Cabimento nos Termos do Artigo 530 do Código de Processo Civil

AutorLuiz Henrique Sormani Barbugiani
Ocupação do AutorMestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP)
Páginas35-72

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2. 1 Hipóteses de Cabimento do Artigo 530 do CPC

Os embargos infringentes por serem considerados um recurso típico, previsto expressamente no inciso III do artigo 496 do diploma processual, a eles se aplicam as normas gerais de teoria geral dos recursos do capítulo I do título X do Código de Processo Civil no que couber, não sendo a pretensão dessa pesquisa esmiuçar esse tema que é comum a todas as espécies recursais, restringindo-se somente a analisar as hipóteses de cabimento desse peculiar instrumento recursal.

Essa situação é facilmente constatável, como já salientou José Carlos de Barbosa MOREIRA, ao declarar que:

“(...). Nenhuma peculiaridade ocorre no que concerne a legitimação, ao interesse em recorrer, à inexistência de fatos impeditivos ou extintivos; aplica-se aqui o que foi dito, genericamente,

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para os recursos (supra, § 16, nº II, 1). Se exigível o preparo, incide o art. 511, caput e § 2º.”1(destaques no original)

A literalidade do artigo 530 do diploma processual, ao expressar que “cabem embargos infringentes quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto da divergência”, deve ser considerada pelo intérprete, contudo, como será visto no decorrer desse estudo, existem situações em que a doutrina e jurisprudência admitem a interposição desse recurso mesmo sem que a decisão se encaixe propriamente no mandamento legal.

Sandro Marcelo KOZIKOSKI apregoa diante da nova redação do dispositivo que:

“(...), os embargos infringentes podem ser manejados quando o acórdão houver reformado a sentença ou procedente a rescisória (sendo incabíveis, no caso de decisão confirmatória), devendo cuidar-se ainda de decisão meritória (ficam excluídos da impugnação por meio dos embargos infringentes, os acórdãos substitutivos de sentenças terminativas ou processuais).”2(destaques no original)

Além disso, como de maneira perspicaz enuncia Ernane Fidélis dos SANTOS, deve-se considerar que:

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“o nome com que se qualifica a decisão, seja pela sentença anterior, seja pelo acórdão, é indiferente, competindo ao relator dos embargos ou ao órgão competente para estes dizer se, no julgamento contestado, está-se decidindo sobre o próprio pedido, ou sobre matéria de processo ou ação admitindo ou não a propriedade dos mesmos.”3Na redação anterior à Lei n. 10.352/2001, o dispositivo legal preconizava que “cabem embargos infringentes quando não for unânime o julgado proferido em apelação e em ação rescisória”, diante disso verifica-se que, atualmente, a interposição dos embargos infringentes encontra-se restrita à apelação que reforma sentença de mérito proferida em primeiro grau e à decisão proferida em ação rescisória que tiver sido pronunciada pela procedência dos pedidos do autor, desde que haja voto vencido, enquanto antes tal instrumento impugnativo era possível em qualquer decisão não-unânime em sede de apelação e ação rescisória.

Marcelo NEGRI constata que a reforma inseriu o que denomina de “dupla conformidade4obstativa do recur-

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so”5, concluindo que “a nova redação passa a descrever o não-cabimento dos embargos infringentes de decisão que confirma o julgamento atacado em apelação ou de natureza rescisória.”6Sérgio SHIMURA, analisando a situação, especifica que:

“se o acórdão for no mesmo sentido da sentença, já não se permitem os embargos infringentes. Portanto, havendo dupla conformidade, ou seja, mera repetição de decisões no mesmo sentido, elimina-se agora a possibilidade dos embargos infringentes.”7(destaque no original)

Quanto ao termo “reforma” constante no artigo 530 do Código de Processo Civil grande parte da doutrina tem reconhecido que se restringe à decisão que, ao analisar o mérito,8

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modifica uma anterior sentença ou decisão também de mérito, contudo Sérgio SHIMURA pondera que o designativo envolve da mesma forma a anulação ou cassação da decisão:

Malgrado a literalidade do art. 530, CPC, que alude à “reforma”, parece-nos que a nova exigência é de que haja apelação contra sentença de mérito, pouco importando se o acórdão venha a anular ou reformar a decisão hostilizada.

A intenção, cremos, foi de permitir o uso dos embargos infringentes quando a sentença houver julgado o mérito da ação e o recurso de apelação tiver ultrapassado o juízo de admissibilidade (juízo de mérito recursal).

No caso, se o tribunal houver conhecido o recurso e adentrado ao exame do mérito recursal, temos por satisfeito o requisito pretendido pelo legislador, sendo despicienda a distinção entre anulação ou reforma da sentença. Em outras palavras,

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a reforma alberga duas situações invalidação e substituição da sentença.9(destaques no original)

Ernane Fidélis dos SANTOS ressalva que, diante das modificações implementadas, torna-se impraticável a admissão do recurso quando a dissidência envolver as condições da ação ou demais questões processuais ao expressar que:

“quanto ao campo de abrangência dos embargos infringentes, se, anteriormente abarcavam qualquer ordem de matéria, limitaram-se, agora, tanto na apelação quanto na rescisória, ao mérito do acórdão. Assim, nas questões processuais e de condições da ação, irrelevante, ainda que expostos no corpo da apelação ou da rescisória, a divergência sobre aqueles.”10

A doutrina defende o cabimento dos embargos infringentes em virtude de um equilíbrio entre as manifestações dos juízos de primeiro e segundo grau associado ao denominado “princípio da desconformidade ou não-conformidade”, que se consubstancia na modificação da decisão anterior por dois votos, enquanto o voto minoritário estaria, em tese, ocasionando um nivelamento com a decisão monocrática de primeira instância, ensejando nova manifestação, a fim de se atingir uma maior segurança jurídica, sendo salutar a reprodução do entendimento de Sandro Marcelo KOZIKOSKI:

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Deve ser observado, assim, que, se o acórdão, por maioria de votos, confirmou a sentença monocrática (proferindo decisão substitutiva da anterior), alinharam-se, hipoteticamente, três juízes em torno de um mesmo entendimento para o caso concreto (o juiz monocrático e os dois juízes prolatores dos votos vencedores no âmbito do órgão colegiado), justificando, portanto, a desnecessidade dos embargos infringentes. Contudo, se o acórdão, ainda por maioria, reformou a sentença, tem-se dois juízes assumindo uma determinada posição (subscritores da posição vence-dora) e dois outros (o juiz singular e o juiz prolator do voto vencido) encampando posição oposta, o que denotaria o cabimento dos embargos infringentes. Na rescisória, os embargos infringentes são admissíveis quando a maioria dos juízes entender pela sua procedência, com a desconstituição da sentença de mérito.

Sendo assim, a doutrina vem sustentando o princípio da desconformidade em matéria de embargos infringentes; pode-se cogitar da seguinte regra: sempre que o tribunal anuir com a conclusão exarada pelo juízo monocrático (ainda que diferindo quanto aos fundamentos sufragados), resta excluída a utilização dos embargos infringentes.11(destaques no original)

Essa ideia de empate técnico foi externada de maneira vigorosa por Marcelo NEGRI, que se amolda perfeitamente às considerações apresentadas acima, como se percebe do seguinte trecho transcrito:

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Note-se que, no caso dos embargos infringentes, tecnicamente se vislumbra um empate na decisão. É com base nesse empate que se pode insurgir o recorrente. Isto porque, embora em um primeiro momento o voto vencido não prevaleça, pela letra da lei possibilita-se um meio impugnativo da decisão colegiada com base no voto divergente, que presume-se coincidir, por sua vez, com a decisão exarada na sentença a quo objeto do recurso, totalizando igualmente dois órgãos judicantes com o mesmo posicionamento diante da demanda – os embargos infringentes visam, justamente, superar esse “empate”, sendo o pedido fulcrado na prevalência da conclusão do voto divergente.12

José Carlos Barbosa MOREIRA admite com coerência a aplicação dos embargos infringentes em situações de apelação em face de sentença de mérito, mesmo que se trate de procedimento previsto em leis especiais13, bem como na procedência do pedido no juízo rescisório e/ou rescindendo:

1. De acordo com o disposto no art. 530 (em princípio, aplicável inclusive a processos regidos por leis especiais), cabem embargos infringentes contra acórdãos não unânimes, isto é, proferidos por maioria de votos, no julgamento: a) de apelação (não de agravo retido nos autos, julgado preliminarmente a esta), interposta contra sentença de mérito e provida, para reformar a sentença;

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b) de ação rescisória, em que se julgue procedente o pe-dido, no iudicium rescindem ou, se a ele se chega, no iudicium rescissorium (ou em ambos).14(negrito e destaques no original)

Araken de ASSIS, dentro do mesmo raciocínio, alerta que:

“(...) a divergência verificada na procedência da rescisória, quer no iudicium rescindens, quer no iudicium rescissorium, autoriza a interposição dos embargos pelo réu, em relação a uma dessas etapas ou a ambas.”15(destaques no original)

Ernane Fidélis dos SANTOS, por sua vez, reconhece tão-somente no juízo rescisório da ação rescisória a viabilidade de interposição dos embargos infringentes:

Os embargos infringentes têm cabimento contra acórdão de apelação ou de ação rescisória. No caso de apelação, são admissíveis quando o julgamento não for unânime e proferido em sentido contrário ao da sentença de mérito; na rescisória também se fundamentam em voto vencido e em julgamento de mérito, mas apenas quando o pedido houver sido julgado procedente, isto é, no mérito, no iudicium rescisorium foi a decisão proferida em sentido contrário ao do acórdão ou da sentença...

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