Capítulo I

AutorSidney Bittencourt
Páginas35-48

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Art. 1º (Vetado)

Art. 2º Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la.

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Artigo 1º

O artigo 1º foi vetado pelo Presidente da República. Convém, entretanto, a transcrição de seu texto, de modo que haja possibilidade de entenderem-se as razões que o levaram ao veto:17

Art. 1º As condutas e atividades lesivas ao meio ambiente são punidas com sanções administrativas, civis e penais, na forma estabelecida nesta Lei. Parágrafo único. As sanções administrativas, civis e penais poderão cumular-se, sendo independentes entre si.

O dispositivo disciplinava que os procedimentos lesivos ao meio ambiente seriam apenados com sanções administrativas, civis e penais na forma estabelecida na própria Lei.

Restringia-se a legislação, portanto, às sanções nela previstas, afastando, de plano, qualquer ilicitude tipificada em outras normas. Com isso, tacitamente, todas as demais estariam revogadas.

Com o lógico veto, possibilitou-se a aplicação da nova Lei em conjugação com legislações já existentes, notadamente com a Lei nº 6.938/91, que trata especificamente da Política Nacional do Meio Ambiente.

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Consequência direta do veto é a clara possibilidade de afirmar-se que a responsabilidade civil objetiva pela prática de infrações que gerem danos ambientais não sofreu alterações.1819

Artigo 2º

Este dispositivo contempla a pluralidade de autores, todos igualmente responsáveis pelo delito de natureza culposa.

O artigo diz respeito tanto à participação comissiva como omissiva nos crimes contra o meio ambiente.

Tem-se, portanto, a coautoria, na medida de cada culpabilidade. Impende ressaltar que a coautoria difere da cumplicidade, de vez que os coautores (no caso, todos que concorreram para o crime) constituem os agentes principais, enquanto os cúmplices configuram os agentes secundários.

O vislumbre da chamada "divisão dos trabalhos" alcança na coautoria seu melhor enquadramento. Percebe-se, assim, a fragmentação da atividade visando à efetiva complementação do fato.

O penalista Nilo Batista discerne com clareza essa questão:

Isto significa que só se pode interessar como co-autor que detenha o domínio (funcional) do fato; desprovida deste atributo, a figura cooperativa poderá situar-se na esfera da participação (instigação ou cumplicidade). O domínio funcional do fato não se subordina à execução pessoal da conduta típica ou de fragmento desta, nem deve ser pesquisado na linha de uma divisão aritmética de um domínio "integral" do fato, do qual to-

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caria a cada co-autor certa fração. Considerando-se o fato concreto, tal como se desenrola, o co-autor tem reais interferências sobre o seu Se e o seu Como; apenas, em face da operacional fixação de papéis, não é o único a tê-las, a finalisticamente conduzir o sucesso. Pode-se, entretanto, afirmar com Roxin que cada co-autor tem a sorte do fato total em suas mãos, através de sua função específica na execução do sucesso total, porque se recusasse sua própria colaboração faria fracassar o fato.20Relembra o jurista, entrementes, citando Aníbal Bruno e Heleno Fragoso, que, no Brasil, sob o predomínio do critério formal-objetivo, prevalece o entendimento segundo o qual "dá-se a co-autoria quando vários agentes participam da realização da ação típica",21definindo coautor como "quem executa, juntamente com outros, a ação ou omissão que configura o delito".22

A coautoria dos crimes previstos na Lei nº 9.605/98 alcança, inclusive, o diretor, o administrador, o membro do conselho e do órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica que, cientes da conduta criminosa de outrem, nada tenham feito para impedir a sua prática, desde que pudessem agir, de alguma forma, para evitá-la.23Considerando que, conforme a doutrina e a jurisprudência penalista, só se pode imputar como também criminosa a omissão de quem possua o dever de evitar o crime, infere-se que a norma positivada atribui a esses agentes tal dever.

Interessante notar que o preceptivo fez constar no elenco de alcançáveis como coautores um profissional que, normalmente, não faz parte do quadro funcional da pessoa jurídica envolvida: o auditor. Tal profissional, não raro, é contratado para exercer especificamente a atividade de avaliação das condições ambientais que envolvem as tarefas da empresa contratante. Essa inclusão, todavia, considerando

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a importância e a responsabilidade desse profissional no seu labor, é plenamente justificável.

Nota-se que, apesar de tratar da coautoria, explicitada no artigo 29 do Código Penal brasileiro (Decreto-Lei nº 2.848/40),24este artigo 2º não prevê a possibilidade de redução da pena, na hipótese de participação em menor grau de um agente, como previsto no §1º do supracitado artigo 29.25Entendemos, no entanto, considerando o uso subsidiário do Código (como, inclusive, indica o artigo 79 da Lei em avaliação), que essa regra de redução da pena também é aplicável nos delitos ambientais.

Sobre o alcance dos crimes ambientais, Ivette Senise Ferreira relembra que "os crimes ecológicos tanto podem ser dolosos como culposos, mas, de acordo com a regra do art. 18 do Código Penal, válida somente para a legislação especial, os crimes culposos só poderão ser puníveis quando expressamente forem mencionados na lei",26alertando que, caso não mencionados, devem ser subentendidos como dolosos.

Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.

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Artigo 3º

A responsabilidade penal das pessoas jurídicas era tese pouco sustentada pela doutrina. Wanderley Rebello e Christianne Bernardo criticam tal postura, quando, com indignação:

(...) não podemos fechar os olhos para o que está ocorrendo ao nosso redor e destruindo a nossa fauna e flora. Com relação a este assunto, seja com multas, suspensão de atividades e outras sanções semelhantes, o certo é que, apesar de ainda estar sendo definida, esta matéria precisa tomar o rumo da proteção ao meio ambiente, assim como as penas alternativas seriam uma resposta apropriada às pessoas físicas. Por exemplo: prestação de serviços gratuitos no Zoo, no Ibama, em jardins e praças públicos, entre outros lugares.27

Este artigo 3º - que se constitui, diga-se de passagem, numa auspiciosa inovação no ordenamento jurídico-penal brasileiro - prevê a responsabilização penal das pessoas jurídicas,28atendendo, finalmente, aos ditames do artigo 225, §3º, da Constituição Federal, que explicita que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores (pessoas jurídicas ou físicas) a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparação do dano causado.29

A hipótese, contudo, só estará caracterizada no caso de a infração vir a ser cometida por decisão do representante legal ou contratual da

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pessoa jurídica, ou de seu órgão colegiado, desde que essa decisão objetive o interesse ou o benefício da organização.30Como é sabido, as pessoas jurídicas não devem ser confundidas com as pessoas físicas que as comandam. Todavia, essa delimitação vem sofrendo mudanças com o tempo, principalmente quando se verifica a má-fé na criação da pessoa jurídica ou na sua utilização visando a encobrir-se a responsabilização pelo ilícito.

Conforme se verificará quando da apreciação dos artigos 21 a 24, as pessoas jurídicas, obviamente, não estão passíveis de penas privativas de liberdade, mas sim às pecuniárias, às restritivas de direito e às de prestação de serviços à comunidade, com possibilidade, inclusive, de liquidação forçada, quando estabelecida ou utilizada em situações que visem à prática ou facilitação do crime ambiental.

Parágrafo único

A responsabilização das pessoas jurídicas, conforme disposto no caput, não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do fato.

Assim, juntamente com a pessoa jurídica que praticar algum crime ambiental, responderá a pessoa física que causou especificamente o dano.

A regra é mais do que justificável, uma vez que a vontade da pessoa jurídica materializa-se por seus representantes.31Impende alertar que a...

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