Capítulo IV

AutorPaulo Rubens Salomão Caputo
Ocupação do AutorBacharel em Direito - UFMG. Especialista em Direito Processual - PUC Minas
Páginas173-208

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56. Da estruturação procedimental sob o signo do modelo constitucional do processo

Oliveira251destaca que, enquanto “fenômeno histórico-cultural, o processo civil experimentou ao longo da história várias fases metodológicas”, passando pelo praxismo, o processualismo, o instrumentalismo, até chegar ao que identifica como “formalismo-valorativo”, recepcionando, assim, além dos valores constitucionais da efetividade e da segurança, os direitos fundamentais, como normas principais, decorrendo disso que:

A técnica passa a segundo plano, consistindo em mero meio para atingir o valor. O fim último do processo já não é mais apenas a realização do direito material, mas a concretização da justiça material, segundo as particularidades do caso, e a pacificação social. A lógica é argumentativa, problemática, da racionalidade prática. O juiz, mais do que ativo, deve ser cooperativo, como exigido por um modelo de democracia participativa e a nova lógica que informa a discussão judicial, ideias essas inseridas num novo conceito, o de cidadania processual.

O modelo constitucional do processo, notadamente o princípio da tempestiva, adequada e efetiva tutela jurisdicional (art. 5º, LXXVIII), exige uma estruturação procedimental em lei que não só permita, mas que otimize, no seu máximo grau, o acesso isonômico das partes ao Estado-juiz e a interação e cooperação dialógica (e não apenas dialética, formal) na construção do provimento final, o qual, assim, restará democraticamente legitimado naquele caso concreto posto para julgamento.

Não só a idealização de um procedimento de estrutura cooperatória e legitimante se exige, mas também um procedimento diferenciado, apropriado, se não desdobrado em um sem-fim de especificidades, ao menos oferecendo perfis de provimentos jurisdicionais que se revelem adequados a atender um grupo razoável de pretensões jurisdicionais que venham a ser demandadas, e mecanismos que combinem com as demais possíveis variações do direito material, que não pode ser frustrado pela jurisdição.

Daí que os procedimentos devem seguir as balizas dos arts. 3º a 11 do NCPC, os quais, a seu turno, como visto, encontram fonte constitucional.

No item 36 destacou-se que, embora o processo não se resuma a isso, não dispensa ele o procedimento nem a forma relacional que permitem exatamente sua dialogicidade.

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Portanto, o processo, nos seus aspectos procedimentais-dialógicos, é estruturado antes de mais nada a partir da ideia de ato, que traz consigo, inevitavelmente, enquanto tal, o elemento volitivo para sua prática, e vontade só pode ser emanada de sujeitos capazes perante a ordem civil.

O procedimento, assim, se constrói a partir da ideia básica de atos procedimentais, interdependentes entre si, praticados por todos os sujeitos envolvidos, ou seja, partes, juiz, auxiliares do juízo, e conforme a previsão legal, por intervenientes, em busca do fim maior da atividade jurisdicionalprocessual, que é a produção da norma de decisão ou norma concreta, apta a tornar-se imutável para aqueles a ela sujeita.

Portanto, aqueles destinatários das normas e regras procedimentais são a um só tempo sujeitos do processo e também sujeitos ao processo, provocando e recebendo, reciprocamente uns com relação aos outros, faculdades e cargas, deveres, ônus, processuais-procedimentais.

A fim de canalizar a prática dos atos procedimentais para tal leito, o legislador vale-se de formas, pressupostas, via das quais se imagina que os fins-valores serão alcançados.

57. Daqueles com aptidão para estar em juízo, atuar no processo e praticar os atos procedimentais

Dentro dessa ordem de ideias, o NCPC passa a disciplinar a atuação das partes e dos seus procuradores, mas não os define.

É indispensável, assim, num primeiro passo, entender o conceito de parte (e, lembre-se, não somente do ponto de vista formal), principalmente tendo em vista que tal definição repercutirá em uma série de outros institutos, devendo se procurar, inclusive metodologicamente, alcançar um conceito uniforme dentro desta perspectiva de manutenção de uma sistematização, não só dentro do próprio Código, como para além dele – art. 15.

A ideia de demanda, aqui, é igualmente imprescindível.

Demanda, como visto nos itens 28 a 31, é o direito de ação efetivamente exercido (a ação em concreto), portanto, que conduz ao Estado-jurisdição o conhecimento de uma lide (no sentido revisitado lançado também aí e no subitem 24.1).

A ação caracteriza-se pela potencialidade de ser exercida enquanto direito indistintamente cometido a todos os cidadãos ou agentes privados e públicos que tenham capacidade de direito na ordem civil; a demanda é o exercício, in concreto, do direito de ação, que restará individuado, identificado, enfim, particularizado.

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A singularização da ação é a demanda: direito de ação efetivamente exercido, com a dedução, em juízo, de quem sejam as partes, qual a causa de pedir remota e próxima, e qual o pedido de provimento (pretensão jurisdicional) e de satisfação do bem da vida (pretensão material).

Exigem-se, assim, para a demanda, três elementos integrativos: partes ou personae (aqueles legitimados em razão da obrigação de direito material; aqueles que exercerão o contraditório e a defesa ampla; aqueles que a um só passo definirão os limites subjetivos da lide e estarão sujeitos à coisa julgada ou implicados na resolução do caso julgado); causa de pedir ou causa petendi (dita remota ou fundamento mediato: o fato, o porquê de se estar em juízo; dita próxima ou fundamento imediato: as consequências jurídicas do fato deduzido em juízo); e pedido ou petitum (dito imediato: o provimento adequado, correspondente à pretensão jurisdicional do demandante; dito mediato: o bem da vida pretendido, correspondente à pretensão material, que consistirá no meritum causae).

Essa é a grande meta do processo, enunciada loquazmente no art. 6º: Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

Neste quadrante, o NCPC, ao se referir aos sujeitos, em seguida ruma para a tratativa das partes e seus procuradores.

Partes, para tal fim, são aqueles que, antes de mais nada, compõem os elementos subjetivos da lide e que corresponderão aos limites subjetivos da coisa julgada.

Partes são aqueles sujeitos extraordinária (art. 18) ou ordinariamente legitimados (art. 17) em razão da conflituosa relação material trazida à jurisdição.

Partes são aqueles a quem não se pode privar do exercício do acesso ao Estado-juiz não só na iniciativa (art. 2º) de demandar, mas por todo o iter procedimental da demanda (art. 10), e que, em condições isonômicas proporcionadas pelo juiz imparcial e investido num juízo competente, vão exercer, em permanente diálogo com aquele e entre si, o contraditório e a defesa ampla de suas posições no processo, de modo a cada qual buscar persuadir racionalmente o decididor da sua razão; e exatamente por isso, porque são sujeitos do processo, nestas condições de validade e legitimação, restarão sujeitos ao resultado final do processo, estarão sujeitos à coisa julgada.

Embora não única, portanto, a legitimatio ad causam é um elementar do conceito de parte aqui sustentado.

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Todavia, nem todo aquele que está, ordinária ou extraordinariamente, legitimado para a causa, para a demanda, está no pleno gozo da sua capacidade de exercitar e de receber as cargas enquanto sujeito de direitos, singular ou institucional, na esfera privada ou pública.

Daí que, como desdobrado nos itens acima referidos e no item 34, não basta a legitimação material, ad causam, mas também a legitimação processual, que não se confunde com aquela, mas a complementa.

Nem sempre a parte legitimada materialmente estará apta a estar em juízo, terá capacidade de exercício de direitos na ordem civil, e o suprimento disto deve se dar. Ou, se tem capacidade, isto deve atender ao que está exigido no NCPC ou ser comprovado.

Sem isso, também não se verificaram reunidos os requisitos gerais de admissibilidade da tutela jurisdicional, que são: a) requisitos da demanda (ou condições da ação em concreto): I - legitimidade para a causa (legitimatio ad causam); II - interesse de agir (necessidade e utilidade do provimento pleiteado); b) requisitos...

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