Caso Damião Ximenes Lopes - violação dos direitos à vida, à integridade pessoal, à garantia e proteção judicial, previstos pela Convenção Americana de Direitos Humanos
Autor | Nei Vieira Prado Filho |
Ocupação do Autor | Mestre em Direito Civil pela FADISP. Advogado |
Páginas | 180-211 |
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Caso Damião Ximenes Lopes – Violação
dos Direitos à Vida, à Integridade Pessoal,
à Garantia e Proteção Judicial,
Previstos pela Convenção Americana
de Direitos Humanos
nei vieirA PrAdo Filho
Mestre em Direito Civil pela FADISP. Advogado.
SUMÁRIO: Introdução; 1. O Caso Damião Ximenes Lopes; 2.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos; 3. A Corte
Interamericana de Direitos Humanos; 4. A Denúncia de Irene à
Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o Trâmite Pro-
cessual e o Envio à Corte Interamericana de Direitos Humanos;
5. A Sentença Proferida pela Corte Interamericana de Direitos
Humanos; 6. O Direito à Vida; 7. O Direito à Integridade Pes-
soal; 8. O Direito à Garantia Judicial e à Proteção Judicial; 9. A
Obrigação dos Estados Partes de Respeitar a Convenção Ameri-
cana de Direitos Humanos; Conclusão; Referências.
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caso damião ximenes lopes – violação dos direitos à vida, à integridade pessoal, à garantia...
Introdução
As diferenças entre os seres humanos sempre lhes foram percebidas, po-
rém, nem sempre compreendidas.
Várias as barbáries cometidas contra pessoas com deciência ao longo
da história. Dos tempos mais remotos aos dias atuais.
No berço de algumas antigas civilizações, pessoas não dotadas de con-
dições físicas e/ou comportamentais que lhes permitissem a sobrevivência por
suas próprias forças, ou que não agregassem física, espiritual ou intelectual-
mente ao seu grupo, eram descartáveis.
Segundo relatos, em Esparta, cidade-estado da antiga Grécia, as crianças
que apresentavam alguma deciência eram eliminadas299, por não representa-
rem a almejada compleição atlética ou por não se visualizarem a formação de
um grande soldado, ideais espartanos.
Na Idade Média, alguns povos viam os decientes como “aberrações”, e
justicavam sua condição como se castigo fosse, por vezes frutos de pecados e
pela relação feita ao bruxismo.
Há relatos de tribos indígenas que eliminavam suas crianças com apa-
rente deciência, seja por não serem dotadas de condições a lhes permitir
habilidades guerreiras, seja por questões de crenças espirituais. Infelizmente,
ainda é uma prática de algumas tribos no Brasil300.
299 PESSOTTI, Isaias. Deciência Mental: da superstição à ciência. São Paulo: Edusp, 1984. p. 3:
“De todo modo, é sabido que em Esparta crianças portadoras de deciências físicas ou mentais
eram consideradas sub-humanas, o que legitimava sua eliminação ou abandono, prática perfeita-
mente coerente com os ideais atléticos e clássicos, além de classistas, que serviam de base à organi-
zação sociocultural de Esparta e da Magna Grécia”.
300 Revista Veja. Editora Abril. Edição n° 2021, de 15.08.2007 – reportagem: crimes na oresta.
Disponível em: http://veja.abril.com.br/150807/p_104.shtml: Nascida em 1995, na tribo dos ín-
dios suruuarrás, que vivem semi-isolados no sul do Amazonas, Hakani foi condenada à morte
quando completou 2 anos, porque não se desenvolvia no mesmo ritmo das outras crianças. Es-
calados para ser os carrascos, seus pais prepararam o timbó, um veneno obtido a partir da ma-
ceração de um cipó. Mas, em vez de cumprirem a sentença, ingeriram eles mesmos a substância.
O duplo suicídio enfureceu a tribo, que pressionou o irmão mais velho de Hakani, Aruaji, então
com 15 anos, a cumprir a tarefa. Ele atacou-a com um porrete. Quando a estava enterrando,
ouviu-a chorar. Aruaji abriu a cova e retirou a irmã. Ao ver a cena, Kimaru, um dos avôs, pegou
seu arco e echou a menina entre o ombro e o peito. Tomado de remorso, o velho suruuarrá
também se suicidou com timbó. A echada, no entanto, não foi suciente para matar a menina.
Seus ferimentos foram tratados às escondidas pelo casal de missionários protestantes Márcia e
Edson Suzuki, que tentavam evangelizar os suruuarrás. Eles apelaram à tribo para que deixasse
Hakani viver. A menina, então, passou a dormir ao relento e comer as sobras que encontrava
estudos e debates em direitos humanos
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Muitas são as histórias sobre decientes trancaados e escondidos pelas
suas famílias, por vergonha e por medo da reação social.
O tratamento dispensado às pessoas portadoras de deciência, muitas
vezes, era/é de menosprezo, de inferioridade, de incapacidade. Eram comuns
as expressões “loucos” e “alienados”, dentre outras, utilizadas como referência
a pessoas com deciência mental.
O reconhecimento e o avanço dos direitos humanos301 presenteou a luta
pelo respeito às diferenças, às pessoas com deciência e seus direitos. Busca-se
eliminar toda forma de discriminação, exclusão, preconceito. Visa-se a nova
concepção sobre suas especicidades, capacidades, habilidades. É a mudança
de paradigma.
A palavra de ordem, nos termos dos ideais dos direitos humanos, pen-
samos, é respeito302. Respeito às diferenças, respeito à promoção de políticas
destinadas a esclarecimento das necessidades especiais, respeito às políticas
de proteção, respeito à socialização e à inclusão, a m de permitir o acesso das
pessoas com deciência aos espaços sociais, culturais, colocação no mercado
de trabalho, enm, respeito à dignidade da pessoa humana, aos direitos das
pessoas com deciência.
Em que pese o avanço do estado de conscientização dos povos sobre os
direitos humanos, os avanços sociais, culturais, o aprimoramento dos estudos
nas áreas da saúde, do direito, da sociologia e da antropologia, infelizmente, ain-
da há casos de inadmissível violência e desrespeito aos direitos humanos, aos
direitos das pessoas com deciência ou transtorno, alguma limitação, tratadas
de forma desumana.
pelo chão. “Era tratada como um bicho”, diz Márcia. Muito fraca, ela já contava 5 anos quando a
tribo autorizou os missionários a levá-la para o Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, em São
Paulo. Com menos de 7 quilos e 69 centímetros, Hakani tinha a compleição de um bebê de 7
meses. Os médicos descobriram que o atraso no seu desenvolvimento se devia ao hipotireoidis-
mo, um distúrbio contornável por meio de remédios.
301 A respeito, consulte-se Fábio Konder Comparato, “A Armação Histórica dos Direitos Huma-
nos”. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
302 Para Vladmir Oliveira da Silveira, “Os direitos humanos até aqui conquistados resultaram
de lutas e conitos, por meio dos quais as instituições jurídicas de defesa da dignidade huma-
na se espraiaram pouco a pouco até alcançar todos os povos da Ter ra. Uma dessas conquistas
é a aceitação universal da noção de que todos os homens são merecedores de igual respeito,
independente de diferenças culturais, socioeconômicas, religiosas, étnicas e outras que os dis-
tingam. Todos somos iguais em dignidade e ninguém pode se proclamar superior aos outros”.
SILVEIRA, Vladmir Oliveira da.; ROCASOLANO, Maria Mendez. Direitos Humanos: conceitos,
signicados e funções. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 101.
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