Capítulo III

AutorPaulo Rubens Salomão Caputo
Ocupação do AutorBacharel em Direito - UFMG. Especialista em Direito Processual - PUC Minas
Páginas135-170

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37. Imunidade de jurisdição e jurisdições estrangeira e nacional

Como visto no itens 22 a 24, a jurisdição, enquanto poder-dever-função de determinado Estado (no Brasil, Democrático de Direito, o que pressupõe ter instituído a sociedade civil um Estado Constitucional), adere ao seu território.

Mas não só territorialmente a jurisdição encontra um limite, geográfico portanto, como igualmente geopolítico.

Entre iguais (Estados livres, para lembrar Kant232) não há poder de sujeição e, no plano internacional, os Estados livres só se sujeitam à jurisdição propriamente internacional (de um Tribunal supranacional) por meio de tratados, convenções ou atos internacionais233.

Aqui não se cuida de disciplinar tais regras, mas se as considera exatamente, aí sim, para disciplinar a incidência (concorrente) ou não (exclusividade) da jurisdição estrangeira.

Tal tema é próprio do que o CPC de 1973 tratava como competência internacional, terminologia que, em bom tempo, foi superada, conquanto não se trata aí de competência, mas da imunidade de jurisdição, de um lado, e da jurisdição estrangeira e/ou nacional, de outro.

A primeira consequência da preservação da soberania quanto à jurisdição de cada país está em que não há litispendência234entre demandas idênticas (mesmas partes e causa de pedir e pedido) na jurisdição brasileira e na estrangeira.

Segundo, sem a homologação pelo STJ (CF/88, art. 105, I, “i”), a sentença estrangeira não é eficaz no Brasil235(mais: arts. 960 a 965 do NCPC).

No entanto, para a exata aplicação do art. 24, há de se estar diante de competência concorrente, não ter havido homologação da sentença estrangeira

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e não ser a regra da não litispendência afastada por tratado, convenção ou ato internacional.

Se houver homologação da sentença estrangeira, a coisa julgada incide sobre a causa em trâmite na jurisdição brasileira. O contrário também é verdadeiro, ou seja, se houver coisa julgada na jurisdição brasileira, a demanda idêntica estrangeira não poderá ser homologada pelo STJ.

38. Observações sobre a jurisdição e a sentença estrangeira

Alguns236 países nórdicos, como Dinamarca, Noruega e Suécia, não reconhecem as decisões estrangeiras como atos jurídicos efetivos, mas mero fato, e tal linha também seria seguida na Holanda.

Já nos Estados Unidos e no Reino Unido a sentença estrangeira é tomada como prova e fundamento para a instauração de ação a ser aforada nesses países.

Na França e na Bélgica a sentença estrangeira é revisada em seus aspectos formais e de mérito, sendo substituída por decisão local, naquele primeiro país.

O Brasil adotou o sistema da delibação moderada, na mesma linha da Itália. Além da verificação dos requisitos formais e da potencial ofensa à soberania nacional ou aos bons costumes, há o exame da observância da ordem pública. Para tanto, o mérito da questão seria considerado de maneira superficial, de modo a analisar a adequação do ato estrangeiro em si, do seu conteúdo e da forma como foi produzido na jurisdição estrangeira.

O procedimento de homologação de uma sentença estrangeira segue a Resolução n. 9/STJ, de 4 de maio de 2005, inserindo-se na classe de seus processos originários, cabendo à Presidência verificar se a mesma foi proferida por autoridade competente; terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia; ter transitado em julgado (e estar revestida das formalidades necessárias para a execução no lugar em que foi proferida); estar autenticada pelo cônsul brasileiro e acompanhada de tradução por tradutor oficial ou juramentado no Brasil; e não conter ofensa à soberania, à ordem pública ou aos bons costumes (arts. 5º e 6º da Resolução n. 9/STJ e arts. 15, 16 e 17 da LINDB).

Porém, havendo contestação, o processo será submetido a julgamento da Corte Especial do STJ e distribuído a um dos Ministros que a compõem (arts. 2º e 9º, § 1º, da Resolução n. 9/STJ), o qual exercerá os devidos poderes instrutórios.

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O provimento final será de homologação ou não da sentença estrangeira. Se homologada e passada em julgado, decretando-se o exequatur, o interessado deverá obter carta de sentença junto à Coordenadoria de Execução Judicial do STJ mediante o pagamento de taxa e, assim, proceder à execução da sentença no juízo nacional competente.

Já a homologação de sentenças brasileiras no exterior deve seguir a legislação interna do Estado estrangeiro onde se deseje a homologação da sentença.

Em geral, será necessário requerer a homologação junto a um tribunal ou corte estrangeira. Outra forma de solicitar, no exterior, a homologação de sentenças brasileiras em matéria civil, é formular o pedido por meio de carta rogatória, desde que exista tratado prevendo tal procedimento. Até o momento, é possível realizar pedidos dessa natureza com base nos tratados bilaterais com a Espanha, a França e a Itália, bem como para Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai, com base no Acordo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Comercial, Trabalhista e Administrativa entre os Estados-Partes do MERCOSUL.

39. Competência concorrente e exclusiva da jurisdição brasileira

Segundo os arts. 21 e 22, concorrentemente com a jurisdição estrangeira, à jurisdição brasileira cabe processar e julgar as ações em que, independentemente de sua nacionalidade, o réu estiver domiciliado no Brasil e, sendo pessoa jurídica, aqui tiver agência ou filial ou sucursal; quando no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação; ou o fundamento (causa de pedir remota) seja fato ocorrido ou ato praticado no Brasil.

Tratando-se de matéria alimentar, ainda concorrentemente caberá à jurisdição brasileira processar e julgar as ações de alimentos quando o credor tiver domicílio ou residência no Brasil; ou o réu mantiver vínculos no Brasil, tais como posse ou propriedade de bens, recebimento de renda ou obtenção de benefícios econômicos.

Igualmente, se tais ações forem decorrentes de relações de consumo, quando o consumidor tiver domicílio ou residência no Brasil; ou outras em que as partes, expressa ou tacitamente, se submeterem à jurisdição nacional, lembrando que em casos tais tem aplicação o art. 63.

Já nos casos enumerados no art. 23, incide exclusivamente (em detrimento de qualquer outra) a jurisdição brasileira, para conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil; proceder a confirmação de testamento particular, inventário e partilha de bens situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do

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território nacional; e em divórcio, separação judicial ou dissolução de união estável, proceder a partilha de bens situados no Brasil, ainda que o titular seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional.

40. A cooperação jurídica internacional

Mesmo no plano interno, o desenvolvimento eficaz da atividade jurisdicional não prescinde de intercâmbio processual237.

Frise-se que mesmo aí não pode haver nem falta de ciência e nem surpresa para as partes. “Há, por isso, um sistema de comunicação dos atos processuais, pelo qual o juízo põe os interessados a par de tudo o que ocorre no processo e os convoca a praticar, nos prazos devidos, os atos que lhes compete238.

Num mundo sabidamente plural, com uma ordem internacional vívida, na qual se insere o Brasil por desígnio próprio (CF/88, art. 4º), tanto no aspecto sociocultural e político como econômico-comercial, não raro os atos de intercâmbio processual extrapolam o âmbito geográfico e geopolítico, fazendo-se necessária a solicitação de cooperação internacional.

Esta consiste239, pois, na necessária prestação de auxílio mútuo entre Estados ou entre Estados e tribunais internacionais para a adoção de medidas que contribuam para o exercício da jurisdição. Cooperar significa dispensar ajuda mútua, voltada para determinados fins.

A cooperação internacional pressupõe, então, não uma ideia de violação ou apenas disponibilidade gentil (comitas gentium) da soberania, mas um concerto de soberanias, calcado na confiança e compromissos mútuos entre Estados, os quais, uma vez tratados neste sentido (ou objeto de reciprocidade na via diplomática – ressalvando que nada disto é necessário para a ação de competência originária da homologação de sentença estrangeira), assumem tal dever uns perante os outros.

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Daí as bases lançadas no art. 26, voltadas ao respeito às garantias do devido processo legal no Estado requerente; a igualdade de tratamento entre nacionais e estrangeiros, residentes ou não no Brasil, em relação ao acesso à justiça e à tramitação dos processos, assegurando-se assistência judiciária aos necessitados; a publicidade processual, exceto nas hipóteses de sigilo previstas na legislação brasileira ou na do Estado requerente; a existência de Autoridades Centrais para recepção e transmissão dos pedidos de cooperação; a espontaneidade na...

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