O argumento das 'capacidades institucionais' entre a banalidade, a redundância e o absurdo

AutorDiego Werneck Argulhes - Fernando Leal
CargoDoutorando em direito na Universidade de Yale (EUA). Professor da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas (FGV DIREITO RIO) - Doutorando em direito na Christian-Albrechts-Universität zu Kiel (Alemanha)
Páginas6-50
Direito, Estado e Sociedade n.38 p. 6 a 50 jan/jun 2011
O argumento das “capacidades
institucionais” entre a banalidade,
a redundância e o absurdo
Diego Werneck Arguelhes *
Fernando Leal **
1) Apresentação
A expressão “capacidades institucionais” tem sido cada vez mais
usada como recurso argumentativo no debate constitucional brasileiro
para orientar e criticar escolhas do Poder Judiciário entre diferentes
cursos de decisão, bem como entre teorias sobre interpretação jurídica e
de posturas alternativas diante das outras instituições políticas1. Embora
os usos da expressão não tenham sido uniformes, é possível identif‌icar
dois grandes padrões. De um lado, a referência às “capacidades” de juízes
e tribunais pretende realçar as habilidades, recursos, condições e limi-
tações concretas dessas instituições no exercício da função jurisdicional.
Essas capacidades servem de base para se recomendar ou criticar a adoção
de posturas mais ou menos deferentes às decisões de outras instituições e
desta ou daquela teoria interpretativa ou concepção sobre como aplicar o
direito vigente. Em linhas gerais, a forma típica que o argumento parece
assumir nesses casos é a seguinte: uma dada teoria sobre a intepretação
* Doutorando em direito na Universidade de Yale (EUA). Professor da Escola de Direito do Rio de Janeiro
da Fundação Getulio Vargas (FGV DIREITO RIO). dwarguelhes@gmail.com
** Doutorando em direito na Christian-Albrechts-Universität zu Kiel (Alemanha). farleal@hotmail.com
1 Cf. exemplif‌icativamente Diego Werneck Arguelhes (2006); Fernando Leal (2006); Luís Fernando
Schuartz (2007, pp. 1 - 41); Daniel Sarmento (2008, pp. 311-322). Gustavo Binenbojm e André Rodrigues
Cyrino (2009, pp. 739-760); José Ribas Vieira; Margarida Lacombe Camargo; Alexandre Garrido da Silva
(2009, pp. 1-10); Luis Roberto Barroso (2010, pp. 3-41); André Rodrigues Cyrino (2009/2010).
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que foi empregada por um tribunal (ou teve seu uso defendido por ju-
ristas) faz sentido em um mundo ideal. Entretanto, quando transportada
para a realidade e generalizada para juízes de carne e osso, ela pode gerar
resultados perversos. Portanto, continuaria o argumento, não devemos
encorajar os juízes em um determinado arranjo institucional a adotá-la.
De outro lado, há autores que procuram enfatizar de forma mais
abrangente a dimensão “institucional” da expressão, analisando como o
exercício dessas capacidades se desenvolve em arranjos marcados pela
pluralidade de atores judiciais e não-judiciais, cada um com suas di-
ferentes capacidades, recursos e mecanismos para fazer escolhas – seja
entre decisões específ‌icas, seja entre decisões sobre como tomar decisões.
Por meio dessa análise comparativa das capacidades do Judiciário e da(s)
instituição(ões) possivelmente afetada(s) por suas decisões, busca-se de-
terminar os limites de atuação legítima das cortes em situações de efetiva
ou potencial tensão interinstitucional. Nesses casos, ainda que em linhas
muito gerais, pode-se perceber a seguinte estrutura geral do argumento:
é certo que o Judiciário pode dar alguma resposta para um dado con-
junto de questões que estejam sendo submetidas à apreciação judicial.
Contudo, quando comparamos os recursos e limitações do Judiciário
com os de outras instituições que poderiam fornecer suas próprias res-
postas ao tipo de problema em exame, constatamos que a performance
judicial deixa a desejar. Instituições como o Congresso, a Presidência da
República e as agências reguladoras – segue o argumento – estariam em
condições de oferecer, no geral, respostas melhores do que aquelas que
os juízes tenderiam a produzir. Nesse sentido, encontramos referências
às “capacidades institucionais” do Judiciário como justif‌icativa para a
adoção de uma postura mais autocontida ao atuar em áreas nas quais
há grande necessidade de expertise técnica ou de ponderação livre entre
múltiplas e complexas variáveis políticas2.
Em todas essas dimensões e contextos de aplicação na literatura na-
cional recente, porém, sejam elas mais interinstitucionais ou mais intrains-
titucionais, há um elemento em comum. É frequente a referência ao texto
“Interpretation and Institutions”, de Cass Sunstein e Adrian Vermeule,
como matriz básica do argumento baseado em capacidades institucionais3.
2 Ver, por exemplo, Binenbojm e Cyrino (2009).
3 Cass R. Sunstein e Adrian Vermeule (2003, pp. 885-951).
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O trabalho desses autores vem sendo enfatizado como fonte de elementos
importantes para se estruturar melhor o exercício da discricionariedade
judicial, na medida em que prescreve a incorporação de considerações
sobre os recursos e limitações de que uma dada instituição dispõe para
resolver os problemas que lhe são submetidos. Olhar para as capacidades
institucionais de juízes e tribunais aparece, sobre essas bases, como um
elemento útil ou até mesmo necessário para se discutir as múltiplas de-
cisões que estes atores precisam tomar sobre a sua própria forma de tomar
decisões. A titulo de exemplo, consideremos o recente recurso à noção
de “capacidades institucionais” por parte de um Ministro do Supremo
Tribunal Federal para ajudar a justif‌icar sua decisão no julgamento, em
2011, do chamado “Caso Cesare Battisti”. Em seu voto, o Ministro Luis
Fux af‌irmou:
[C]umpre def‌inir a quem compete exercer o juízo de valor sobre a exis-
tência, ou não, de perseguição política em face do referido extraditando.
Por se tratar de relação eminentemente internacional, o diálogo entre os
Estados requerente e requerido deve ser feito através das autoridades que
representam tais pessoas jurídicas de direito público externo. (...) Compete
ao Presidente da República, (...) apreciar o contexto político atual e as pos-
síveis perseguições contra o extraditando relativas ao presente (...). O Su-
premo Tribunal Federal, além de não dispor de competência constitucional
para proceder a semelhante exame, carece de capacidade institucional para
tanto. Aplicável, aqui, a noção de “institutional capacities”, cunhada por
Cass Sunstein e Adrian Vermeule (…) - o Judiciário não foi projetado cons-
titucionalmente para tomar decisões políticas na esfera internacional, ca-
bendo tal papel ao Presidente da República, eleito democraticamente e com
legitimidade para defender os interesses do Estado no exterior4.
São fortes sinais de crescimento da presença do discurso das capaci-
dades institucionais na pauta da comunidade jurídica nacional e, mais
especif‌icamente, do recurso ao trabalho de Sunstein e Vermeule. Entre-
tanto, apesar dessa e de outras cada mais vez mais frequentes referências
4 Petição Avulsa na Extradição n. 1085 / Reclamação n.11243. Voto do Ministro Luis Fux, p. 33. Dispo-
nível em http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ext1085LF.pdf. Acesso em 30 de Junho
de 2011.
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