Globalização, ensino jurídico e a formação do advogado do século XXI

AutorAntonio de Freitas Jr.
Páginas243-255

Antonio de Freitas Jr.. Doutor em Direito pela Universidade de Valencia, Espanha; procurador federal; assessor jurídico da Presidência da República; professor da Faculdade NOVAFAPI; membro da Asociación Derecho Ambiental Español; pesquisador do Instituto Intercultural para la Autogestión y la Acción Comunal - INAUCO, Espanha, e do Instituto de Iberoamérica y el Mediterráneo - IBEM, Espanha; vencedor do prêmio jurídico Celso Pinheiro Filho da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB de 1994; autor do Manual do MERCOSUL – Globalização e Integração regional, publicado pela BH Editora, 2006; escreve o blog PERISCÓPIO http://perisco.blogspot.com/.

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Introdução

As mudanças políticas e, principalmente, econômicas ocorridas no final do século XX impuseram profundas transformações nas estruturas sociais e afetaram, como não poderia deixar de ser, o Direito, enquanto regulador das relações sociais (FREITAS JÚNIOR, 2006). A unificação da Alemanha, locomotiva da Europa e terceira economia mundial, acelerou não apenas as negociações para a unificação econômica da Europa, mas também as ações necessárias para tal união. A flâmula azul com o círculo de estrelas douradas já tremula nas embaixadas dos países europeus, ao lado das respectivas bandeiras nacionais, símbolos do velho Estado-nação.

O Brasil conduz a caminhada dos países latino-americanos rumo à integração econômica do cone sul da América. De repente, a quebra da bolsa de valores na Coréia do Sul ou na Malásia provoca tremenda crise econômica capaz de abalar nossa moeda. A Rússia, exsuperpotência nuclear, vai à banca rota e aterroriza o mercado mundial. Num piscar de olhos, o mundo tornou-se pequeno e tão interligado, como uma fila de peças de dominó, que, quando se derruba a primeira, as demais, fatalmente, caem.

O incremento do comércio mundial e a fluidez dos capitais especulativos, que fazem o paraíso ou o inferno econômico das nações, impuseram limitação às atividades estatais, numa verdadeira diminuição dos poderes reais do Estado-nação em oposição ao crescimento do poder das empresas multinacionais associadas do capital especulativo. Neste painel, característico dos novos tempos, apresenta-se o profissional do Direito, notadamente oPage 244 advogado não empregado, antigo profissional liberal por excelência, forçado a acompanhar tais transformações.

É sabido que o Direito está em constante mudança para acompanhar as questões que lhes são impostas pelos novos tempos; que novas exigências são feitas aos advogados do século XXI? O que se espera deste profissional para acompanhar as mudanças ocorridas? Que características são exigidas deste profissional para esperar obter algum sucesso no novo mundo que se apresenta? Mudando o Direito, mudam, também, os papéis exercidos pelos profissionais do Direito? O ensino jurídico ministrado em nossas Faculdades de Direito acompanha estas mudanças? O objetivo deste artigo é tentar responder a algumas destas questões que assolam a mente daqueles que, sintonizados com os novos tempos e com o ensino do Direito, buscam respostas para enfrentar tais dificuldades.

As mudanças mundiais

O século XX, na visão do historiador britânico Eric Hobsbawm, pode ser dividido tripticamente ou visto como um sanduíche histórico, diante de seus três principais acontecimentos (HOBSBAWM, 1997, p. 15). Primeiro, seria a “era da catástrofe”, que compreende os fatos iniciados em 1914, início da I Guerra Mundial, ao final da II Guerra Mundial, em 1945. O Segundo, denominado “era de ouro”, compreende os trinta anos de extraordinário crescimento econômico e transformação social que se inicia com o final da II Guerra Mundial até o início da década de 1970. Por fim, o terceiro período compreende o final do período anterior aos nossos dias e caracteriza-se por ser a era de decomposição, de incertezas, de crise e, para alguns países, de verdadeiras catástrofes. O final de século XX destruiu a idéia, até então bastante cômoda, de considerar a economia industrial dividida em campos opostos e excludentes entre si. Os modelos industriais dividiam-se entre modelo soviético ou americano, não restando, naquele momento, o ideário da terceira via, idealizado pelo sociólogo inglês Anthony Giddens.

A economia supranacional, destes tempos de globalização, destruiu as unidades básicas da política até então conhecidas, a saber, Estados-nação, fundamentados em uma base territorial, soberanos e independentes. Na Europa, foram relegados em troca da idéia da identidade européia. A quebra das economias socialistas do leste europeu provocou incerteza política brutal, dando vazão a guerras civis, quando grupos étnicos e regionais, em total contramão histórica, reivindicaram o status de “Estado-nação”.

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Vale recordar que o final do século XX trouxe a queda de, praticamente, todos os regimes autoritários da América Latina. A democracia liberal, enfim, paira sob os trópicos, apesar das tentativas de permanência de regimes autoritários de direita, como Fujimori no Peru, durante a década de 1990 – que sustentava sua posição na alegação de que a guerrilha aliada aos narcotraficantes destruiria o país – e a posição peculiar da esquerda, com Fidel Castro em Cuba, reduzidos após o fim do subsídio soviético e do embargo econômico estadunidense.

O problema da inadequação das atuais instituições públicas para enfrentar a globalização foi sintetizado por Eric Hobsbawm (1997, p. 24):

Talvez a característica mais impressionante do fim do século XX seja a tensão entre esse processo de globalização cada vez mais acelerado e a incapacidade conjunta das instituições públicas e do comportamento coletivo dos seres humanos de se acomodarem a ele.

Diante deste contexto, insere-se o estudante da ciência jurídica e futuro profissional do Direito com novas posturas exigidas pelo mercado globalizado...

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