Os caminhos do São Francisco se embaralham numa rede que não está pra peixe: o nacional se reproduzindo no local ou 'tudo farinha do mesmo saco

AutorMagnólia Azevedo Said
Páginas27-30
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OS CAMINHOS DO SÃO FRANCISCO SE EMBARALHAM NUMA REDE QUE NÃO ESTÁ PRA
PEIXE: O nacional se reproduzindo no local ou "Tudo f arinha do mesmo saco"
Magnólia Azevedo Said
27/2/2007
O governo do Estado do Ceará recebeu sua cota de merecimento pós-eleição no recente
Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, lançado com o estardalhaço que governos
populistas costumam fazer quando decidem anunciar mudanças para nada mudar e se aproveitar
de medidas de impacto midiático para inserir aqueles projetos que isoladamente têm causado
desconforto às hostes governamentais, pelas manifestações de resistência e crítica que
encerram, tanto de setores representativos dos poderes da República, como de setores da
sociedade civil. Foi o mesmo com o Avança Brasil, do presidente Fernando Henrique Cardoso.
Os casos das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau no Rio Madeira e da transposição do
São Francisco, ambas com a vertente das Parcerias Público-Privado (PPPs), são exemplares.
Esses projetos fazem parte de uma visão de desenvolvimento regional que se pretende
consolidar através de megaprojetos de infra-estrutura, que têm impactos negativos diretos e
indiretos nas populações locais e no meio ambiente. O complexo do rio Madeira que compreende,
além das hidrelétricas citadas, duas outras vinculadas à Bolívia e uma hidrovia, se constitui no
maior e mais caro projeto que compõe a grade de 31 projetos do Plano de Integração da
Infra-estrutura Regional da América do Sul (IIRSA), com financiamento do BNDES, Corporação
Andina de Fomento (CAF) e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), inicialmente, e o
envolvimento das já conhecidas empreiteiras Odebrecht e Queiroz Galvão, dentre outras.
Existe todo um movimento de resistência na região amazônica, envolvendo técnicos de
Universidades, cientistas e movimentos sociais que atestam que os impactos serão irreversíveis,
tanto para as populações como para o meio ambiente, posto que além de obrigar o deslocamento
de milhões de pessoas, deverá alterar permanentemente o ciclo hidrológico e a integridade
biológica da bacia amazônica.
A transposição do São Francisco se insere na mesma lógica: um processo de integração
desintegradora, onde se fortalece e se amplia o poder das transnacionais aqui instaladas, o
agronegócio, as grandes empreiteiras e as elites favorecidas pela infra-estrutura disponibilizada
nos projetos que compõem a transposição. É esse o modelo de desenvolvimento pensado para o
Ceará e, de resto, para o Nordeste: complexo Portuário do Pecém, Canal da Integração,
Siderúrgica Ceará Stell, Transnordestina. Os prejudicados serão os mesmos — assim como são
as mesmas as empreiteiras que se beneficiam desse “negócio”. Os bancos multilaterais e o
BNDES também participam do financiamento dessas obras, que serão agraciadas com o maior
volume de recursos das ações de infra-estrutura descritas no PAC, evidência explícita da
prioridade que o segundo governo Lula dará aos investimentos produtivos e à infra-estrutura. E
nesse sentido, a transposição surge com bastante força. Estão previstos R$ 6,6 bilhões para a
transposição no período de 2007 a 2010, de um total de R$ 12,6 bilhões
A distância entre a retórica governista e a realidade é vista em diferentes momentos.
Primeiro, no calote dado pelo governo às organizações da sociedade civil quando abre um
processo de diálogo ano passado, para discutir a transposição do São Francisco e sua
revitalização no contexto de um projeto de desenvolvimento sustentável para o Nordeste. Na
prática, contudo, incorpora a transposição como prioridade de recursos no PAC e já acena com o
início das obras pelo Exército, após ter ganho de presente de Natal, do Ministro do Supremo
Tribunal Federal, Sepúlveda Pertence, uma decisão suspendendo as liminares concedidas pela
Justiça contra a transposição. Ministro este que almeja cair “nas graças” do Presidente para,
quem sabe, alçar vôos mais altos na estrutura de poder. Contando com a prática do fato
consumado e de que a sociedade civil em geral, não tem o devido cuidado no entendimento de
como se dão os processos na institucionalidade, o governo usa a decisão em seu benefício,
fazendo pouco caso de um “detalhe jurídico”: a decisão do Ministro é unilateral e intermediária;
ela não julga o mérito, portanto, pode ser modificada. Mas o fato gera reação em cadeia, ou seja,
imediatamente o Ministro da Integração anuncia o início das obras e desqualifica as razões que
levam a que Bahia e Sergipe sejam contra a transposição, tratando-as como arranjos políticos
que serão resolvidos, tendo agora o governo da Bahia como aliado do Presidente Lula.

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