Introdução às teorias e políticas de defesa da concorrência

AutorElói Martins Senhoras
CargoMestrando em Relações Internacionais no Programa Santiago Dantas (UNESP) e em Geografia (UNICAMP). Economista e Cientista Político. Universidade Estaudal de Campinas (UNICAMP)
Páginas57-66

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1 Introdução

Diante da globalização dos mercados, o reposicionamento estratégico das empresas tem levado, juntamente com o incremento da racionalização de atividades e do acesso a novos mercados e tecnologias, a uma tendência à concentração. A intensificação de fusões, compras e incorporações é ilustrativa a esse respeito, com efeitos - e refletindo os efeitos - sobre a estrutura industrial e mesmo sobre os padrões de concorrência.

Nessas circunstâncias, não é difícil concordar com recomendações que enfatizam a criação de um ambiente interno competitivo como essencial ao aumento da competitividade da indústria local (PORTER, 1990).

As dificuldades surgem quando se trata de definir os mecanismos e as instituições que devem ser acionados para garantir a concorrência, até porque há claras diferenças quanto às interpretações do que seja concorrência. Se concorrer significa disputar posições no mercado, qual o significado de defender a concorrência? Garantir a convivência dos diversos capitais nessa disputa? Monitorar a disputa de forma a impedir abusos de posição dominante no mercado que possam prejudicar os consumidores? No contexto atual de acirramento da concorrência, essas questões tornaram-se mais relevantes.

Em termos gerais, a defesa da concorrência tem como principal objetivo restringir práticas que possam bloquear o processo concorrencial, como importante mecanismo para o alcance da inovação técnica e da eficiência produtiva e alocativa. Assim, a eficiência deveria ser o principal aspecto a ser estimulado por uma política de concorrência (NASCIMENTO, 1996).

É nesse quadro que se situa o debate sobre o papel da defesa (ou não) da concorrência. Uma linha de autores defende que é primordial que o sistema de defesa da concorrência atue de forma a garantir esse ambiente competitivo, que leve as empresas a operarem com eficiência, reduzindo custos e repassando estes ganhos para o consumidor. (PEREIRA, 1996).

Outra linha de argumentação ressalta que, em face de uma economia globalizada e aberta à competição internacional, leis de defesa da concorrência perderiam

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sua função. A concorrência com similares importados seria suficiente para restringir abusos de posição dominante no mercado. A aplicação de leis de defesa da concorrência poderia até ser nociva à economia, uma vez que impediria o alcance de economias de escala resultantes da concentração.

Porém, após duas décadas embasadas na teoria Neoliberal, o Mercado por si só respondeu que é incapaz de regular a economia internacional; e, mais do que nunca, exige mecanismos que possam defender a concorrência.

O conteúdo do debate indica que as legislações e as ações dos órgãos de controle antitruste devem ser reavaliadas, de tal forma que levem em consideração a nova realidade do mercado mundial e dos novos blocos econômicos.

Diante dessas considerações preliminares, o presente artigo está estruturado em seis seções articuladas a fim de evidenciar a problemática das teorias e políticas de defesa da concorrência no contexto internacionalizado do Brasil atual.

Primeiramente são discutidas as diferentes óticas de análise da concorrência, a fim de evidenciar na sequência qual a estrutura basilar de fundamentação das políticas de defesa da concorrência e a um passo posterior qual a sua correspondência na estrutura de defesa da concorrência brasileira.

A partir desse quadro analítico, considerações são tecidas a fim de articular as questões conceituais e as políticas de defesa da concorrência dentro de um marco de harmonização internacional.

Por fim, últimas considerações são inseridas de forma a articular sinteticamente as contribuições do artigo a fim de propor sugestivamente novos marcos de prática na defesa da concorrência.

2 Diferentes Óticas de Análise da Concorrência

A concorrência é um dos pilares da economia de mercado. Embora não constitua valor absoluto, é ainda o melhor caminho para a proteção dos agentes econômicos e da coletividade.

Acrescente-se ainda que a concorrência será tratada não só nos limites de cada Estado, mas também na esfera da internacionalização dos mercados na linha da globalização econômica.

Devido à importância desses dois motivos, faz-se uma discussão dos diferentes paradigmas da teoria econômica quanto à questão da concorrência; haja vista que a teoria econômica da concorrência ainda está em desenvolvimento e os diferentes arcabouços teóricos nos podem fornecer diferentes respostas para a realidade econômica.

É bem verdade que foi superada a concepção clássica de Adam Smith e D. Ricardo da existência de concorrência perfeita no mercado. A realidade atual mostra que não existem pequenas unidades empresariais no mercado sem que qualquer delas tenha poder de determinar, isoladamente, a quantidade da produção e seu preço.

Porém, ainda persiste o embate ideológico das visões de Marx, Schumpeter e do mainstream econômico, a base normativa Neoclássica, com relação ao conceito de concorrência.

2. 1 Paradigma Neoclássico

A concorrência é vista não exatamente como um processo, mas como um conjunto de condições que garanta a total ausência de poder de mercado pelas firmas e onde há ausência de rivalidades entre elas, posto que as empresas são price-takers, em que suas ações não influenciam as decisões das demais.

Para atingir os seus objetivos, o paradigma neoclássico se baseia em alguns pressupostos: atomismo e independência dos agentes, racionalidade maximizadora, informação perfeita, livre mobilidade dos agentes e dos recursos (ausência de barreiras à entrada) e homogeneidade dos produtos.

Assim os pressupostos teóricos da concorrência perfeita eliminam a possibilidade de diferenciação, de economia de escala, de informação diferenciada, enfim qualquer coisa que provoque diferenciação ou outros estratégias de competição que não seja via preços entre os produtores. A visão do funcionamento da economia é baseada na obtenção do equilíbrio nessas situações de ausência de assimetrias, o que caracteriza essencialmente como estático o processo econômico.

Enfim, a concorrência perfeita na visão neoclássica não passa de abstração teórica, estruturada na multiplicidade de unidades produtivas, sem que qualquer uma delas tenha predominância sobre a outra.

Porém os defensores do capitalismo não podiam deixar de reconhecer as manifestas deficiências do regime de concorrência. Cumpria, então, conceber idéias acerca da concorrência em sua manifestação concreta. Deve-se a John Maurice Clark a visualização da chamada concorrência praticável (workable competition), admitindose que, no mercado, é insuprimível o poder econômico anticoncorrencial, havendo, no entanto, instrumentos legais de coibir abusos.1

Com a hegemonia crescente das grandes empresas e grupos econômicos, a importância do modelo de concorrência perfeita passou a ser cada vez mais restrita ao seu papel ideológico, de defesa do livre mercado.

2. 2 Paradigma Marxista

Marx, em seu tempo, já havia desnudado a fraqueza da teoria econômica clássica em torno da concorrência, assinalando o valor utópico do regime da concorrência, quando o poder de concentração de riquezas se acentuava cada vez mais.2

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Segundo ele, inexiste no capitalismo uma regra prédefinida para a distribuição da riqueza. Cada proprietário busca se apropriar da maior quantidade possível de valor e, com isso, de um direito à maior parcela possível da riqueza socialmente existente.

O que determina a distribuição é a concorrência: o processo no qual cada agente procura obter condições vantajosas nas operações de compra e venda de que participa. A concorrência é a relação social mais característica do capitalismo (ao passo que, em outras sociedades, a cooperação ou a subordinação por meio da coerção física desempenham o papel mais importante). O locus social no qual se dá o processo de concorrência é o mercado.

No capitalismo - e apenas nele - o caráter social da atividade produtiva, bem como a necessidade de coordenação, é o produto da concorrência entre os agentes privados. Segundo a visão marxista, a coordenação da atividade econômica privada é obtida, caracteristicamente, por meio da interação dos agentes em concorrência nos mercados, porém, isso não exclui o fato de que outras instituições, como o Estado, desempenhem papéis de relevo nos processos de coordenação.

2. 3 Paradigma Neo-Schumpteriano

O paradigma Neo-Schumpteriano diz que o atributo econômico essencial da concorrência está na constante busca pelos agentes de lucros superiores aos respectivos custos - lucros monopolísticos - mediante a geração contínua de inovações nos produtos e nos processos produtivos. (POSSAS; FAGUNDES; PONDÉ, 1995).

Em termos de bem-estar social, o pressuposto implícito é o de que o processo de inovação é essencial para o desenvolvimento econômico e que proporciona benefícios sociais, impossíveis de serem auferidos de imediato, superiores aos benefícios que permitem apropriar privadamente, e sem os quais não haveria inovações numa economia capitalista (JORDE; TEECE, 1992).

A dimensão mais relevante da concorrência é o processo de destruição/criação de estruturas econômicas e sociais mediante inovações no sentido do aumento da eficiência, além de constituir o motivo principal, senão o único, pelo qual ela poderia ser defendida, haja vista que a diferenciação entre as empresas torna-se, simultaneamente, pressuposto e resultado do processo de concorrência e da evolução do sistema econômico.

Nesta visão, a concorrência é um processo de interação entre unidades econômicas voltadas à apropriação de lucros e à valorização dos ativos de capital...

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