha de pensamento, ganhou contornos jurídicos mais expressivos a partir do século XVII, conforme assinala Ost:

Com o estabelecimento, a partir do século XVII, de uma nova relação com o mundo portadora das marcas do individualismo possessivo, o homem, medida de todas as coisas, instala-se no centro do Universo, apropria-se dele e prepara-se para transformar. [...]. Irresistível ascensão da propriedade privada, que triunfa na noite de 4 de Agosto de 1789, se vê solenemente consagrada no artigo 544º do Código Civil como direito >3.

Dentro desta perspectiva de mundo, seguiu o legislador nacional o mesmo caminho, fazendo constar do art. 524 do Código Civil brasileiro de 1916: “A lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua”.

O antropocentrismo não concebe o homem como um integrante de algo maior, como um elo da “teia da vida”, mas, sim, sob a estreita visão individualista, nas palavras de Junges: “não assume o paradigma ecológico, porque não capta o ser humano inserido em uma rede de interdependências e conexões vitais que formam o ecossistema humano e natural4, o que denota uma visão mecanicista, cartesiana de ver a vida e o mundo.

Já sob uma nova concepção, veio a Constituição Federal brasileira de 1988, referendando o direito constitucional de propriedade, mas agora não mais como um direito absoluto, exigindo, expressamente, que toda a propriedade devePage 226 cumprir com sua função social, além de ser explorada com respeito ao meio ambiente, na forma como preconizado pelo disposto no art. 170, incisos II, III e VI. Dentro desta nova mentalidade, o legislador infraconstitucional previu no Código Civil de 2002, artigo 1.228, as faculdades de usar, gozar e dispor da propriedade privada, além de reavê-la de quem injustamente a possua ou a detenha, com a observância da função social e econômica, além da exploração de forma a preservar o meio ambiente, em uma nítida mudança de paradigma, sem contar as legislações específicas de proteção à flora e à fauna, muitas vezes criticadas pelo rigorismo, mas necessárias para uma adequação à nova exigência da atualidade.

3 Antropocentrismo e mecanicismo, duas faces da mesma moeda

Dentro do contexto histórico que permeou os séculos XVI e XVII, envolto em crescentes descobertas científicas, tendo como expoentes Copérnico, Galileu, Descartes, Bacon e Newton, a filosofia aristotélica perdeu espaço, tanto que, conforme explana Capra, “a noção de um universo orgânico, vivo e espiritual foi substituída pela noção do mundo como uma máquina5, deixando de tomar os fenômenos como integrantes de uma rede interligada, para considerá-los como partes auto-explicativas.

O cartesianismo apregoado por René Descartes, arraigado a uma visão de homem máquina, explicado pelo conjunto músculos, veias e fluídos que o compõe, desvinculado do contexto em que está inserido, fomenta e encorpa o antropocentrismo, paradigma que rendeu e tem rendido uma crescente mutilação da natureza, como se ao homem fosse possível sobreviver fora de seu habitat. Tratando do assunto, salienta o professor Specht, “Na verdade, não somos seres à parte e, sim, elementos da natureza como um todo. É preciso, então, inverter a lógica antropocêntrica tradicional por uma outra lógica que pode ser chamada de ecocêntrica6.

Sob uma perspectiva espiritual, tem-se que a orientação mecanicista gera crises existenciais, fruto do apego ao ser individual, desconectado e materialista. Segundo Capra, para os budistas a visão de um eu individual, separado, é uma ilusão, uma concepção destituída da realidade, acrescentando que:

Uma análise detalhada da crença num eu independente e fixo, e a resultante ‘ansiedade cartesiana’, levam Francisco Varela e seus colaboradores à seguinte conclusão:

Nosso impulso para nos agarrar a uma terra interior é a essência do ego-eu e é a fonte de contínua frustração. [...] Esse agarrar-se a uma terra interior é, ele mesmo, um momento num padrão maior do agarrar que inclui nosso apego a uma terra exterior na forma da idéia de um mundo...

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