Caipiras e sertanejos: raça e nacionalidade em Euclides da Cunha e Monteiro Lobato

AutorJosé Wellington Souza
CargoDoutor em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais na Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil E-mail: josewcso@gmail.com.
Páginas57-74
R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.16, n.2, p.57-74 Mai-Ago 2019
ISSN 1807-1384 : https://doi.org/10.5007/1807-1384.2019v16n2p57
Artigo recebido em: 16.09.2017 Revisado em: 31.01.2019 Aceito em: 03.03.2019
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CAIPIRAS E SERTANEJOS: RAÇA E NACIONALIDADE EM EUCLIDES DA
CUNHA E MONTEIRO LOBATO
José Wellington Souza1
Resumo:
Pretendo analisar os usos de tipos humanos na formação de termos, como “raça
nacional”, cristalizados em dois tipos literários presentes na literatura nacional,
pensados como tipos humanos raciais muito caros ao imaginário do pensamento
social. Para isso, tomo o Sertanejo de Euclides da Cunha e o Jeca Tatu de Monteiro
Lobato. É notória a contribuição dos termos literários e biológicos elencados por
Euclides, em Os Sertões, sobre a constituição da primeira fase da obra de Lobato,
especialmente em Urupês e Cidades Mortas, na sua figura do caipira, ambos
concorrentes a modelo de homem brasileiro.
Palavras chave: Nacionalidade. Sertões. Sertanejos. Caipiras. Raça.
CAIPIRAS AND SERTANEJOS: RACE AND NATIONALITY IN EUCLIDES DA
CUNHA AND MONTEIRO LOBATO
Abstract:
This paper aims to review the uses of human types in the conception of certain
terms, for instance “national race”, which are enshrined into two literary types in the
Brazilian national literature. They are conceived as racial human types that are highly
considered by the social common sense. To achieve this goal, the followin are taken:
Sertanejo by Euclides da Cunha and Jeca Tatu by Monteiro Lobato. By listing literary
and biological terms in Os Sertões, Euclides’s contribution is notorious on the
constitution of the image of the caipira during the first stage of Lobato’s work,
especially in Urupês and Cidades Mortas. Both conceptions try to best portray the
Brazilian man stereotype.
Keywords: Nationality. Sertões. Sertanejos. Caipiras. Race.
CAIPIRAS Y SERTANEJOS: RAZA Y NACIONALIDAD EN EUCLIDES DA CUNHA
Y MONTEIRO LOBATO.
Resumen:
Mi intención es analizar los usos de tipos humanos en la conformación de términos,
como “raza nacional”, cristalizados en dos tipos literarios presentes en la literatura
nacional, pensados como tipos humanos raciales muy significativos para el
imaginario del pensamiento social. Para ello tomo el libro Sertanejo de Euclides da
Cunha y el personaje Jeca Tatu de Monteiro Lobato. Es notoria la contribución de los
términos literarios y biológicos establecidos por Euclides en Os Sertões, para la
constitución de la primera fase de la obra de Lobato, especialmente
1 Doutor em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais na Universidade
Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil E-mail: josewcso@gmail.com
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en Urupês y Cidades Mortas, y en relación a la figura del hombre de campo, ambas
aspirantes a constituirse como modelo de hombre brasilero.
Palabras Clave: Nacionalidad. Sertões. Sertanejos. Caipiras. Raza.
1 INTRODUÇÃO
As ficções que sustentam o ideário de Estado Nacional Moderno sempre
estiveram de mãos dadas com a crença em uma raça nacional, fundadora ou
conquistadora, e portadora por suposto direito hereditário sobre determinado
território arbitrariamente marcado e determinado como nacional, da mesma forma
que determinava uma determinada raça e uma cultura que eram, ao mesmo tempo,
raciais e nacionais. É o que nos apresenta Ernest Cassirer, em O Mito do Estado
(1976), especialmente quando trata da constituição de tal mito ao longo do século
XX. Neste sentido, o autor parte do culto do Herói de Carlyle, para chegar às teorias
de desigualdades raciais de Gobineau e, por fim, à teoria da “Raça Totalitária”
(CASSIRER, 1976, p. 207-267).
A ligação entre raça e nacionalidade também é abordada pelo historiador
Leon Poliakov, em seu livro “O Mito Ariano: Ensaios sobre as fontes do racismo e
dos nacionalismos” (1974). Buscando a gênese do mito ariano, Poliakov descreve o
processo de produção das “nacionalidades” e das “raças nacionais” nos principais
países da Europa Ocidental, e relata o longo processo de produção e valorização do
termo raça, desde sua forma teológica, quando na Europa pré-carolíngia, o
Arcebispo Isidoro de Sevilha procurou estabelecer vínculos de parentesco entre os
nativos iberos da Espanha e os invasores visigodos, fazendo uso da genealogia
bíblica de Noé, ligando os espanhóis à linhagem de Tubal e os visigodos à linhagem
de Marog, filhos de Jafé, primogênito de Noé (POLIAKOV, 1974, p. 07), até chegar
às concepções modernas do racialismo científico do darwinismo social e a ligação
deste com a fundação dos estados nacionais modernos.
Neste contexto, não é de se espantar que a problemática racial, ligada a
questão nacional, tenha se expandido para os trópicos, especialmente para o Brasil
no início do período Pós-Império quando, junto dos ideais republicanos, se importou
a necessidade de estabelecer uma raça nacional. É o que afirma, em certo sentido,
Thomas E. Skidmore (1976) ao demonstrar os anseios da elite brasileira, na virada
do século XIX, em definir um povo para o país, preferencialmente um que não fosse
negro ou mestiço, tipos tão estigmatizados pelas teorias científicas da época.
Acompanhando o raciocínio de Skidmore, Lilia Moritz Schwarcz (1995) afirma que,

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