A carta dos direitos fundamentais na futura Constituição da União Europeia: possibilidade de controle pela Corte de Justiça

AutorAdriane Cláudia Melo Lorentz
CargoDoutoranda em Direito pela Universidade de Genève - Suíça. Mestre (DEA) em Direito Europeu e em Direito Internacional Económico pelas Universidades de Fribourg, Genève, Lausanne, Neuchâtel - Suíça. Mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM-RS. Graduada em Direito pela UFSM-RS.
Páginas17-27

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Considerações iniciais

Este texto faz algumas considerações a respeito da inserção da Carta dos direitos fundamentais da União Europeia (UE), de 2000, no tratado que estabelece uma constituição para a UE, de 2005. Especificamente aborda a possibilidade de controle dos direitos fundamentais pela Corte de justiça da UE.

Nisso, ressaltamos a impossibilidade, atual, da Corte de justiça da UE controlar os direitos fundamentais constantes na Convenção Europeia de salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH), de 1950, e na Carta dos direitos fundamentais da UE.

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Assim, uma das importantes inovações do tratado que estabelece uma constituição para a UE foi a inclusão da Carta dos direitos fundamentais da UE na Parte II do texto constitucional. Com isso, a Corte de justiça da UE passará, a partir da entrada em vigor da constituição, a ter competência para controlar a correta observação desses direitos.

Na Europa, a Corte europeia dos direitos do homem, em Strasbourg, na França, tem importante papel no controle dos direitos fundamentais no que concerne à CEDH. Entretanto, só podem fazer parte da CEDH os Estados. Quer dizer que a Corte de Strasbourg só tem competência para controlar a correta observação dos direitos fundamentais fixados na CEDH em se tratando de Estados, e não de organizações internacionais, como o é a UE.

Mas, então, qual o órgão competente para fazer esse controle sobre as instituições da UE, como o Parlamento, a Comissão, o Conselho, dentre outras?

A Corte de Strasbourg, certamente, não possui essa competência, eis que a UE não ratificou nem pode ratificar a CEDH.

Em relação à Carta dos direitos fundamentais da UE, embora ratificada pela UE, ela não tem valor constrangedor, o que faz com que a Corte de justiça da UE não possa fazer o controle da correta observação dos direitos fundamentais ali inseridos.

Então, qual a alternativa para responsabilizar uma instituição da UE tendo em vista os direitos fundamentais inseridos tanto na CEDH quanto na Carta dos direitos fundamentais da UE?

A solução seria inserir a Carta dos direitos fundamentais da UE no tratado que estabelece uma constituição para a UE, a fim de que ela tenha valor constrangedor e, assim, a Corte de justiça da UE possa fazer esse controle.

Nisso, o tratado que estabelece uma constituição para a UE, na Parte II do seu texto, inseriu um catálogo de direitos fundamentais, adotando a Carta de direitos fundamentais da UE na sua totalidade. Os destinatários desse controle, feito pela Corte de justiça da UE, serão os poderes públicos dos Estados membros e as instituições da UE.

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Neste trabalho, temos por direitos fundamentais aqueles direitos declarados na CEDH, de 1950 ; na Carta dos direitos fundamentais da UE, de 2000; e no tratado que estabelece uma constituição para a UE, de 2005.

1 A convenção europeia de salvaguarda dos direitos do homem e das liberdades fundamentais (CEDH -1950)

A CEDH foi firmada dentro do contexto pós-segunda Guerra Mundial, pelo Conselho da Europa em 1950, entrando em vigor em 1953, com o intuito de proteger, principalmente, os direitos de primeira geração.2 Ela se refere à Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada pela Assembleia Geral da ONU em 10 de dezembro de 1948.

Nos artigos 2 a 14 da CEDH, encontramos os seguintes direitos fundamentais: direito à vida (art. 2)3 ; direito de não sofrer tortura (art. 3)4 ; direito de não ser escravizado e de não fazer trabalho forçado (art. 4)5 ; direito à liberdade e à segurança (art. 5)6 ; direito à equidade processual (art. 6)7 ; direito de não ser julgado sem que exista lei anterior (art. 7)8 ; direito ao respeito da vida privada e familiar (art.7)9 ; direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião (art. 9)10 ; direito à liberdade de expressão (art. 10)11 ; direito à liberdade de reunião e de associação (art. II)12 ; direito ao casamento (art. 12)13; direito a um recurso efetivo (art. 13)14 ; direito de não ser discriminado (art. 14)15. E, ainda, há diversos protocolos complementares à CEDH que trazem direitos tutelados.16

A CEDH trouxe consigo um procedimento de controle desses direitos que envolvia, inicialmente, a Comissão Europeia, o Comité de Ministros e a Corte Europeia dos Direitos do Homem, com sede em Strasbourg e instalada em 195417. Mais tarde, o Protocolo 11 (em vigor desde 1998) modificou esse procedimento, abolindo a Comissão Europeia e autorizando as pessoas físicas a acionar diretamente essa Corte, por exemplo.18

A CEDH, ao longo dos tempos, sofreu modificações ou foi acrescentada por diversos protocolos, tais que: o Protocole n° 3 (adotado em 1963), o Protocole n° 5 (adotado em 1966), o Protocole n° 8 (adotado em 1985), o Protocole n° 9Page 20(adotado em 1990), o Protocole n° 10 (adotado em 1992), o Protocole n° 11 (adotado em 1994).

Nesse procedimento de controle dos direitos fundamentais trazidos pela CEDH, encontramos a Corte de Strasbourg.19 Como vimos na introdução, a Corte de Strasbourg não possui competência para controlar os atos contrários à CEDH praticados pelas instituições da UE. Isso acontece pelo fato de que a UE não pode ratificar a CEDH, que é reservada à participação de Estados, somente, não permitindo a participação de organizações internacionais tais como a UE.

A CEDH foi fonte de inspiração da Carta dos direitos fundamentais da UE, que, por sua vez, encontra-se, na sua totalidade, no tratado que estabelece uma constituição para a UE. Daí sua importância, dentre outras.

2 A carta dos direitos fundamentais da União Europeia (2000)

A Carta dos Direitos Fundamentais da UE é uma declaração de direitos, adotada em 7 de dezembro de 2000 em Nice, pelos presidentes do Parlamento, da Comissão e do Conselho. Ela teve um valor importante para a UE, embora sem valor constrangedor e sem jamais ter sido invocada pela Corte de justiça da UE.

Essa Carta, a despeito da falta de valor constrangedor, reforçou a proteção dos direitos fundamentais na Europa.20 O seu texto possui 54 artigos e os direitos estão reagrupados em 6 capítulos. O capítulo I fala sobre os direitos da dignidade.21 O capítulo II trata das liberdades.22 O capítulo III se ocupa da igualdade.23 O capítulo IV menciona os direitos de solidariedade24 O capítulo V trata da cidadania.25 O capítulo VI é ligado à justiça.26

A Carta tutela os direitos de primeira, segunda e terceira gerações. Nela, encontramos a proteção de direitos sociais, políticos, económicos e cívicos dos cidadãos europeus e de todas as pessoas que vivem no território de algum Estado membro da UE.

O grande problema da Carta é que, embora ela tenha sido ratificada pela UE, ela não possui um valor constrangedor, e suas instituições não podem serPage 21responsabilizadas por transgressão dos direitos nela tutelados. Do mesmo modo, ela não apresenta um procedimento de controle realizado por uma Corte de justiça própria, como o faz a CEDH.

Então, sem um valor constrangedor, como as instituições da UE poderiam ser responsabilizadas com base nela? Nisso encontramos a importância da inserção dessa Carta na Parte II do tratado que institui uma constituição para a UE, pois, a partir disso, as instituições da UE poderão ser responsabilizadas por infrações aos direitos fundamentais inseridos na Carta.

Essa Carta foi inspirada na CEDH e em coordenação com essa é que deve ser interpretada, conforme salienta o artigo 52, parágrafo 327, e, ao ser inserida no tratado que institui uma constituição para a UE, em praticamente nada sofreu modificação.

3 A constituição europeia (2005)

O tratado que estabelece uma constituição para a UE foi firmado em 29 de outubro de 2005, em Roma, pelos 25 Estados membros da UE.28 Atualmente, encontra-se na fase de ratificação pelos Estados membros. Somente após a ratificação promovida pela totalidade dos Estados membros é que entrará em vigor.

Esse tratado contém a Carta dos direitos fundamentais da UE na Parte II (Art. 11-61 à Art. 11-114). Essa Parte é intitulada exatamente de Carta dos Direitos Fundamentais da União e contém direitos pertinentes à dignidade (título I)29 ; às liberdades (título II)30 ; à igualdade (título III)31; à solidariedade (título IV)32 ; à cidadania (título V)33 ; à justiça (título VI)34.

Com a inserção da Carta dos direitos fundamentais da UE, na...

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