Caso 23. Amor bandido

AutorAntonio Carlos da Carvalho Pinto
Ocupação do AutorProfessor de Direito Processual Penal. 'Ex' Coordenador de Direitos e Prerrogativas da OAB/SP.
Páginas237-246

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Joanira era casada com um português, dono de uma rede de padarias em São Paulo.

O casal tinha um filho "de colo".

O marido-padeiro, além de líder nesse lucrativo ramo de negócios, era agiota.

Dentre seus clientes endividados, um deles, industrial em Guarulhos, acabou se tornando amigo do agiota, de tal sorte que, não raro, o devedor frequentava churrascos na casa de Joanira.

O padeiro-agiota emprestava dinheiro e recebia "notas promissórias" referentes aos débitos, todos, acrescidos de quinze a vinte por cento ao mês.

Embora essa "margem de lucro" sempre fosse criminosa, não obstante, em face da inflação galopante que assolava o País, esse abuso era tido como natural, e muito praticado.

Joanira e o marido resolveram viajar para a Europa, com o filho, para mostrar o "brasileirinho" aos parentes lá residentes.

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Além de Portugal, o casal aproveitou para visitar a Fran-ça, a Alemanha e a Itália, até porque a mulher dizia "sonhar" com as gôndolas de Veneza.

Em todas as "paradas", Joanira adquiria "cartões", que enviava para suas amigas brasileiras, procedimento absolutamente natural, em viagens de turismo.

Esse tour teve duração de trinta dias, tempo compatível com os quinze anos de emigração, desde o desembarque do português.

Felizes e realizados, o casal retornou para São Paulo.

A vida continuava no mesmo ritmo, quando, numa manhã, pelas seis horas e trinta minutos, dois homens, negros, de cabelos black power, adentraram a residência pela janela do quarto de dormir, localizado no andar superior da casa.

A perícia técnica realizada na mesma data observou e fotografou a "escadinha do jardim", apoiada no balaústre, ensejando visualização de ter sido esse o "caminho" utilizado pelos bandidos, para chegarem ao dormitório do casal, no andar superior da residência.

De acordo com a versão de Joanira, por conta de barulho provindo da varanda superior, apavorada, instintivamente, de imediato, correu e se trancou no banheiro com o seu filho, deixando o marido como estava, dormindo, sendo que, passados instantes, ela ouviu um disparo de arma de fogo, seguindo-se de absoluto silêncio.

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A mulher relatou que, ao retornar para o quarto, deparou com o marido morto, com um disparo na têmpora, significativo de haver sido atingido enquanto dormia.

Disse mais, que o "esconderijo atrás do quadro" havia sido "descoberto" e que os ladrões haviam roubado dinheiro, dólares e notas promissórias, acervo atinente às padarias e empréstimos que o marido fazia para "ganhar um jurinho".

A instrução probatória na fase policial foi robusta, com inúmeros depoimentos de tomadores de empréstimos, dentre os quais o amigo industrial.

Além da constatação da "escalada" do andar superior da casa, a polícia comprovou o arrombamento de armários e gavetas, especialmente um "compartimento secreto", escondido atrás de um quadro, onde estavam, além de dinheiro e dólares, todas as notas promissórias decorrentes da agiotagem.

No curso da...

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