Cadeias produtivas e a defesa dos direitos humanos dos trabalhadores

AutorCarlos Eduardo de Azevedo Lima
Páginas40-67

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Introdução

O tema alusivo ao desrespeito aos Direitos Humanos tem se inserido na pauta de discussões da sociedade já há algum tempo, mormente após o período posterior à Segunda Guerra Mundial, com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU) e todas as discussões que tem se seguido em relação à temática ao longo das últimas décadas, em alguns momentos com maior ou menor ênfase, mas sempre sendo objeto de debate no cenário internacional.

Interessante observar, contudo, que, nada obstante o trabalho faça parte do cotidiano das pessoas em todo o mundo, bem como levando em consideração ser já reconhecido que a dignidade constitui o próprio fundamento dos Direitos Humanos, nas discussões relativas a tão importante

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temática não se costuma dar a ênfase que seria de se esperar ao ser humano considerado em sua condição de trabalhador, mormente no que tange ao imprescindível respeito da dignidade humana nas relações de trabalho.

De fato, é muito comum observarmos, na imprensa mundial e em discussões de cúpula envolvendo as relações internacionais, referências ao desrespeito aos Direitos Humanos de imigrantes, refugiados de guerra, vítimas de grandes catástrofes naturais, povos oprimidos por seus patrícios ou por governos e/ou outros grupos estrangeiros, entre outras questões não menos preocupantes e relevantes. Mas, apesar de se reconhecer tal relevância, não há, por outro lado, como se olvidar que o desrespeito à dignidade de trabalhadores não pode ser tratado como algo invisível, mormente por ocorrer cotidianamente, e no mundo inteiro, o que implica, indiscutivelmente, na necessidade de inúmeras medidas tanto protetivas quanto sancionadoras, repressoras e reparadoras.

O presente trabalho tem por escopo abordar justamente o tema dos Direitos Humanos dos trabalhadores, buscando demonstrar a realidade que se constata de graves afrontas a tais direitos no âmbito da seara trabalhista. Buscar-se-á demonstrar, também, os malefícios ocasionados por tais práticas, inclusive apresentando considerações mais detalhadas acerca da precarização das relações laborais verificada em cadeia ou em rede.

Discorrer-se-á, ademais, a respeito do papel do ordenamento jurídico trabalhista na defesa e na promoção dos Direitos Humanos dos trabalhadores, o qual tem extrema valia para a ampliação da efetividade das medidas a serem adotadas com o desiderato de garantir a dignidade das pessoas em suas relações laborais.

Desse modo, além de delinearmos o cenário hodiernamente constatado, de tantas afrontas aos direitos trabalhistas - inclusive com a apresentação e tramitação cada vez mais frequente de proposições legislativas de caráter nitidamente precarizante - buscaremos apresentar alternativas para otimizar a atuação no combate à precarização das relações de trabalho.

Neste sentido, abordaremos de forma mais detalhada a questão alusiva às cadeias produtivas, o que se insere no escopo de se buscar dar máxima eficácia às providências a serem adotadas com o intuito de dar concretude ao resguardo dos Direitos Humanos na seara trabalhista, mediante a responsabilização, justamente como decorrência do desrespeito aos referidos direitos, dos elos que integram tais cadeias de produção.

Ainda acerca do tema da responsabilização das cadeias produtivas, buscaremos contextualizar o estudo da matéria tratando, também, de algumas experiências constatadas ao longo dos últimos tempos em âmbito

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global envolvendo a questão relativa às empresas em geral e às grandes corporações de maneira especial no que concerne à temática dos Direitos Humanos.

Espera-se, com esses apontamentos, contribuir de algum modo para que avancemos, cada vez mais, na utilização prática de ferramentas que impliquem numa maior efetividade da atuação voltada para a defesa da dignidade humana nas relações de trabalho.

1. O ordenamento jurídico laboral e seu imprescindível papel na defesa e na promoção dos direitos humanos na seara trabalhista

A realidade hodierna tem se mostrado extremamente pródiga nos ataques aos direitos laborais e aos Direitos Humanos dos trabalhadores, conforme se tem constatado nas mais variadas searas.

Não são poucas as hipóteses de trabalhadores submetidos a condições análogas às de escravo, numa perversa rede de superexploração do labor humano absolutamente inadmissível em pleno século XXI e perante um mundo pretensamente civilizado. Não são menos vergonhosos os casos de crianças e adolescentes tendo suas respectivas forças de trabalho exploradas precocemente, fazendo com que se perpetue todo um círculo vicioso de falta de adequada formação e, por conseguinte, de falta de acesso a postos de trabalho com maior capacitação e remuneração mais adequada, perpetuando, em síntese, a miséria e a falta de oportunidades.

O mesmo se diga em relação à observância nada rara de condições de trabalho extremamente precárias, sem mínimo respeito à saúde e à segurança laborais, com meio ambientes de trabalho que levam ao adoecimento e a acidentes, muitas vezes fatais, o que inverte a lógica contida até em máximas populares segundo as quais o trabalho deve ser um "meio de vida", não se concebendo transformar-se num meio de adoecer, acidentar--se e até mesmo de morrer como consequência das atividades laborais.

Rotineiras, também, as constatações de fraudes trabalhistas as mais diversas, utilizadas como modo de reduzir artificial e ilicitamente os direitos dos trabalhadores e, assim, retirando-lhes até mesmo a possibilidade, no plano fático, de percepção daquilo que o ordenamento jurídico lhes assegura.

Tornando ainda mais preocupante essa realidade, são frequentes as constatações de pessoas sendo vítimas das mais diversas formas de discriminação nas relações laborais, seja por questão de género, de raça,

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de orientação sexual ou mesmo ideológica, por serem deficientes físicas sem que lhes seja oportunizada colocação no mercado de trabalho, entre outras não menos reprováveis supostas "razões".

Nesta mesma toada, são corriqueiros os atos antissindicais que se pratica como forma de inviabilizar a luta por conquista de direitos e de melhores condições de trabalho. Assim, também, as irregularidades em suas mais variadas formas, enfim, constatadas nos mais diversos segmentos económicos e setores, inclusive no âmbito da administração pública, no setor portuário e aquaviário, entre inúmeros outros exemplos que poderiam ser aqui referidos.

Esta é a realidade, pois, ante a qual se depara o trabalhador hodier-namente, com cada vez mais graves e flagrantes afrontas aos seus direitos e, não raras vezes, a conquistas históricas. De fato, não tem sido outra a constatação cotidiana, inclusive envolvendo proposições legislativas de viés nítida e enfaticamente precarizante, as quais, sob a pretensa justificativa da redução de custos - seja a que custo for -, ignora direitos basilares já reconhecidos há décadas tanto no ordenamento pátrio quanto no âmbito internacional, os quais têm sido objeto de ameaças e afrontas cada vez mais frequentes.

Observa-se, portanto, ser grave e preocupante a situação verificada no que tange aos graves ataques que vêm sofrendo os direitos trabalhistas, o que se verifica tanto na prática cotidiana de desrespeito a princípios e normas basilares, como, por outro lado, numa ânsia legiferante voltada para a desconstrução de todo um arcabouço jurídico relacionado à defesa e à promoção dos direitos sociais.

Não há como se deixar de reconhecer, obviamente, que de pouco adianta ter direitos apenas sob o ponto de vista formal, sem que haja qualquer garantia de efetividade desses mesmos direitos, sem que eles tenham força para deixar as frias letras do papel e se materializar no mundo fático.

Isso é verdade, sem dúvida. Mas, também reconheçamos, chegar--se a um cenário em que até mesmo os direitos formais são suprimidos - e, ainda mais preocupante, mesmo antes de virem a ser efetivamente postos em prática de maneira adequada - ou, no mínimo, são alvos de ataques permanentes pelos atores que desempenham relevantes papéis na democracia representativa, torna tudo ainda mais grave.

Como destaca Hannah Arendt com propriedade, "a essência dos Direitos Humanos é o direito a ter direitos"2. Na mesma linha, Bobbio também se posiciona no sentido de que a grande questão não seria saber

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quais e quantos seriam esses direitos, nem tampouco discorrer sobre sua natureza e seu fundamento, mas, isto sim, qual seria o modo mais seguro para garanti-los, conferindo-se-lhes eficácia e efetividade, "para impedir que, apesar das declarações solenes, sejam continuamente violados"3.

Mas, ora, se ter direitos que não são dotados de concretude nem garantia de sua realização constitui inquestionável desrespeito ao imprescindível respeito a direitos universais como o são, via de regra, as normas que tratam de Direitos Humanos, ainda muito mais grave se mostra uma realidade em que até essa existência formal se busca fazer cessar.

Exatamente isso, contudo, o que se verifica a partir de discussões travadas de forma cada vez mais intensa no âmbito do Congresso Nacional, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal, numa incessante busca por imposição de retrocessos sociais. Utilizam-se os seus defensores - cujo número tem crescido vertiginosa e assustadoramente - do discurso fácil, e nem de longe verdadeiro, de que a retirada de direitos e garantias trabalhistas representaria aumento de produtividade das empresas, como se precarizar fosse sinónimo de modernizar.

Terceirização sem...

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