CAPS UERJ como dispositivo-acontecimento: rupturas e (des)continuidades no processo de trabalho em saude mental/CAPS UERJ as device-event: ruptures and (dis)continuities in the work process in mental health.

AutorCoe, Neilanza Micas
CargoReport

Que a importancia de uma coisa nao se mede com fita metrica. Que a importancia de uma coisa ha que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nos. Manuel de Barros Notas introdutorias

Este artigo apresenta as principais questoes da dissertacao de mestrado Caps Uerj: rupturas e (des)continuidades no processo de trabalho em saude mental, com orientacao dos docentes Marco Jose de Oliveira Duarte e Carla Cristina Lima de Almeida. O texto e a defesa oral foram apresentados ao Programa de Pos-Graduacao em Servico Social (PPGSS) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) em setembro de 2015.

A enfase nesse artigo esta no metodo genealogico (NIETZSCHE, 1990), possibilitando cartografar o Centro de Atencao Psicossocial da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Para tanto, trata-se de uma pesquisa qualitativa - pesquisa-interferencia (1). Neste sentido, a delimitacao do campo da pesquisa apresenta a cartografia deste programa para sua analitica como dispositivo-acontecimento e os territorios existenciais que atravessam e sao atravessados pelo Caps Uerj.

Esta analitica faz aqui um recorte, trazendo para a cena investigativa os sujeitos, a praxis e a transversalidade do processo de trabalho em saude mental. Portanto, a pesquisa opera na perspectiva do sujeito pesquisador-implicado com o objeto de producao do conhecimento a medida que ocupamos o lugar de gestora-pesquisadora (mestranda e coordenadora do Caps Uerj no periodo 2009-2017), imersa na complexidade e no caos, na alegria e no desassossego, iluminada pelos fundamentos do paradigma etico-estetico-politico (GUATTARI, ROLNIK, 2007).

O Caps Uerj como dispositivo-acontecimento: a instituicao em analise

Revel (2005) apresenta a categoria dispositivo no pensamento foucaultiano como operadores materiais do poder, estrategias e formas de assujeitamento, mecanismos de dominacao, utilizados pelo biopoder. Agamben (2009) recorre ao mesmo conceito ampliando-o, apontando um certo modo sobre o "governo dos homens", de modo a determinar um processo de subjetivacao. Quanto mais os dispositivos difundem seu biopoder em cada ambito da vida, tanto mais o governo se encontra diante do inapreensivel, quanto mais os corpos doceis a este se submetem.

Agamben, nesta perspectiva, reune a categoria dispositivo o conceito de acontecimento, utilizando o metodo arqueologico que reconstroi, por tras dos fatos, toda uma rede de discursos, poderes, estrategias e praticas, correlacionando os acontecimentos discursivos e os acontecimentos de outra natureza. Na dimensao historica, define a acontecimentalizacao como a tomada de consciencia das rupturas da evidencia induzida por certos fatos, mostrando a irrupcao de uma singularidade historica.

Esses conceitos fundamentaram a analitica da emersao do Caps Uerj. Assim, esta genealogia evidenciou a processualidade da transicao paradigmatica da psiquiatria hospitalocentrica medicalizadora (PPHM) para a estrategia da atencao psicossocial (COSTA-ROSA, 2013) no estudo realizado.

Cabe destacar que a Uerj e uma universidade publica, inaugurada em 1950, que apresenta particularidades: vinculada ao governo do estado do Rio de Janeiro, atraves da Secretaria Estadual de Ciencia, Tecnologia e Inovacao (Secti). E uma microuniversidade urbana, implantada para a formacao de alunos trabalhadores, funcionando em horario noturno prioritariamente. Sua ascensao aos programas de mestrado e doutorado ocorreu em 1985, apos uma conferencia interna. E a primeira universidade publica brasileira a vivenciar a experiencia de alunos por duas acoes afirmativas. Uma de carater social, destinada aos alunos provenientes das escolas publicas (Lei Estadual n. 3.524/2000) e outra de carater racial, voltada aos alunos afrodescendentes e indigenas (Lei Estadual n. 3.708/2001). Desse modo, tendo em vista o contexto da universidade publica do estado do Rio de Janeiro, ela e compreendida aqui como instituicao social (CHAUI, 2003).

No que se refere a producao dos dados e suas analises, estes apontam para o modo de produzir a inflexao paradigmatica do Caps Uerj atraves da narrativa dos sujeitos entrevistados, divididos por nucleos de segmentos expressivos para esta pesquisa-interferencia. A consulta documental remontou os acontecimentos no periodo 2007-2014, quando a Uerj abriu a campanha eleitoral para a reitoria.

Cinco candidaturas foram lancadas para o quadrienio 2008-2011 (2). Dessas, seguiram, para o segundo turno, as chapas 20 e 40, vencendo com 57,53% dos votos validos, a candidatura de Ricardo Vieiralves de Castro e Maria Cristina Maioli. Assim, os reitores eleitos passaram a representar os interesses da Uerj, cabendo-lhes o planejamento das atividades nas areas de sua competencia, juntamente com aprovacao das instancias da universidade. Destaca-se, nesta gestao, o Complexo Saude - Hospital Universitario Pedro Ernesto (Hupe) e a Policlinica Piquet Carneiro (Ppc), buscando modelos inovadores para o Sistema Unico de Saude (SUS), a logica era o ensino-servico de saude, sobretudo para uma nova dinamizacao da Ppc no contexto da universidade, incorporada ao seu patrimonio, mas ainda sem efetividade institucional para a integracao docente-assistencial.

Neste contexto, abre-se um caminho possivel para a ruptura com o modelo biomedico da Unidade Docente Assistencial de Psiquiatria (Udap) da Fcm-Hupe/Uerj e uma inflexao etico-politica para a saude mental no ensino publico superior e para a Reforma Psiquiatrica no ambito estadual. Esta ruptura fundamentou o processo de emersao do Caps Uerj a partir da indissociabilidade do ensino-pesquisa-extensao-servico, haja vista que este elemento tem comparecido na centralidade da formacao no/para o SUS e vem demonstrando rompimentos com a formacao baseada no modelo biomedico hegemonico.

Dessa forma, a particularidade dessa cartografia favoreceu o deslocamento da formacao para outros campos de necessidades do SUS/Saude Mental, isso tem implicacao concreta nas politicas de educacao para a saude, afirmando que o SUS e o cenario de aprendizagem e o ordenador da formacao em saude, nao de forma abstrata e idealizada de como "deve ser" o exercicio profissional na saude, mas no cotidiano micropolitico. E ali que acontece o trabalho em saude, o encontro de usuarios, alunos, residentes, profissionais e docentes (COE; DUARTE, 2014).

A logica do Hospital Universitario (HU), como unico espaco de formacao, exige criticas a formacao em saude, suscitando a emergencia de modelos inovadores para complexo saude da UERJ no ambito do SUS. A analitica cartografica do Caps Uerj nesse sentido e uma inflexao desta indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensao-servico. Soma-se a isto o potencial do complexo saude, elemento dessa genealogia, tecendo linhas de segmentaridades territorializadas, desterritorializadas e linhas de fuga, expressando os dispositivos-acontecimentos que traduziram as institucionalidades inovadoras na universidade, sobretudo no campus da Ppc (FEUERWERKER, 2014).

Converge nesta analitica o encontro com o diretor do Hupe, professor Rodolfo Acatauassu, o diretor da Ppc, Joao Jose Caramez, ambos professores da Fcm, com os gestores da politica de saude mental e os diretores das Unidades Academicas que compreendem as areas da saude. Desse encontro acontecem novos consensos entre os diretores do Instituto de Psicologia (IP), Ademir Pacelli Ferreira e o diretor da Faculdade de Servico Social (FSS), Marco Jose de Oliveira Duarte, ambos professores com longo percurso na area da saude mental da Uerj, envolvendo formacao, trabalho e pesquisa na Udap/Hupe, desde os anos 1990, especialmente, no Hospital Dia Ricardo Montalban (HDRM).

Acolhi a demanda de crise da equipe, (...) eu era o diretor da Faculdade de Servico Social em 2008 e tinha uma nova direcao na Policlinica (...) dai partiu a pactuacao de nos tornarmos um Caps (...) tomando como referencia o complexo saude (...) a gente conversa com os setores da universidade (...) isso de certa forma correspondeu a demanda da AP. 2.2 de ter um Caps (Nucleo Docente--FSS). Meu compromisso com esse trabalho e antigo, desde a implantacao para a criacao do Hospital Dia (...) a gente observava que nao tinha mais condicoes de levar aquele projeto em 2008, algo que nao ficasse reduzido ao projeto de uma pessoa (...). Com a abertura do Complexo Saude da Uerj havia uma conjuntura na universidade e um grupo favoravel a esse movimento (Nucleo Docente--IP). O HD chegou num ponto em que as praticas deveriam ser repensadas, (...) vivia uma crise pela deterioracao das instalacoes fisicas, precisava de obra (...) vem tambem a Luta Antimanicomial, os movimentos todos que surgiram em paralelo e fora da universidade (Nucleo Docente--FCM/UDA de Psiquiatria). Um grupo tinha um trabalho no Hospital Pedro Ernesto com dificuldades na relacao com a direcao da UDA de Psiquiatria, buscava um espaco na Policlinica, pensando em fazer uma interface com o municipio, optamos por esse caminho (...) com a participacao das unidades academicas (Nucleo Docente--FCM). Para a analitica dessas narrativas, diferentes posicoes frente a Reforma Psiquiatrica brasileira em curso e seus rebatimentos no segmento docente, algumas mais alinhadas a militancia no Movimento da Luta Antimanicomial, outros reconhecendo este movimento e possiveis aberturas para conexoes. Outros ainda ressaltam a experiencia do HDRM e sua supressao, mencionada tao somente pela precarizacao do espaco fisico.

Estas discursividades tambem demonstraram posicoes distintas na universidade na perspectiva dos segmentos docente-assistenciais da Fcm, que ja demonstravam sua ruptura interna em termos de formacao, organizacao de servico e pesquisa, enquanto percepcao da Reforma Psiquiatrica. Neste aspecto, os sujeitos entrevistados narraram os limites estruturais do projeto HDRM. Contudo, essa precariedade fisica nao elucidou por si so a inflexao etico-politica para a emersao do Caps Uerj enquanto...

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