A proteção internacional dos direitos humanos e o direito internacional do meio ambiente: considerações iniciais

AutorAna Karina Ticianelli Möller; Tânia Lobo Muniz
Páginas259-277

Ana Karina Ticianelli Möller. Advogada, especialista em Direito Empresarial e mestranda em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina.

Tânia Lobo Muniz. Docente titular do programa de Mestrado em Direito Negocial da Universidade Estadual de Londrina. Doutora em direito pela PUC/SP.

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1 Introução

A proteção internacional dos direitos humanos e o direito internacional do meio ambiente são, dentro do contexto do direito internacional público, os dois grandes temas da globalidade. Apesar dos dois assuntos terem maturidade biológica, as questões inerentes à inter-relação entre os temas ainda não foram devidamente esclarecidas no âmbito das relações internacionais contemporâneas (MAZZUOLI, 2004b, p. 97).

A inserção do tema “meio ambiente” na esfera de proteção dos direitos humanos, notadamente após a Segunda Guerra Mundial, decorreu da percepção de que questões ligadas à sua proteção não se limitam somente à poluição ambiental, mas abrangem um universo social e econômico muito mais amplo.

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No que pese a pauta principal ter sido o meio ambiente, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, de 3 a 14 de junho de 1992, considerada um marco do Direito Internacional Ambiental, resultou na reafirmação de princípios internacionais de direitos humanos, como os da indivisibilidade e interdependência, conectando-os às regras de proteção ao meio ambiente.

Os diversos estudos sobre as mudanças climáticas sofridas pelo planeta e suas conseqüências, bem como a elaboração de inúmeros tratados internacionais a respeito, demonstram que o assunto é relevante para a humanidade.

O presente estudo pretende relatar essa importância dada aos temas de direitos humanos e meio ambiente em nível internacional, abordando o significado e abrangência dos tratados, especialmente das proposições em foco, e suas repercussões nas sociedades contemporâneas.

2 Breves considerações sobre tratados internacionais

Para melhor compreensão dos assuntos a serem tratados é necessário um sucinto relato do significado jurídico de tratados internacionais, por constituírem importante fonte de obrigação do Direito Internacional, com natureza de obrigatoriedade e de vinculação, por meio de análise de sua formação e conseqüências.

A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 26 de maio de 1969, teve como finalidade codificar as principais regras costumeiras sobre a matéria, disciplinando e regulando o processo de formação dos tratados internacionais. Limitou-se, porém, aos acordos celebrados entre Estados, não abrangendo aqueles dos quais participam organizações internacionais1. Posteriormente, esta Convenção foi complementada pela de 1986 sobre o Direito dos Tratados e Organizações Internacionais, cujo objetivo foi precisamente o de regulamentar essa realidade, em relação a estas entidades.

O tratado é uma das principais fontes do direito internacional público, em conjunto com os costumes internacionais e princípios gerais do direito. Indica uma modalidade de ato jurídico, através do qual se manifesta um acordo de vontades entre duas ou mais entidades dotadas de personalidade jurídicaPage 261 internacional (ACCIOLY; SILVA, 1996). “É o acordo formal, concluído entre sujeitos de direito internacional público, e destinado a produzir efeitos jurídicos(REZEK, 1996, p. 112). Ou ainda, “ato jurídico segundo o qual os Estados e Organizações Internacionais que obtiveram personalidade por acordo entre diversos Estados criam, modificam ou extinguem uma relação de direito existente entre eles” (ARAÚJO, 1988, p. 33).

Outras denominações, além de tratado, podem ser utilizadas para se referir a acordos internacionais, tais como convenção, pacto, protocolo, carta, convênio, etc.

Para a sua validade é preciso que haja concurso de vontades, que as partes sejam sujeitos de direito internacional, que crie compromissos jurídicos com caráter obrigatório e deve ser regulado pelo direito internacional. (DINH; DAILLIER, 2003). O consentimento deve ser mútuo e livre, e o objeto lícito e possível.

Por determinação constitucional, os tratados internacionais, entendidos no seu sentido amplo, entram no ordenamento jurídico brasileiro por um processo de transformação denominado internação, internalização, incorporação ou recepção dos tratados internacionais. É um tipo de transformação para que o documento internacional vire um direito interno, com todas as características que a norma possui. Isto porque, no Brasil adota-se um sistema dualista no qual a norma internacional, o tratado internacional in casu, não é aplicada diretamente, necessitando passar por um processo para transformá-lo em norma do ordenamento jurídico interno (ARIOSI, 2004).

De modo geral, o processo de conclusão e internalização podem ser divididos em quatro fases distintas: a negociação, com a discussão dos termos de seu conteúdo, entre os signatários; a assinatura do texto final, avaliado pela equipe negociadora; o referendum, internalização propriamente dita, pelo Congresso Nacional, com a instrumentalização do texto em Decreto Legislativo, e finalmente a fase de ratificação e promulgação, pelo Presidente da República, com a edição do Decreto do Executivo. Após a promulgação e publicação do Decreto do Executivo, este adquire vigência no ordenamento jurídico interno brasileiro com hierarquia de lei federal ordinária.

É diferenciado o procedimento, porém, quando seu conteúdo refere-se a direitos humanos. A Constituição Federal do Brasil, em seu art. 5º, par. 2º, promove a interação entre o Direito Brasileiro e os tratados internacionais de direitos humanos ao dispor que os direitos e garantias e dispondo ali expressos “não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”, incluindo, desta maneira, no catálogo dos direitos constitucionalmente protegidos, os direitos enunciados nos tratados firmados pelo Brasil (PIOVESAN, 2000).

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Assim, todos os instrumentos de proteção de direitos humanos ratificados pelo Brasil (tratados internacionais sobre direitos civis e políticos e sobre direitos econômicos, sociais e culturais), passam a deter o “status” de normas constitucionais, incorporando-se automaticamente no ordenamento jurídico brasileiro. (MAZZUOLI, 2004b, p. 121).

O tratamento jurídico diferenciado, segundo Flávia Piovesan,

justifica-se na medida em que os tratados internacionais de direitos humanos apresentam um caráter especial, distinguindo-se dos tratados internacionais comuns. Enquanto estes buscam o equilíbrio e a reciprocidade de relações entre Estados partes, aqueles transcendem os meros compromissos recíprocos entre os Estados pactuantes. Os tratados de direitos humanos objetivam a salvaguarda dos direitos do ser humano e não das prerrogativas do Estado (PIOVESAN, 2000, p. 159-228).

3 Considerações sobre a proteção internacional dos direitos humanos

O Direito Internacional dos Direitos Humanos tem sua base doutrinária em uma moralidade com padrões mínimos e firma-se num consenso sobre duas proposições morais: todos têm direito a condições mínimas de uma vida digna a ser vivida e certas liberdades e proteções são necessárias para tal vida (FREEMAN, 2002). Consiste em um sistema de normas internacionais, procedimentos e instituições desenvolvidas para implementar esta concepção e promover o respeito dos direitos do homem em âmbito mundial (PIOVESAN, 2000).

Surge em meados do século XX, em decorrência da Segunda Grande Guerra Mundial e, segundo Richard B. Bilder (1992 apud PIOVESAN, 2003), seu movimento é baseado na concepção de que toda nação tem a obrigação de respeitar os direitos humanos de seus cidadãos e de que todas as nações e a comunidade internacional têm o direito e a responsabilidade de protestar, se um Estado não cumprir suas obrigações. Neste contexto, o ser humano passa a ocupar posição central nas sociedades contemporâneas.

A aprovação da Declaração dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela resolução 217 A (III), da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, foi o verdadeiro marco divisor do processo de internacionalização dos direitos humanos, ensejando a produção de inúmeros tratados internacionais destinados a proteger todos os indivíduos. Até então, as questões humanitárias estavam restritas a algumas poucas legislações internas de alguns países e somente integravam a agenda internacional na ocorrência de guerras (MAZZUOLI, 2004b, p. 100).

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A dignidade inerente a todos os seres humanos independentemente da sua nacionalidade é o eixo filosófico da Declaração dos Direitos do Homem, que é universal por sua expressão, por seu conteúdo, por seu campo de aplicação e dá início a uma fase da humanidade na qual a afirmação dos direitos humanos é ao mesmo tempo universal e positiva (GREGORI, 2002). Esse ponto de vista tornou possível o surgimento de inúmeros acordos internacionais protetivos dos direitos humanos, tanto em aspectos civis e políticos, como relativos às áreas de domínio econômico, social e cultural, tanto mundial como regional e todo um sistema internacional de sua proteção.

A concepção contemporânea de direitos humanos, introduzida pela Declaração, conjuga o valor da liberdade com o valor da igualdade, e dá ênfase à universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos, reafirmados posteriormente na Declaração de Viena de 1993, em seu artigo 5º, que dispõe que os direitos...

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