Cartões apócrifos e o ônus da prova

AutorEdilton Meireles
CargoDesembargador do Trabalho na Bahia (TRT 5a Região)
Páginas111-117

Page 111

1. Introdução

Ultimamente, temos visto diversas decisões judiciais no sentido de considerar como verdadeiros os registros constantes de controles de ponto não assinados pelo trabalhador quando diante da ausência de outras provas no mesmo sentido.

Entendo, no entanto, que os julgados têm incorrido em uma interpretação equivocada das regras que impõem o ónus da prova, além daquelas que tratam da autoria e da força probante dos documentos.

Para contribuir para esse debate lançamos nosso entendimento abaixo.

2. Dos controles assinados pelo trabalhador

Para apreciação da questão posta, devemos distinguir as duas situações que comumente ocorrem nos processos trabalhistas.

A primeira delas é aquela na qual a empresa exibe os controles de ponto assinados pelo trabalhador. Neste caso, junto com a exibição de tais documentos, a empresa alega na contestação que os horários consignados nos controles de ponto são os verdadeiramente trabalhados

Page 112

pelo empregado e que eles foram registrados pelo trabalhador que os assina.

Observem que aqui temos uma alegação de defesa (são verdadeiros os horários registrados nos controles de ponto) e uma prova documental (controles de ponto assinados pelo empregado).

É comum, porém, nesta hipótese, o empregado impugnar os controles de ponto (impugnar a prova documental) alegando que eles não consignam os verdadeiros horários de trabalho. Em suma, alega a falsidade das declarações (conteúdo) do documento, ainda que confirmando sua assinatura.

O empregado, aqui, apoia-se no art. 372 do CPC para impugnar a veracidade da declaração contida no documento, ainda que assinado por ele, verbis:

Art. 372. Compete à parte, contra quem foi produzido documento particular, alegar no prazo estabelecido no art. 390, se lhe admite ou não a autenticidade da assinatura e a veracidade do contexto; presumindo-se, com o silêncio, que o tem por verdadeiro.

Aqui, então, surge a questão, diante desta impugnação, sobre a quem compete comprovar a falsidade do conteúdo constante nos controles de ponto? A resposta é óbvia: por aquele que alega a falsidade (o empregado, neste caso).

E por que esse ónus recai sobre o empregado? Simples, porque a empresa exibiu um documento que teria sido produzido pelo empregado (autor do documento ao fazer os registros de ponto) e assinado pelo mesmo. Logo, já temos uma declaração do trabalhador afirmando que os registros foram lançados por ele e que são verdadeiros, até porque, a princípio, ninguém assina documento falso. Logo, se depois ela nega a veracidade do conteúdo do documento, cabe a ele comprovar a falsidade da declaração anterior assinada.

Aqui também incide outra regra do CPC, qual seja, aquela que estabelece a autoria do documento, verbis:

"Art. 371. Reputa-se autor do documento particular:

I - aquele que o fez e o assinou;

II - aquele, por conta de quem foi feito, estando assinado."

O controle de ponto assinado pelo empregado se considera como de sua autoria ou porque ele "o fez e o assinou" ou porque foi feito pelo empregador ("por conta de quem foi feito), mas o assinou (assumindo a autoria).

Aqui temos um documento na qual aquele que o assinou fez uma declaração (conteúdo do documento) concordando com seu conteúdo ("veracidade do contexto").

Neste caso, então, cabe àquele que assinou o documento (concordando com seu conteúdo) fazer a prova de que o mesmo contém declarações falsas. Isso porque o documento assinado faz prova contra quem o assinou.

Nesta hipótese, parte-se de uma declaração anterior do trabalhador, extraída a partir de sua assinatura, quanto à veracidade do conteúdo do documento. Assim, se ele fez uma declaração anterior num sentido (assinando o documento) e agora faz outra (contestando sua veracidade), cabe a ele o ónus da falsidade.

E aqui abro um parêntese para explicar o entendimento lançado no inciso III da Súmula n. 338 do TST quanto aos cartões de ponto assinados ("Os cartões de ponto que demonstram horários de entrada e saída uniformes são inválidos como meio de prova, invertendo-se o ónus da prova, relativo às horas extras, que passa a ser do empregador, prevalecendo a jornada da inicial se dele não se desincumbir") e que nos serve de luz ao raciocínio desenvolvido.

Neste caso, em verdade, a invalidade dos controles de ponto uniformes, que sempre depende da impugnação do trabalhador, não confirmando os horários respectivos, decorre da prova em contrário extraída de uma presunção da vida (hominis). Na realidade, diante dos controles e da impugnação aos mesmos, presumimos a falsidade dos registros uniformes

Page 113

por não ser crível que alguém sempre trabalhe nos mesmos horários sem qualquer variação. Assim, diante dessa presunção hominis de falsidade dos registros, continua a empresa com o ónus de provar a jornada de trabalho (inciso i da Súmula n. 338 do TST).

A presunção, neste caso, é a "prova" da falsidade do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT