Caminhabilidade nas cidades brasileiras: muito além das calçadas

AutorRicky Ribeiro - Marcos de Sousa
Páginas171-188
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CAMINHABILIDADE NAS CIDADES BRASILEIRAS:
MUITO ALÉM DAS CALÇADAS
RICKY RIBEIRO
MARCOS DE SOUSA
Caminhar é a primeira coisa que um bebê deseja fazer e a última coisa à qual
uma pessoa deseja renunciar. Caminhar é um exercício que não necessita um
ginásio. É uma medicação sem remédio, o controle de peso sem dieta e o cosmé-
tico que não se pode encontrar nas farmácias. É um tranquilizante sem drágeas,
a terapia sem psicanalista e o lazer que não nos custa um centavo. De mais a
mais, não contamina, consome poucos recursos naturais e é altamente eficiente.
Caminhar é conveniente, não necessita equipamento especial, é autorregulável e
intrinsecamente seguro. Caminhar é tão natural como respirar.
John Butcher, fundador da organização Walk211
O QUE É CAMINHABILIDADE
Caminhabilidade – do inglês, walkability – é uma qualidade aplicável a
espaços públicos, bairros e cidades inteiras e que define o quão convidativo
esses lugares podem ser para circular a pé, ou de cadeiras de rodas, no
caso de pessoas com deficiência. Ambientes construídos que promovam e
facilitem o deslocamento a pé às lojas, trabalho, escola, hospitais, equipa-
mentos e serviços são melhores lugares para viver, têm valores imobiliários
mais altos, promovem estilos de vida mais saudáveis e alcançam níveis
mais elevados de coesão social.
Por que caminhar? O especialista Roberto Ghidini reúne dez pontos que
podem explicar e justificar o investimento público na infraestrutura para
pedestres (GHIDINI, 2010):
1. somos todos pedestres em deslocamentos obrigatórios ou à passeio;
2. ruas com a presença de pessoas tornam-se mais seguras;
3. muitos são obrigados a caminhar, outros escolhem fazê-lo;
1 Cf.: WALK21. Disponível em: .walk21.com>. Acesso em: 18 ago. 2017.
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4. é barato;
5. é bom para os negócios (comércio, turismo, etc.);
6. qualquer outro modo de deslocamento exige caminhar;
7. é bom para o meio ambiente;
8. pode reduzir a demanda de infraestruturas de transporte;
9. pode melhorar a saúde das pessoas;
10. melhora a qualidade de vida: independência, sociabilidade, etc.
Em geral, uma área de boa caminhabilidade oferece certas condições
e características comuns: calçadas largas e em boas condições, bancos,
boa iluminação, rotas fáceis, comércio interessante, prédios e serviços, e
um tráfego de veículos de baixa agressividade, que ofereça segurança aos
pedestres, especialmente crianças e pessoas com mobilidade reduzida.
Também se pode incluir a limpeza urbana, a qualidade do ar que se respira
ao caminhar, o nível de ruído da rua e o paisagismo e a arborização que
proteja contra o excesso de calor.
Avaliar a caminhabilidade de uma rua, um bairro, ou de uma cidade é o
primeiro passo para transformar esse ambiente. A ideia de medir a cami-
nhabilidade de um lugar surgiu na cidade de Otawa, Canadá, em 1992, em
função de um problema tributário. Após um forte aumento de impostos
sobre os imóveis, os moradores de alguns bairros passaram a questionar
a majoração, que consideravam desproporcional ao valor de mercado de
suas propriedades. Alguns deles argumentavam que faziam quase todos
os seus deslocamentos a pé e que, portanto, não se sentiam responsáveis
por manter a infraestrutura das ruas para automóveis.
Nesse contexto, o empresário e ambientalista Chris Bradshaw (1993),
que já se interessava pela ideia da mobilidade a pé, tomou a iniciativa de
criar uma metodologia para avaliar a condição para caminhar, ou cami-
nhabilidade, que poderia ser um bom argumento de negociação entre a
comunidade e as autoridades. A metodologia permitiu a criação de um
escore, uma classificação dos bairros e ruas em função do maior ou menor
conforto para quem caminha, e considerou que essa pontuação poderia
servir como balizador dos impostos municipais.
Mais tarde, depois da Conferência Eco 92, a ideia da mobilidade a pé
se mostrou uma excelente alternativa aos veículos motorizados e suas
emissões de carbono. Com melhores condições para caminhar as pessoas
seriam encorajadas a deixar seus carros em casa para fazer trajetos de um
a três quilômetros, com impactos positivos no trânsito, na poluição e no

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