Capítulo VII

AutorPaulo Rubens Salomão Caputo
Ocupação do AutorBacharel em Direito - UFMG. Especialista em Direito Processual - PUC Minas
Páginas263-276

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105. O real perfil jurídico do Ministério Público a partir da Constituição Federal de 1988

Muito276 se discute sobre a natureza do Ministério Público, dizendo, alguns, ser um quarto poder277, enquanto outros, afastando tal hipótese por inadequação constitucional278, o põem como uma instituição sui generis e, até, como Magistratura requerente279.

Discutiu-se nos bastidores da Constituinte280a repaginação do Ministério Público no Brasil, para que assumisse as feições de um ombusdsman, por inspiração de órgão de Estado independente com tais atribuições nos países nórdicos, o que em boa medida acabou se consubstanciando na LONMP e na LOMPU, tanto que isso não passou despercebido a Mazzilli281.

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Tal dado realmente fica claro ante as disposições do inciso II do art. 129 da CF/88 (São funções institucionais do Ministério Público: ... II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; ...) e do art. 27 da LONMP (Cabe ao Ministério Público exercer a defesa dos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual, sempre que se cuidar de garantir-lhe o respeito: ... Parágrafo único. No exercício das atribuições a que se refere este artigo, cabe ao Ministério Público, entre outras providências: ... IV - promover audiências públicas e emitir relatórios, anual ou especiais, e recomendações dirigidas aos órgãos e entidades mencionadas no caput deste artigo, requisitando ao destinatário sua divulgação adequada e imediata, assim como resposta por escrito).

Confirma-o o art. 6º da Lei Orgânica do Ministério Público da União – LOMPU (Compete ao Ministério Público da União: ... XX - expedir recomendações, visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bem como ao respeito, aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover, fixando prazo razoável para a adoção das providências cabíveis. § 1º - Será assegurada a participação do Ministério Público da União, como instituição observadora, na forma e nas condições estabelecidas em ato do Procurador-Geral da República, em qualquer órgão da administração pública direta, indireta ou fundacional da União, que tenha atribuições correlatas às funções da Instituição).

Recomendar seria dar orientação e instrução de conduta para que o administrador público possa entender os anseios da sociedade através deste instrumento282.

De não se esquecer que incumbe ao Ministério Público instaurar procedimentos administrativos e outras medidas (Lei nº 8.625/93, art. 26, I,) e praticar atos administrativos executórios, de caráter preparatório (mesma Lei, art. 26, V); incumbe-lhe adotar medidas tendentes a fazer garantir o respeito às normas da Constituição Federal e Estadual, por parte de Poder Estadual ou Municipal (Lei nº 8.625/93, art. 27, I - e mesmo pela União, o que é atribuição do Ministério Público Federal, nos termos da LC 75/93); é dever do Ministério Público, nos termos do art. 43, da Lei nº 8.625/93, zelar pelo

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prestígio da Justiça, por suas prerrogativas e pela dignidade de suas funções (II); desempenhar com zelo suas funções (VI); adotar, nos limites de suas atribuições, as providências cabíveis em face da irregularidade de que tenha conhecimento ou que ocorra nos serviços a seu cargo (VIII); no exercício das suas atribuições cabe ao Ministério Público, entre outras providências, receber notícias de irregularidades ou reclamações de qualquer natureza, promover as apurações cabíveis que lhes sejam próprias e dar-lhes as soluções adequadas (Lei nº 8.625/93, art. 27, parágrafo único, inciso I).

Mas ao final das contas, a CF/88, ao apartar o Ministério Público do Executivo, sem lhe dar, no entanto, acesso à reserva de jurisdição (veja-se item 36), o pôs em outro patamar na organização política constitucional. É recorrente no constitucionalismo, como lembra Dantas283, a distinção entre direitos fundamentais e garantias fundamentais, tendo aqueles caráter declaratório, de molde a imprimir existência normativa ao direito assim enunciado, e estas, caráter assecuratório, contendo disposições que garantam, assegurem, assim, outros direitos enunciados.

Estas, além da enunciação assecuratória, para que alcancem concretude na sua efetividade, assumem uma caráter instrumental ou formal, a que muitos doutrinadores nominam de remédios, muitos até sob a feição de ações constitucionais.

Em vista desse desdobramento da garantia (enunciação mais instrumentalização), muitos dizem que remédios seriam uma garantia da garantia.

Sob tal prisma, não é demais dizer que a maior garantia das garantias é o Ministério Público.

O Ministério Público é enunciado como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF/88, art. 127).

Ora, o Ministério Público, como perfilhado pela CF/88, é um supergarantidor constitucional.

O que mais se poderia querer de uma garantia?

Há algo maior a garantir, num Estado Democrático de Direito, do que a permanente defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis?

Não se esqueça que o art. 5º da CF/88, em seus §§ 1º e 2º, alberga a possibilidade de outras garantias deslocadas não só topologicamente do seu

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Título II, Capítulo I, mas que também venham sob outra forma que a não a meramente descritiva do que consiste a garantia. Veja-se com atenção: § 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. § 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Se assim é, não se consegue negar que o Ministério Público seja uma garantia constitucional, estruturada organicamente, com uma roupagem institucional-formal.

Enfim, o Ministério Público é verdadeira garantia constitucional orgânica.

106. Forma orgânica-constitucional de ser do Ministério Público: instituição permanente

Optando o constituinte por não inserir no sistema de freios e contrapesos constitucionais um quarto poder, tampouco que se resumisse a atuação do Ministério Público a ser um Ouvidor-Geral da República ou a apenas postular perante a Magistratura, foi eleita a forma de instituição permanente.

Não bastaria, no entanto, ter-se mais um simples órgão estatal no rol de tantos já existentes.

Uma instituição assim idealizada haveria de ter diferenciais.

Essa diferenciação institucional foi dada ao Ministério Público com o estabelecimento dos vetores constitucionais elencados nos §§ do art. 127, notadamente os dois primeiros: § 1º - São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional. § 2º - Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e administrativa, podendo, observado o disposto no art. 169, propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira; a lei disporá sobre sua organização e funcionamento.

Segundo Mazzilli284, pelo princípio da unidade entende-se que o Ministério Público, “... é um só órgão sob uma só direção (regra válida para cada Ministério Público). Essa chefia é antes administrativa que funcional, pois seus membros gozam de independência no exercício das funções”.

O mesmo autor, em outra obra285, aponta que, ao contrário do Ministério Público francês, no Brasil não existe o princípio da hierarquia, a fim de não se prejudicar a independência de atuação dos membros da instituição. A

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hierarquia, no Ministério Público brasileiro, só poderia ser concebida no aspecto administrativo, concentrada na figura do Procurador-Geral.

Tudo isso importa em que se deva harmonizar a independência funcional de cada qual de seus membros com a visão orgânico-institucional do Ministério Público como um todo unitário (embora complexo e funcionalizado), já que quem estará atuando será a instituição.

Já a indivisibilidade quer significar que, uma vez assegurada, no plano administrativo e no processual, a independência funcional, a atuação distinta de um Procurador de Justiça ou Promotor de Justiça que venha a suceder outro (nos casos e forma legais) não descaracteriza a unidade antes proclamada. A atuação personalizada de cada membro do Ministério Publico é, por assim dizer, absorvida pela função ministerial286.

A pedra de toque de tal diferenciação institucional, então, consiste na autonomia administrativa e a independência funcional dos seus órgãos internos de execução.

Harmonicamente com a tratativa específica da questão orçamentária, que passa a não mais ser um mero apêndice da do Poder Executivo, o encabeçamento da instituição passa a ter uma relativa imunidade, exigindo a participação do Legislativo tanto para os crimes de responsabilidade como para a destituição do Procurador-Geral da República (o mesmo se dando no âmbito estatual ou distrital – art. 128, §§ 2º e 4º, da CF), como está no art. 52 da CF/88: Compete privativamente ao Senado Federal: ... II -processar e julgar os...

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