A ação cautelar de afastamento de administrador de sociedade limitada

AutorCristiano Gomes De Brito
Páginas131-143

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1. Introdução

Ao unir capital e trabalho, os sócios de uma sociedade visam alcançar o que o homem sozinho nem sempre consegue realizar. Daí, a necessidade de se unir em sociedade, constituída pela a união de uma ou mais pessoas, que aliam esforços visando um fim comum.

Nesse sentido Carlos Fulgêncio da Cunha Peixoto1 ensina que a sociedade é a mais alta expressão do poder do homem. Tudo o que o indivíduo, isoladamente, não consegue, em sua fraqueza, atingir, é alcançado pela união.

A sociedade constitui-se pela manifestação de vontade de duas ou mais pessoas que assumem a obrigação de contribuir com seus esforços e recursos para exercer atividade econômica e lograr fins comuns.

Essa união é materializada no contrato social, seu ato constitutivo, imprescindível para sua formação, pois vincula juridicamente os sócios, e estes e a sociedade, estabelece regras e cria um sujeito de direi-tos e obrigações,2 dotado de personalidade jurídica.3

Constituída a sociedade, mister se faz a nomeação de seu representante legal, seu administrador, sócio ou não, que manifestará sua vontade. Investido na função, o administrador assume uma série de encargos, uma vez que irá administrar patrimônio alheio, tendo os sócios o direito de fiscalizar sua gestão, solicitando e exigindo a apresentação dos livros contábeis, comerciais e fiscais e a prestação de contas.

A lei lhe atribui inúmeras obrigações, que não sendo cumpridas, permitem aos sócios destituí-lo do cargo, seja por deliberação, seja por decisão judicial, não obstante a eventual ação de responsabilidade civil4 ou criminal.

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O administrador, durante seu comando, tem várias oportunidades de prestar conta de sua gestão: por meio de reunião de quotistas, obrigatória por determinação legal (arts. 1.065,1.071,I, e 1.078, do CC), elaboração de balanços sociais e, eventualmente, ação de prestação de contas.

Pela sistemática legal, a sociedade é obrigada a seguir uma ordem uniforme de contabilidade e escrituração, a autenticar no Registro Público de Empresas Mercantis todos os livros e fichas, a conservar em boa guarda toda a escrituração, correspondência e mais papéis pertencentes ao giro de seu comércio, a elaborar anualmente um balanço patrimonial e de resultado econômico.

O art. 1.188 do CC torna obrigatória a fidelidade, a clareza e a realidade do balanço, que deve retratar situação real da empresa. O art. 1.065 do CC impõe que ao término de cada exercício social, proceder-se-á à elaboração do inventário, do balanço patrimonial e do balanço de resultado econômico. Já o art. 1.179 do CC, dispõe que a sociedade é obrigada a seguir um sistema de contabilidade, mecanizado ou não, com base na escrituração uniforme de seus livros.

Por outro lado, o art. 1.071,I, do CC prevê que dependem da deliberação dos sócios, a aprovação das contas da administração, devendo os documentos ser postos à disposição dos sócios que não exerçam a administração. Neste caso a reunião tem uma dúplice função: a prestação e a aprovação das contas da administração.

Especificadamente, cabe ao administrador, ao cabo de cada exercício, a devida prestação de contas, por meio de inventário dos bens e balanços, em atendimento da exigência legal prevista no Código Civil.

A obrigação decorre do próprio exercício do cargo de administrador, reclamando-se, sobretudo, em função de dar ciência da situação aos sócios que não participam da administração.

Desta feita, a falta de prestação de contas e a ausência de convocação da reunião de quotistas para deliberarem sobre a sociedade são fatos extremamente graves, que podem justificar o afastamento do administrador da sociedade.5

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As regras que devem dirigir a atuação dos administradores podem ser sintetizadas nos deveres de diligência e de lealdade. O art. 1.011 do CC dispõe que o administrador deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios.

O dever de lealdade significa sinceridade, franqueza e honestidade, derivada da relação de confiança outorgada a uma pessoa para que ela possa administrar bens alheios.

A diligência é um critério de caráter objetivo, porquanto deve ser perquirida de acordo com a capacitação técnica, com a experiência, como os conhecimentos e a amplitude profissional que devem reunir as pessoas que exercem funções de administração em negócios societários ou assemelhados.

Há também o dever de obediência à lei e ao contrato social, uma vez que indica respeito, acatamento, submissão à lei e ao contrato social da sociedade.

Nessa noção estão contidos todos os imperativos que dirigem a atuação dos dirigentes societários, haja vista que, observado o dever de obediência, estes jamais incorrerão em qualquer espécie de conduta ilícita.

Entretanto, quando o sócio administrador negligencia e se omite na realização dessas obrigações legais, causa graves e sérios prejuízos para a sociedade e para os sócios, sendo necessária sua destituição da administração, que pode ocorrer via judicial ou extrajudicial.

Nesse sentido, Nelson Abrão afirma que além da remoção do gerente por deliberação social majoritária, é óbvio que pode ocorrer a judicial, a pedido de qualquer sócio, desde que verificada ajusta causa.6

Preleciona Ovídio A. Batista da Silva7 que se tem admitido a ação cautelar de suspensão de administradores de sociedade que tanto seria cabível no campo do direito comercial quanto no direito civil societário.

A extrajudicial dar-se-á por iniciativa dos sócios, mediante alteração do contrato social, quando nomeado neste instrumento, ou mediante destituição em reunião/as-sembléia de quotista, quando designado em ato separado.8 Já a judicial ocorrerá mediante um provimento jurisdicional, co-mumente requerido por sócio minoritário que não detém poder de alterar o contrato social, porém terá legitimidade para propor ação de destituição pelo seu status de sócio, devendo provar que o administrador está causando prejuízo para a sociedade ou aos sócios, isto é, havendo justa causa.

2. O afastamento cautelar do administrador

Quando surge a desconfiança a respeito da integridade com a qual age o administrador societário, agravada por delegação da gerência, ausência de reunião de

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quotistas, falta de prestação de contas, inexistência de lucro e, em razão disso, verificam-se suspeitas de dano aos interesses sociais, torna-se imperioso promover a defesa emergencial da pessoa jurídica.9

Nessas condições, objetiva os sócios a tutela jurisdicional para destituição do administrador, bem como a nomeação de outro, a fim de impedir a continuidade da conduta ilegal, preservando a empresa, o patrimônio e a integridade dos livros con-tábeis, até o fim da lide no processo principal. O interesse material do sócio assenta-se sempre na violação dos deveres do administrador, v.g., dever de diligência, e nos direitos a eles conferidos pela legislação societária, como o direito de fiscalizar.

Ademais, torna-se mais evidente a necessidade de destituição quando, a par das ilegalidades e irregularidades na gestão, constata-se que existem desinteligências inconciliáveis entre os sócios, ante a ausência da affectio societatis. Mitigada ou quebrada a affectio em uma sociedade, os sócios não estarão inclinados aos vínculos societários que haviam estabelecido.10

A affectio societatis é um dos requisitos para a constituição e desenvolvimento da sociedade, pois quando de sua constituição e desenvolvimento, os sócios nutrem entre si sentimentos de afeição e confiança, preponderando as qualidades pessoais dos sócios sobre o capital aportado.

Esclarece Jorge Lobo11 que a affectio societatis é a vontade firme de os sócios unirem-se, por comungarem de idênticos interesses, manterem-se coesos, motivados por propósitos comuns, e colaborarem, de forma consciente, na consecução do objeto social da sociedade.

Assim, constatada a má-gestão da sociedade, agravada pela ausência da affectio societatis, a ensejar graves desavenças entre os sócios, e em face do receio do extravio ou dilapidação dos bens sociais, mister se faz a destituição judicial do administrador, pois preservará os bens da sociedade, evitando, por conseguinte, que o empreendimento seja prejudicado.

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Nas sociedades, os sócios têm perante os demais e a própria sociedade, um dever de lealdade, inserido na noção geral de colaboração para o sucesso do empreendimento comum, devendo se abster de praticar quaisquer atos prejudiciais a sociedade. Já o administrador tem o dever de lealdade, de diligência e de obediência à lei e ao contrato social.

Sobre a forma de se gerenciar uma empresa, Darcy Arruda Miranda Júnior12 assevera que os gerentes ou administradores, devem gerir a sociedade com cuidados de um bom pai de família e, portanto, devem exercer as suas funções com atenção, diligência e prudência.

Para Eulâmpio Rodrigues Filho,13 o direito à destituição do sócio dos poderes de gerência deve decorrer do fato de os promoventes serem partícipes da relação social; da violação por parte do requerido, de normas legais e/ou contratuais, em evidente prejuízo aos interesses maiores da sociedade, também da impossibilidade de convívio entre os sócios no comando dos destinos da mesma, que, enfim, não teria como sobreviver normalmente em meio a conflitos, geradores de danos de graves conseqüências.

Asseverando sobre as causas de suspensão cautelar de administrador de sociedade, Galeno Lacerda afirma "tratar-se de medida também cabível, sempre que a di-retoria, ou determinado diretor ou administrador, locupletar-se com os bens sociais, dissipá-los, aliená-los fraudulentamente, negligenciar...

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