Caso 24. Cotovelada na TV

AutorAntonio Carlos da Carvalho Pinto
Ocupação do AutorProfessor de Direito Processual Penal. 'Ex' Coordenador de Direitos e Prerrogativas da OAB/SP.
Páginas247-258

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Era uma das mais afamadas bandas musicais do Brasil, chamada "Casa das Máquinas", sucessora do conjunto "Os Incríveis", na onda do "Rock", e se apresentava com as características do imortalizado Elvis Presley, daí o indefectível uso de "jeans", botas "bico fino" e salto "carrapeta".

O conjunto era composto por cinco ou seis elementos, dentre os quais,

"Netinho", baterista;

"Simbas", cantor; e,

"Pisca", guitarrista, autor da lindíssima canção "Sonho de Ícaro", interpretada pelo cantor Biafra.

Em conta do sucesso, a banda se apresentava quase que semanalmente nas televisões.

Numa tarde, "em cima da hora" da apresentação, o grupo musical estacionou dois veículos na calçada dos fundos da Televisão Record, bem no momento que um ônibus deixava a empresa, para uma "externa".

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Embora o motorista do "busão" estivesse sendo sinalizado pelo "Câmera Men", o pesado veículo acabou por colidir, levemente, na traseira do carro de "Simbas", fato que redundou em discussão e agressão ao sinalizador do ônibus, homem de meia idade e franzino.

No entrevero, segundo os músicos, o "Câmera", auxiliar do motorista, aplicou uma "gravata" num irmão de "Simbas", à época, com dezesseis anos.

Esse menor, forte e corpulento, na versão defensiva, se desvencilhou, com uma "cotovelada".

Circunstantes e funcionários da empresa intervieram, a briga terminou, o "Casa das Máquinas" se apresentou no programa televisivo, enquanto os funcionários da "Record" efetuaram a "externa", anteriormente programada.

Tudo não teria passado de um "lamentável episódio", não fosse o fato e a circunstância da tal "cotovelada" haver acertado "em cheio" o fígado do funcionário da Empresa.

Dois dias depois, a "Record" efetuou verdadeiro "linchamento" dos integrantes do "Casa das Máquinas", agora descritos como covardes assassinos, "playboys", facínoras, imorais e tudo quanto de pior o vernáculo ensejava verbalizar.

A vítima tinha ido para a casa, sentiu-se mal, foi para o melhor hospital de Santo André, mas não resistiu.

A autópsia revelou que a morte decorreu de "lesão contundente" no fígado, desde há muito acometido de "cirrose hepática".

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Instaurado o inquérito, o baterista Netinho procurou o advogado e meu amigo Ivo Alberto Francês, excelente profissional, voltado às áreas cível e comercial.

Em tal circunstância foi que o "Tucano" acabou por indicar a mim e o criminalista Mauro Otávio Nacif para a defesa dos músicos.

Os interrogatórios policiais ocorreram em meio à verdadeira guerra.

Alguns repórteres, super, hiper revoltados, fizeram um "corredor polonês" na ante-sala do delegado, sendo certo que alguns, na medida em que os músicos iam passando, ao indagar como e porque da violência, batiam o microfone no rosto dos indiciados.

Como curial, a extensa prova testemunhal colhida na polícia foi integralmente acompanhada pelos meios de comunicação, de tal sorte que o conjunto "Casa das Máquinas" terminou por ser definitivamente sepultado e desprezado pela mídia, em geral.

Concluído, o inquérito foi distribuído para o Primeiro Tribunal do Júri e, à exceção do Netinho, todos os demais músicos foram denunciados pelo promotor Paulo Edson Marques.

A instrução judicial se deu por forma a mais complicada, não só em face da publicidade mas, sobretudo, em conta do temperamento agressivo, às vezes desrespeitoso, do promotor, jovem, competente e muito eloquente.

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Paulo Edson era temido e seu discurso, além de argúcia e soberba jurídica, se...

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