Caso 17. Massacre do 42o DP

AutorAntonio Carlos da Carvalho Pinto
Ocupação do AutorProfessor de Direito Processual Penal. 'Ex' Coordenador de Direitos e Prerrogativas da OAB/SP.
Páginas185-194

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Outra vez as pedras...

Era carnaval.

A Secretaria da Segurança Pública baixou uma Portaria criando uma inusitada função nos distritos policiais da Capital, denominada, "no meio", como "Denorex", função que autorizava o Investigador-Chefe, bacharel em Direito, a assumir a atribuição de Delegado, em feriados e fins de semana.

Oportuno lembrar que "Denorex" era o nome comercial de produto destinado a combater "caspa" e que, à época, a propaganda comercial, embora assegurasse a eliminação da seborreia, nem sempre acabava com os vestígios do mal capilar.

À época, como desde sempre, os distritos achavam-se super lotados de presos, provisórios e até condenados, sendo oportuno ressaltar que o Presídio Carandiru "hospedava" milhares de criaturas, situação que perdurou até o inesquecível "Massacre do Carandiru", inspiração e estopim do "PCC".

Aconteceu o seguinte:

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Em meio às festividades carnavalescas, os presos do 42º Distrito Policial dominaram o preso "entregador de café", se rebelaram, abriram todos os cadeados das celas, foram para o pátio, terminando por serem contidos, perto da rua, pelo carcereiro, de nome José Ribeiro, e alguns poucos militares.

Como ocorre nessas situações, dominada a turba, por ordem expressa, os presos ficaram agachados e despidos, para a revista das roupas e dos xadrezes.

Concluído esse "procedimento-padrão", ao invés de serem conduzidos para as celas, o procedimento foi outro.

O investigador, o tal "Denorex", chamado José Celso, o comandante dos militares e o carcereiro, José Ribeiro, com unidade de propósito e desígnios, a título de exemplar correção, determinaram aos presos, todos nus, que, ao invés de voltarem para seus "xadrezes", formassem uma "fila indiana".

Detalhe:

Deixaram fora dessa fila um único preso, justamente aquele que detinha a confiança dos responsáveis pelo distrito e, por isso, fazia a entrega diária do café e das refeições, razão de portar as chaves dos cadeados das celas.

Vale relembrar que esse preso é que acabou dominado e, uma vez apossadas as chaves, todas as celas foram abertas, seguindo-se a eclosão da rebelião.

Os militares, o "Denorex" e o carcereiro se postaram à frente da porta da "cela-forte", compartimento hermeticamente lacrado, sem luz, com menos de doze metros quadra-

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dos, fechado por uma porta de ferro, sem nenhuma ventilação, eis que o "postigo", de ferro, era soldado.

A "Pica de Boi":

O carcereiro portava um curiosíssimo instrumento denominado "pica de boi", um chicote feito de couro trançado que, no meio rural, é conhecido como "rabo de tatu".

Na medida em que os presos eram empurrados para a cela-forte, o carcereiro chibatava as costas das vítimas e, assim, o "Estado" obteve o prodígio de "ensardinhar", durante um tempo, nada menos que cinquenta presos.

Dezoito vítimas indefesas morreram, nuas, defecadas e urinadas.

O último a ser arremessado ao cubículo foi o preso entregador do café, circunstância que lhe...

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