Para cada Constituição, um juízo de inconstitucionalidade

AutorVantuil Abdala
Páginas331-333

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Logo depois da Constituição de 1988, expusemos ideia no sentido de que não mais encontrava validade jurídica disposição legal que validava contrato para a prestação de horas extras em caráter permanente.

Instigados pelos coordenadores dessa obra - que mere-cidamente homenageia a jurista Dra. Gabriela Neves Delgado - resolvemos insistir na ideia.

Animou-nos, ainda, lição da Ministra Cármen Lúcia no sentido de que "Mudanças sociais podem deflagrar modificações constitucionais materiais porque: a) a interpretação que advém de uma imposição das circunstâncias havidas socialmente assim o determinam e o texto possibilita uma nova visão e aplicação dos termos postos na norma (interpretação normativa); b) porque os órgãos competentes para o exercício da jurisdição constitucional captam e aplicam uma nova inteligência da norma segundo o que se apreende da dinâmica sócio-política (decisões judiciais); ou c) porque mudanças formais em alguma norma constitucional, que não precisamente aquela interpretada, impõem o repensamento e a modificação do contexto normativo, alterando-se, assim, por extensão o significado e a aplicação daquel’outra "1.

Mesmo porque, como assevera Jorge Miranda, "para cada Constituição um juízo de inconstitucionalidade; e, para várias e sucessivas épocas, vários e sucessivos juízos"2.

Por isso, agora retomamos a ideia já exposta, como se segue.

Reconhece-se genericamente que a limitação da jornada de trabalho atende a fundamentos de natureza biológica, de caráter social e de índole econômica.

A luta por uma jornada de trabalho mais humana se confunde com a própria história do direito do trabalho, na qual ombrearam-se sociólogos, economistas, juristas, biólogos, teólogos etc. ...

Os médicos sustentaram que as jornadas extensas envelheciam prematuramente o homem e degeneravam a raça. Os sociólogos fizeram notar que os trabalhadores gastavam o dia na fábrica, no trajeto ao trabalho, em refeições precipitadas e em dormir, de tal sorte que a vida familiar era impossível. E os educadores e os professores explicaram que as jornadas longas condenavam os homens a uma vida animal, porque nunca dispunham de tempo para assomarem-se ao saber 3.

Na Rerum Novarum, já se pedia que o "trabalho de cada dia não se estendesse mais horas das que permitam as forças".

Além dos argumentos filantrópicos e morais no que concerne à limitação da duração do trabalho, se têm em conta os benefícios econômicos que podem aparecer como estímulo do progresso técnico assim como a melhora do rendimento e a produtividade da mão de obra em qualidade e quantidade4.

Ademais, recorda-se com Amaro Barreto que as jornadas extenuantes "oportunizam, com mais freqüência os acidentes do trabalho, pelo fraquejamento das energias, queda da atenção, diminuição dos movimentos etc. ...5.

De outra parte, ilusória é a ideia de que o serviço extraordinário propiciava um rendimento maior ao trabalhador, pois, em decorrência da superioridade da oferta em relação à demanda de trabalho, "os salários foram sempre apenas a soma de dinheiro indispensável para que o trabalhador pudesse viver e recuperar suas energias, soma que era a mesma se a atividade era de oito, dez, doze ou quatorze horas, pelo que aumentar o tempo de jornada significa pagar o mesmo salário e receber maior serviço"6.

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Por isso que, consideradas durante muito tempo como obstáculo ao desenvolvimento econômico, "a limitação da jornada de trabalho deve ser considerada hoje como um meio privilegiado...

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