Capital estrangeiro e conflitos socioambientais em torno das riquezas minerais do espaço sul-americano

AutorGilca Garcia de Oliveira
CargoPossui doutorado em Economia Rural pela Universidade Federal de Viçosa (2001). Atualmente é professora da Universidade Federal da Bahia. Atua no Programa de Pós-graduação em Economia (PPGE/UFBA) e no Programa de Pós-graduação em Geografia (POSGEO/UFBA). Membro dos Grupos de Pesquisa Projeto GeografAR e GEPODE nas áreas de Economia Rural, ...
Páginas88-119
https://cadernosdoceas.ucsal.br/
Cadernos do CEAS, Salvador/Recife, n. 241, p. 342-373, mai./ago., 2017 | ISSN 2447-861X
CAPITAL ESTRANGEIRO E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS EM
TORNO DAS RIQUEZAS MINERAIS DO ESPAÇO SUL-
AMERICANO
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Foreign capital and socioenvironmental conflicts around the mineral riches
of the south american space
Gilca Garcia de Oliveira
Possui doutorado em Economia Rural pela
Universidade Federal de Viçosa (2001). Atualmente
é professora da Universidade Federal da Bahia. Atua
no Programa de Pós-graduação em Economia
(PPGE/UFBA) e no Programa de Pós-graduação em
Geografia (POSGEO/UFBA). Membro dos Grupos de
Pesquisa Projeto GeografAR e GEPODE nas áreas de
Economia Rural, Conflitos: Resistência e
Enfrentamento, Trabalho Análogo a de Escravo.
E-mail: gilca.oliveira@gmail.com
Diego Jesus da Silva
Mestre em Geografia pela Universidade Federal da
Bahia.
E-mail: lops.mr@hotmail.com
Informações do artigo
Recebido em 24/04/2017
Aceito em 14/08/2017
Resumo
Este trabalho faz uma análise do processo de
acumulação do capital sobre as riquezas minerais do
espaço sul-americano e os conflitos decorrentes
desta investidura do capital, a partir da década de
1990, mas com foco nos anos 2000. Para tanto, o
escopo da pesquisa se centrou na análise do pa pel
que o capital estrangeiro vem desenvolvendo no
Subcontinente e como o avanço destes fluxos de
capitais vem reforçando a condição dependente dos
países sul-americanos, especializando-os no âmbito
da divisão mundial do trabalho, reforçando o papel
de fornecedores de mercadorias com baixa
densidade de valor. A categoria central de análise
deste estudo é o padrão de reprodução do capital que
possibilitou o escrutínio do processo de
especialização produtiva, precisando o papel que os
investimentos estrangeiros diretos (IEDs) têm na
orientação da economia política do Subcontinente
em direção aos ditames das linhas gerais do
capitalismo global. Imbricado a este processo, traça-
se uma análise dos conflitos que vêm estabelecendo-
se contra a espoliação capitalista que atinge os
distintos setores sociais e a natureza.
Palavras-chave: Espaço sul-americano. Padrão de
reprodução do capital. Dependência. Capital
estrangeiro. Conflitos socioambientais.
Introdução
Quando se aborda o capital estrangeiro, por meio da teoria da dependência, trata-se
de pr ecisar num plano da geopolítica mundial a origem deste capital-dinheiro na primeira
etapa da circulação do ciclo de reprodução (MARINI, 2012). No caso da América do Sul, tal
origem é pred ominantemente dos países centrais. Logo, a análise do capital estrangeiro
nesta porção da periferia do mundo implica necessariamente uma relação intimamente
atrelada ao fenômeno da dependência.
As correntes pelas quais o capital estrangeiro vem predominando na América do Sul
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Artigo resultante das pesquisas desenvolvidas na dissertaç ão de mestrado..., com financiamento de
bolsa de estudos pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
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podem ser contabilizadas pela rubrica dos investimentos ou pela dos créditos
2
, sendo estes
últimos de origem privada ou de organismos oficiais, como o FMI, o BID e o Banco Mundial,
que são correias de transmissão importantes do imperialismo, conforme apontou Borón
(2007). No que tange aos investimentos, esses podem ser diretos ou de carteira e, muito
embora, sobretudo na transição dos anos 1980 para os 1990, os investimentos de carteira
tenham sido mais volumosos (CEPAL, 1995). É a partir dos chamados investimentos
estrangeiros diretos (IEDs) que as empresas transnacionais operam para se aninhar nas
formações sociais dependentes.
Entre o período de 1970 a 1986, os dados da Cepal (1995) mostram que a América
Latina era o principal destino mundial dos investimentos dire tos nas chamadas “economias
em desenvolvimento” – cerca de 50% do montante global -, após esse período o grosso dos
montantes se desloca para Ásia. Este fenômeno está diretamente associado à reestruturação
produtiva do capital e aos elementos da conjuntura mundial da época. Como bem demonstra
Harvey (2014), a transição para a acumulação flexível d esloca importantes volumes de
capitais para as regiões geográficas onde as taxas de lucros são maiores. No caso da América
Latina, o setor predominante onde os investimentos diretos se acomodavam era o industrial,
muito também porque o protecionismo da política de substituição das importações agia,
neste caso, na proteção dos mercados internos, criando um espaço ideal para o investimento
direto operar
3
.
Todavia, com a crise do modelo e a consequente crise de diversas economias sul-
americanas, a conjuntura asiática se mostrou mais atrativa aos capitais, sobretudo, porque a
política industrial desses países estava fortemente atrelada a plataformas de exportação, o
que possibilitava às grandes empresas estadunidenses, por exemplo, produzirem
externamente aquilo que era demandado pelo maior mercado consumidor do mundo, a
custos d e produção mais baixos que quando produzidos no âmbito doméstico. Esse é um
2
O capital estrangeiro “[...] pode se apresentar basicamente sob duas formas: como investimento direto,
quando de maneira exclusiva ou compartilhada (ou seja, associada) o capitalista estrangeiro inv este
diretamente na economia dependente, detendo a propriedade tota l ou parcial do capital produtivo a que o
investimento deu lugar e apropriando-se diretamente da mais-valia total ou parcial ali gerada; e como
investimento indireto (nacionais e estrangeiros), sob a forma de empréstimos e financiamentos, contratados
diretamente com os capitalistas receptores ou com o Estado, que os redistribui a estes ou os integra a seu
próprio investimento.” (MARINI, 2012, p. 25)
3
“Sobre a exportação de capital, os direitos alfandegários incidem de outra maneira: eles próprios passam a ser
um incentivo para o capitalista. Quando um capital é investido e funciona como capital num país
“estrangeiro” ele passa a beneficiar-se da “proteção” a duaneira de que gozam os industriais do país.”
(BUKHÁRIN, 1984, p. 89).
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pouco do cenário que explica o porquê da América Latina e, por consequência, a América do
Sul, não serem mais os principais destinos do IED no plano das economias dependentes do
mundo.
Mas, os fluxos de IEDs para os países sul-americanos denotam, sem dúvida, o avanço
do imperialismo sobre o Subcontinente, sobretudo, a partir d a segunda metade da década
de 1990 quando os países já estão com os processos de neoliberalização mais avançados, em
especial, a partir do ano de 1996 quando importantes privatizações são feitas nas suas
grandes economias. Obviamente que, em termos mundiais, o principal destino dos I EDs são
as economias centrais e, no que tange às dependentes, a direção maior é rumo ao continente
asiático. Todavia, os montantes que são destinados às formações sociais sul-americanas têm
enorme peso em suas realidades, sobretudo porque, conforme Salama (2011), até à época
eram economias com um baixo coeficiente de abertura.
Conforme dados da UNCTAD
4
, observa-se que, na primeira metade da década de
1990, isto é, de 1990 a 1995, o percentual do IED direcionado para a América Latina e Caribe
permanece dentro da média geral para o continente, que é de 10% do total mundial. No ano
de 1994, registrou-se o maior percentual deste período, 11%. Esse alto percentual da primeira
metade da década é registrado precisamente no mesmo ano em que o espaço sul-americano
passa a ser o principal destino mundial dos IEDs para as riquezas minerais. Período em que os
custos de produção destas atividades ficam mais altos em alguns países produtores do centro
em comparação com as economias dependentes, denotando por isso mesmo o caráter
expansionista do imperialismo frente às riquezas naturais, sobretudo nos países sul-
americanos mais alinhados ao projeto neoliberal.
A partir de 1995 pode-se notar um crescimento vertiginoso do IED na América Latina
e Car ibe com um ponto de inflexão apen as na crise de 1999, crise esta que é, em alguma
medida, reflexo da crise asiática de 1997-1998. Este crescimento explosivo do IED se deu por
conta dos processos de privatizações. No ano de 1999, por exemplo, um terço de todas estas
cifras esteve diretamente atrelado a processos de privatizações, sobretudo de países sul-
americanos, como Argentina e Chile (CEPAL, 2000). São inúmeros os exemplos: a
privatização da petroleira Yacimientos Petrolíferos Fiscales (YPF), em 1999, para a empresa
espanhola Repsol por montantes em torno de US$15 bilhões, a empresa de energia Endesa
4
UNCTAD (disponível em http://unctadstat.unctad.org, acesso em julho de 2016).

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