Origem, evolução e perspectivas da cadeia de produção vitivinícola no Município de Caxias do Sul

AutorHenry Paulo Dias
Páginas81-95

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1 Introdução

O tema proposto1 está fundamentado na necessidade de avaliar como as particularidades do processo imigratório havido em Caxias do Sul trouxeram o surgimento e conseqüente desenvolvimento de um setor econômico que até hoje mantém características de agregação de valor, e mostrar que sua evolução está fundamentada na existência de aspectos que ainda podem ser utilizados por toda a economia regional para fazer reflorescer a cadeia de produção vitivinícola, mantendo e fortalecendo este setor como pólo de atração municipal e regional.

Este trabalho faz uma análise da origem e evolução desta cadeia produtiva; dos equipamentos e serviços colocados à disposição da atividade pelo Setor Público e ressalta a importância da capacidade empreendedora dos primeiros empresários de Caxias do Sul, assim como a sensibilidade de atingirPage 82 mercados a partir de excedentes criados na economia primária da então colônia, posteriormente município e toda região. Procura demonstrar, ainda, como a força de iniciativas cooperativistas marcou a evolução do setor e como o constante acompanhamento do setor público auxiliou a evolução quantitativa e qualitativa da cadeia produtiva.

Dá importância aos padrões de colonização utilizados na região desde 1875, e em Caxias do Sul a partir de 1876, com a criação de propriedades unifamiliares, constituídas por extensão reduzida. Também dá realce à sensibilidade tida pelos colonizadores, de criar um centro urbano na área chamada de Campo dos Bugres, que originou o aglomerado urbano que funcionava como ponto de referência das colônias ao seu redor, no qual os imigrantes e primeiros moradores mantinham-se em constante contato e onde aconteciam as trocas comerciais, oportunizando a comercialização de excedentes e a conseqüente geração de renda e poupança.

A evolução do setor no município de Caxias do Sul é marcada pela constituição de empresas que podem ser consideradas de grande porte tanto para a época quanto para os tempos atuais, com capacidade de atendimento à demanda nacional e internacional. Estas empresas, muitas já extintas, deixaram apenas partes de instalações físicas, instalações estas, que dada a sua estrutura e dimensões são utilizadas para os mais diversos fins, servindo à comunidade de várias maneiras. Num passado mais recente, pela evolução de pequenas vinícolas familiares oriundas de famílias que permaneceram nas zonas rurais e que a partir da qualificação de seus membros; da melhora genética na produção de uvas viníferas2, aliada a uma atualização tecnológica na elaboração de vinhos, fizeram nascer um ramo de atividade que possui grande potencial para uma agregação de valor, capitalizando a tradição e fazendo com que esta tradição possa ser utilizada na oferta de novos serviços geradores de renda e riqueza, a partir da hospedagem, cursos especializados e aproveitamento da potencialidades locais para a prática do enoturismo (VALDUGA, 2007) onde se incluem o comércio de vinho e derivados de uva, além de outros produtos oriundos da agroindústria familiar, elaborados nas próprias propriedades rurais.

2 Origem e evolução da cadeia produtiva vitivinícola no Município de Caxias do Sul

Ao analisar a origem da cadeia produtiva vitivinícola de Caxias do Sul (e da região), evidencia-se a constatação de que a política de ocupação do solo da Serra Gaúcha e a criação de um sistema de colonização que abrigasse as famíliasPage 83 de imigrantes italianos vindas para a região, fundado em divisão de propriedades de dimensões geográficas relativamente pequenas, diferenciava-se bastante da maneira através da qual havia sido feita a colonização e ocupação do Rio Grande do Sul até aquele momento, com exceção das regiões de colonização alemã (GIRON, 1977) e (LAGEMANN, 1998).

Ainda, Lagemann (1998) registra a formação do primeiro núcleo de colonos italianos em Nova Milano em 1875 e a criação ainda naquele ano dos núcleos de Conde D’Eu (Garibaldi) e Dona Isabel (Bento Gonçalves). Caxias do Sul foi fundada em 1876. (LAGEMANN, 1998). Baseada nas mesmas fontes, Giron (1977) registra que a data comemorativa do centenário de Caxias do Sul está errada, tendo sido comemorada em 1975 quando a data correta do centenário é o ano de 1976.

A divisão dos lotes, demonstrada por Giron (1977), tendo como fonte o Mapa Estatístico da Colônia Caxias, demonstra que as áreas vendidas, na sua maioria, eram com dimensões de até trinta e cinco hectares, pois 1.427 lotes vendidos, de um total de 1.610, constantes do Mapa Estatístico acima citado, possuíam as dimensões acima destacadas.

Se para os padrões da ocupação havida até o século XVIII no Rio Grande do Sul, estes lotes eram pequenos, para os padrões da Itália já naquela época eram razoáveis e permitiam aos imigrantes manter-se produzindo na modalidade que chama até hoje de agricultura de subsistência. O que para o primeiro momento parecia apenas mudança de um problema, com o passar dos anos acabou sendo uma vantagem, pois manteve a comunidade agregada e permitiu que se fortalecesse a sede urbana, propiciando o florescimento das atividades comerciais, industriais e de serviços.

Este florescimento auxiliou a consolidação do que viria a se chamar de cadeia produtiva da uva e do vinho. (TRICHES, SIMAN e CALDART, 2004). Uma cadeia produtiva pode ser entendida como “uma segmentação longitudinal, sendo cada etapa do processo produtivo representada por uma empresa ou conjunto delas.” (TRICHES, SIMAN e CALDART, p.3)

Sendo o início da colonização de Caxias em 1876, é lícito deduzir que mesmo tendo trazido as primeiras mudas de videiras da Itália, os imigrantes não puderam plantá-las no primeiro momento provavelmente por uma questão de época ou pela necessidade de desmatamento e preparação do solo. Também havia a preocupação com o abrigo e segurança, aspectos que precisavam ser atendidos nos primeiros momentos.

Assim, mesmo que o plantio das mudas de uvas viníferas trazidas da Itália tenha ocorrido em 1876, na modalidade de plantio direto ou pé-franco3, a produção de uvas só pode ter iniciado a partir de 1877, com apenas uma parte de sua capacidade produtiva, dado à especificidade desta cultura, que necessitaPage 84 de pelo menos três anos para produzir com plena capacidade. Logo, a plena capacidade produtiva só poderia ter sido atingida a partir do terceiro ou quarto ano do plantio. Tal situação, no entanto, não deve ter ocorrido, pois devido a condições climáticas adversas, propícias ao surgimento de pragas e moléstias e devido à elevada acidez do solo, a produção de castas européias foi abandonada, sendo substituída pela produção de uvas americanas, a partir de enxertia, logo nos primeiros anos. Estas variedades americanas foram adquiridas de colonos alemães e açorianos, radicados no pé da Serra e ao longo de vales próximos.

Vale registrar que a cultura da videira foi sendo paulatinamente abandonada em outras regiões, e se fortalecendo na região da serra, de colonização italiana. Como a produção de uvas americanas e híbridas é bastante volumosa em termos de quilos por hectare, logo começaram a surgir excedentes que precisavam ou poderiam ser comercializados.

Levando-se em consideração que Caxias já estava consolidando seu processo de urbanização, baseado na criação planejada de uma sede na região central do loteamento das áreas rurais, esta comercialização de excedentes foi extremamente favorecida. Iniciou-se naquele momento a geração de renda a partir das trocas e em função do isolamento da região, que carecia de meios de comunicação com o exterior e da pouca disponibilidade de bens e serviços, iniciou-se um processo de acumulação baseado na poupança havida a partir daquela comercialização.

Conforme relato de Machado (2001), a população da Colônia Caxias passou de 3.849 habitantes em 1878, “para cerca de 35 mil habitantes” em 1925. Os dados são imprecisos. “Segundo o Álbum Comemorativo do Cinqüentenário da Imigração, a população seria de 28 mil habitantes, sendo que na cidade viviam 6.500 habitantes e na zona rural cerca de 21.000. Havia na zona urbana 1.428 casas e na zona rural 2.653”, relatado por Giron e Bergamaschi (2001), citando a publicação Cinqüentenário della colonizzazione nello Stato del Rio Grande del Sud:1875-1925.4

Este crescimento populacional, tanto na zona urbana quanto na zona rural, levou a um aumento da produção agrícola e industrial, consolidando dentro dos paradigmas da época, a formação de uma cadeia de produção agroindustrial, pois o centro urbano vai se tornando mais complexo e isto leva ao surgimento de oportunidades em todos os setores da atividade econômica, consolidando o comércio, que passa a ser o grande determinante de acumulação capitalista além de desenvolver um subsetor de serviços, o que confirma a idéia de que muitos imigrantes italianos chegados a Caxias não eram agricultores e sim profissionais de outras áreas.

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O comércio entre a colônia e a sede também fica mais complexo e surgem interesses conflitantes, e já no final do século...

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