Movimento de mulheres camponesas e a semeadura de novas perspectivas: os significados da (re)produção de sementes crioulas para as mulheres no oeste catarinense

AutorNilton Manoel Lacerda Adão - Valmir Luiz Stropasolas - Maria José Hötzel
CargoMestre em Agroecossistemas pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Geógrafo pela Universidade Federal do Rio Grande, (FURG). Professor da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) - Doutor em Ciências Humanas pelo Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Mestre...
Páginas160-198
DOI:10.5007/1807-1384.2011v8n2p160
MOVIMENTO DE MULHERES CAMPONESAS E A SEMEADURA DE NOVAS
PERSPECTIVAS: OS SIGNIFICADOS DA (RE)PRODUÇÃO DE SEMENTES
CRIOULAS PARA AS MULHERES NO OESTE CATARINENSE
THE PEASANT WOMEN MOVEMENT AND THE SEEDING OF NEW
PERSPECTIVES: THE MEANINGS OF (RE) PRODUCTION OF CREOLE SEEDS
FOR WOMEN IN THE WEST OF SANTA CATARINA
EL MOVIMIENTO ORGANIZADO DE MUJERES RURALES Y EL CULTIVO DE
NUEVAS PERSPECTIVAS: LOS SIGNIFICADOS DE LA (RE)PRODUCCIÓN DE
SEMILLAS NATIVAS POR LAS MUJERES EN EL OESTE DE SANTA CATARINA
Nilton Manoel Lacerda Adão
1
Valmir Luiz Stropasolas2
Maria José Hötzel3
RESUMO:
Este estudo trata das razões que motivam as mulheres organizadas no Movimento
das Mulheres Camponesas a buscarem o cultivo de sementes crioulas visando à
produção de alimentos. Para tanto, realizou-se uma análise centrada nas práticas e
percepções destas mulheres no que se refere à (re)produção e multiplicação de
sementes crioulas e sua possível contribuição para a produção de alimentos para o
autoconsumo de forma sustentável no município de Itá, região oeste de Santa
Catarina. Utilizou-se como técnica para a coleta de dados, entrevistas semi-
estruturadas e a observação não participante; a análise das informações
coletadas foi feita através de análise de conteúdo. Dentre as principais
constatações, destaca-se o fato das mulheres perceberem a importância do MMC
para impulsionar a participação nos espaços públicos e a valorização das suas
atividades cotidianas. Na horta as mulheres do movimento cultivam as variedades
crioulas que simbolizam as lutas pela soberania alimentar integrando a produção de
1 Mestre em Agroecossistemas pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Geógrafo pela
Universidade Federal do Rio Grande, (FURG). Professor da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).
E-mail: niltonadao@hotmail.com
2 Doutor em Ciências Humanas pelo Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências
Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Mestre em Sociologia Rural pela
Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Professor adjunto da UFSC, lotado no Departamento de
Zootecnia e Desenvolvimento Rural do Centro de Ciências Agrárias. E-m ail: valmir@cca.ufsc.br
3 Doutora em Ciência Animal pela The University of W estern Australia, Mestre em Ciências
Veterinárias pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS). Professora adjunta no
Departamento de Zootecnia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E -mail:
mjhotzel@gmail.com
Esta obra foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição 3.0 Não
Adaptada.
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alimentos mais saudáveis com a valorização do papel da mulher nos âmbitos familiar
e social .
Palavras-chave: Soberania Alimentar. Gênero. Agroecologia. Sementes Crioulas.
Movimento das Mulheres Camponesas.
ABSTRACT:
This study deals with the reasons that motivate the women of the Peasant Women
Movement (Movimento das Mulheres Camponesas - MMC) to produce food by
cultivation of creole seeds. An analysis was carried out to know the womens
practices and perceptions about the production and multiplication of the creole seeds
and its possible contribution to the food production in a sustainable way in the city of
Itá, in the west of Santa Catarina. Data were collected by semi-structured interviews
and non-participant observation, whereas the analysis of information collected was
done through content analysis. One of the most important findings was that women
realize the purpose of the MMC to drive their participation on the public spaces and
to value their daily activities. The cultivation of the creole seeds is a symbol of the
struggle for Food sovereignty, integrating the production of healthy food and the
valorization of the role of women in the family and social realms.
Keywords: Food Sovereignty. Gender. Agroecology. Creole Seeds. Movimento das
Mulheres Camponesas- MMC.(Movement of Peasant Women)
RESUMEN
Este estudio aborda las razones que motivan a las mujeres organizadas del
Movimiento de Mujeres Rurales (Movimento das Mulheres Camponesas - MMC) a
perseguir el cultivo de semillas nativas, objetivando la producción de alimentos. Para
ello, llevamos a cabo un análisis centrado en las prácticas y percepciones de estas
mujeres en lo que se refiere a la (re) producción y multiplicación de semillas nativas
y su posible contribución a la producción de alimentos para el consumo propio de
forma sostenible en la ciudad de Itá, localizada en la región al oeste de Santa
Catarina. Se utilizó como técnica de recolección de datos, entrevistas
semiestructuradas y observación no participante; mientras que el análisis de la
información recogida fue realizada a través de análisis de contenido. Entre las
principales conclusiones, se destaca el hecho de que las mujeres se dan cuenta de
la importancia del MMC para impulsar la participación en los espacios públicos y el
fortalecimiento de sus actividades diarias. En la huerta las mujeres del movimiento
cultivan las variedades nativas que simbolizan las luchas por la soberanía
alimentaria integrando la producción de alimentos más sanos con la valorización del
papel de la mujer en los ámbitos familiar y social.
Palabras clave: Soberanía alimentaria. Género. Agroecología. Semillas nativas.
Movimiento de las Mujeres Rurales (Movimento das Mulheres Camponesas - MMC).
INTRODUÇÃO
O Movimento das Mulheres Camponesas (MMC) classifica-se como um
movimento social, autônomo, camponês, de causa feminista e com vistas de
transformação. Nesse sentido, tem como desafio a valorização e o reconhecimento
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das mulheres como protagonistas de espaços decisórios, opondo-se aos padrões da
cultura patriarcal. Isso decorre do fato de ser atribuído culturalmente ao trabalho
feminino no campo o sinônimo de “ajuda”, que “sustenta, ainda hoje, a subordinação
feminina à esfera masculina” (STROPASOLAS, 2006, p.161). Na unidade familiar o
trabalho atribuído às mulheres muitas das vezes é classificado como “doméstico ou
de ajuda” no processo produtivo. Neste caso, apenas os homens são considerados
os responsáveis pela produção. Na compreensão de Paulilo (2004), o
distanciamento existente entre o trabalho produtivo e o não produtivo seria difícil de
visualizar quando não há separação entre unidade familiar e de produção, uma
característica da produção camponesa.
Para a valorização do trabalho feminino no campo, o MMC tem como missão a
“libertação das mulheres, a produção de alimentos saudáveis e a transformação da
sociedade.” Com esses princípios, desde 2002 o movimento desenvolve o
“Programa de Recuperação, Produção e Melhoramento de Sementes Crioulas”. As
sementes crioulas são assim denominadas por terem sido modificadas pela ação
humana no decorrer da história. O termo crioulo significa “criado” na região sul do
Brasil, sendo empregado também como sinônimo de antigo, de não-híbrido e de
não-transgênico. O termo também é usado também no sentido político-ideológico,
como uma afirmação da cultura e da resistência dos agricultores familiares (CANCI,
2006). Ressalta-se que o uso do termo sementes crioulas não se restringe às
sementes, sendo estendido para as raízes e tubérculos. Como exemplo, pode-se
citar a mandioca e a batata.
As sementes crioulas estão perdendo espaço para as variedades comerciais.
Questionando o modelo que estimula o cultivo de sementes comercializadas, o MMC
observa nas práticas com sementes crioulas a autonomia em relação ao mercado
convencional e a manutenção da agrobiodiversidade. Destaca também o resgate de
práticas sustentáveis de produção, respeitando a biodiversidade local.
Assim, este estudo visa analisar a identificação das mulheres com esse
programa, para compreender qual é o sentido das práticas vinculadas às sementes
crioulas em relação à soberania alimentar. O conceito de soberania alimentar é
empregado pelos movimentos sociais com o objetivo de que cada povo desenvolva
uma política alimentar e agrícola própria. De acordo com Souza (2005), a soberania
alimentar está relacionada ao cultivo de alimentos de boa qualidade, culturalmente

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