Capitalismo extrativista na América Latina e as contradições da mineração em grande escala no Brasil

AutorRicardo Junior de Assis Fernandes Gonçalves
CargoProfessor Doutor do Curso de Geografia da Universidade Estadual de Goiás - Campus Iporá)
Páginas38-55
Ricardo J. A. F. Gonçalves
Cadernos Prolam/USP, v.15, n.29, p.38-55, jul/dez.2016
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CAPITALISMO EXTRATIVISTA NA AMÉRICA LATINA E AS
CONTRADIÇÕES DA MINERAÇÃO EM GRANDE ESCALA NO BRASIL1
EXTRATIVIST CAPITALISM IN LATIN AMERICA AND CONTRADICTIONS OF LARGE-
SCALE MINING IN BRAZIL
Ricardo Junior de Assis Fernandes Gonçalves2
Universidade Estadual de Goiás(UEG), Iporá, Goiás
Resumo: Na primeira década do século XXI, o aumento do preço de commodities minerais como minério de
ferro, cobre, ouro e alumínio, fortaleceu a expansão de novas fronteiras do extrativismo mineral na América
Latina. Desse modo, o objetivo desta pesq uisa é compreender os efeitos da mineração na economia e em
territórios impactados por megaempreendimentos em países latino-americanos. Para isso, num segundo
momento a centralidade da investigação priorizou a realidade brasileira. O modelo de extrativismo mineral
exportador baseado nos grandes projetos fortalece estratégias de controle dos territórios e acumulação por
espoliação. A escala de produção e consumo, os métodos e ritmos extrativos, assim como o uso e desperdício
dos próprios minérios, água e energia ilustram a insustentabilidade e as contradições da mineração no Brasil e na
América Latina.
Palavras-chave: Mineração, Território, Neoextrativismo, América Latina.
Abstract: In the first decade of the 21st century, the increase in the price of mineral commodities such as iron
ore, copper, gold and aluminum, stren gthened the expansion of new frontiers of mineral extraction in Latin
America. Thus, the objective of this research is to understand the effects of mining on the economy and in
territories impacted by mega projects in Latin American countries. For this, in a second moment the centrality of
the investigation prioritized the Brazilian reality. The model of extractive mineral extraction based on the great
projects strengthens strategies of control of the territories and accu mulation by spoliation. The scale of
production and consumption, methods and extractive rhythms, as well as the use and waste of the own minerals,
water and energy, illustrate the unsustainability and contradictions of mining in Brazil and in Latin America.
Keywords: Mining, Territory, Neoextractivism, Latin America.
1 Parte dos resultados apresentados no texto compõe a tese No horizonte, a exaustão: disputas pelo subsolo e
efeitos socioespaciais dos grandes projetos de mineração em Goiás, defendida pelo autor, em a gosto de 2016,
na UFG.
2 Professor Doutor do Curso de Geografia da Universidade Estadual de Goiás Ca mpus Iporá). Email:
>.
Ricardo J. A. F. Gonçalves
Cadernos Prolam/USP, v.15, n.29, p.38-55, jul/dez.2016
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1 INTRODUÇÃO
Os carniceiros desolaram as
ilhas.
Guanahaní foi a primeira
nesta história de martírios.
Os filhos da argila viram
partido
seu sorriso, ferida
sua frágil estatura de gamos,
e nem mesmo na morte
entendiam.
Foram amarrados e feridos,
foram queimados e abrasados,
foram mordidos e enterrados.
E quando o tempo deu sua
volta de valsa
dançando nas palmeiras,
o salão verde estava vazio.
Só ficavam ossos
rigidamente colocados
em forma de cruz, para maior
glória de Deus e dos homens.
Das gredas ancestrais
e da ramagem de sotavento
até as agrupadas coralinas
foi cortando a faca de Narváez.
Aqui a cruz, ali o rosário,
aqui a Virgem do Garrote.
A jóia de Colombo, Cuba
fosfórica,
recebeu o estandar te e os
joelhos
em sua areia molhada.
(NERUDA, 1980, p. 45).
Desde que os conquistadores europeus pisaram nos solos do continente americano, nas
ilhas caribenhas ainda no final do século XV e início do XVI, a história não cessou de ilustrar
páginas de conflitos e genocídio dos povos originários, esgotamentos de solos férteis, metais e
pedras preciosas. Neste sentido, por meio de 3 estrofes e 26 versos livres, o poeta chileno
Pablo Neruda apresentou o conteúdo violento da conquista no poema Chegam pelas ilhas
(1493), do livro Canto Geral (Canto III Os conquistadores).
O poema de Neruda (1980) suscita reflexões sobre o contato inaugural dos
conquistadores com os povos que habitavam os territórios das Américas, cujo resultado
imediato foi a violência promovida pelos espanhóis. Logo, além do extermínio e escravidão
de populações originárias e negras, séculos de exploração da natureza e suas “dádivas”
extraídas do solo e do subsolo garantiram a acumulação primitiva do capital na Europa
(MARX, 2013).
Da América Latina foram extraídos recursos que abasteceram os interesses capitalistas
de países europeus como Espanha, Portugal e Inglaterra, subordinando os territórios
“descobertos” na Divisão Internacional do Trabalho enquanto exportadores de matéria-prima.
Portanto, mesmo depois de mais de cinco séculos, esta região do continente americano
continua servindo aos interesses hegemônicos dos países ricos industrializados por produtos
primários. Como afirma Galeano (2013, p. 5), [...] continuamos aplaudindo o sequestro dos
bens naturais com que Deus, ou o Diabo, nos distinguiu, e assim trabalhamos para a nossa
perdição e contribuímos para o extermínio da escassa natureza que nos resta [...]”.
No decorrer da primeira década do século XXI, com o aumento do preço das
commodities minerais, o extrativismo mineral expandiu-se em territórios latino-americanos.
Esse processo possui concomitância com o crescimento significativo das demandas mundiais
por minérios, especialmente de países asiáticos como a China. Por consequência, minérios

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