O cabimento de lege lata da ação coletiva passiva no Brasil

AutorGustavo Viegas Marcondes
Ocupação do AutorBacharel em Direito pela Universidade Estadual Paulista (UNESP)
Páginas81-91

A despeito do desenvolvimento prático e teórico que a ação coletiva passiva já foi capaz de acumular, sobretudo na Inglaterra e nos Estados Unidos da América, no Brasil, ainda persiste o questionamento acerca de seu cabimento de lege lata, bem como, de seus contornos. Todavia, conforme acima apontamos, impulsionada, sobretudo, pelo fortalecimento da corrente de pensamento jurídico que propugna uma maior atividade judicial no controle in concreto da representatividade adequada, a admissibilidade da ação coletiva passiva tem se mostrado crescente no Brasil, particularmente na doutrina e na jurisprudência.

Há, claro, posicionamentos – os mais respeitáveis – em sentido oposto. Clayton Maranhão, por exemplo, não admite o cabimento da ação coletiva passiva no Direito positivo brasileiro, entendendo não ser possível o manejo de qualquer modalidade de ação coletiva que não tenha por objetivo a tutela de interesses transindividuais.

Portanto, a previsão isolada do parágrafo segundo do artigo 5º da LACP “não é”, por si só, suficiente a que se tenha como cabível a “ação coletiva” passiva no direito positivo brasileiro, “assim entendida aquela que veicule pedido imediato de natureza declaratória contra um interesse difuso ou coletivo”, isto é, uma ação coletiva “inversa” proposta pelo poluidor contra os entes exponenciais.1

Desde logo se percebe que o entendimento abraçado pelo supracitado autor toma por premissa fundamental uma concepção metodológica acerca do Processo Civil coletivo diferente daquela encampada neste trabalho, e tal circunstância repercute decisivamente no juízo de admissibilidade da ação coletiva passiva. Na medida em que se consideram coletivas apenas aquelas demandas que tenham por objeto um pleito de natureza transindividual, naturalmente, somente serão consideradas coletivas as demandas nas quais o grupo ocupe o polo ativo da demanda. Segundo essa perspectiva, o sistema jurídico não possibilita a dedução de pretensão individual em face do grupo.2

Por outro lado, quando se toma por coletivas todas e quaisquer ações – inclusive aquelas afetas à jurisdição constitucional – em que as “extremidades do procedimento” se apresentam amplificadas, conforme acima já apontado, abrem-se amplas possibilidades para que não se vede o cabimento das demandas cujo polo passivo seja ocupado pelo grupo.

Vale frisar que a definição de todos os contornos da ação coletiva passiva é tarefa que deve ser relegada à doutrina e à jurisprudência, tratando-se nesse ponto apenas da admissibilidade do instrumento, genericamente considerada.

Veja-se, a propósito, que Clayton Maranhão não se coloca aprioristicamente contrário à utilidade (e ao próprio cabimento) da ação coletiva passiva, em casos específicos, que segundo seu entendimento, possam significar um conflito mutuamente coletivo. Entende, entretanto, que essa modalidade de ação somente teria cabimento em processos bilateralmente coletivos, e sempre para a veiculação, também por meio dela, de uma pretensão fundada em interesse transindividual.

Não descartamos o cabimento eventual da defendant class action em outras hipóteses, das quais se pode tirar como exemplo o aforamento de ação coletiva inibitória em face de ente representante de fornecedores de determinado produto ou serviço, objetivando a não aplicação de cláusula contratual geral, que contenha critério abusivo de reajuste, em futuros contratos de adesão.

Portanto, identificamos como útil e adequada a ação coletiva passiva naqueles casos – clássicos, diga-se de passagem – em que haja intensa conflituosidade interna, vale dizer, entre os dois grupos envolvidos, quando então haverá de ser tomada uma escolha política entre um dos interesses coletivamente organizados (ex. a desapropriação de uma área para a construção de um aeroporto supersônico e os interesses dos moradores; a instalação de uma indústria metalúrgica, gerando empregos e impostos e os interesses dos moradores, e assim por diante.3

Malgrado o respeito à posição encampada pelo citado autor, parece-nos que as hipóteses por ele admitidas de cabimento da ação coletiva passiva não seriam, propriamente, ações coletivas passivas, mas sim hipóteses mais próximas de litisconsórcio passivo multitudinário, uma vez que a identificação dos eventuais integrantes do grupo réu, como no caso do exemplo citado, seria quase que imediata.

A indeterminabilidade do sujeito, característica inerente ao Processo Civil coletivo, ficaria comprometida segundo essa posição.

Conquanto afirme não se filiar a essa corrente de pensamento jurídico, Ronaldo Lima dos Santos, citando Ricardo Barros Leonel, Pedro da Silva Dinamarco e Hugo Nigro Mazzilli, traz o posicionamento de processualistas de escol, cujo entendimento, da mesma forma, não reconhece o manejo de ação coletiva em face do grupo. Por outro lado, em prol da admissibilidade de tal instrumento de tutela jurisdicional coletiva, cita diversos outros autores, dentre os quais cumpre destacar Ada Pellegrini Grinover, Rodolfo de Camargo Mancuso e Pedro Lenza.

Sem embargo das posições negativistas, adotamos entendimento pela possibilidade da presença do grupo, por seu representante, no pólo passivo de uma demanda coletiva, com base nas disposições normativas das ações coletivas e em diversas hipóteses fáticas da presença do grupo em juízo no pólo passivo de uma demanda coletiva.

Além dos argumentos levantados por Ada Pellegrini Grinover a respeito da possibilidade legal de o grupo participar como litisconsorte de quaisquer das partes – passiva ou ativa - , prevista no § 2º do art. 5º da Lei 7.347/85, e da faculdade de contrair obrigações a seus representados por meio das Convenções Coletivas de Consumo, situamo-nos nas experiências do processo trabalhista, nas quais, há muito, o grupo pode figurar no polo passivo de uma ação coletiva – dissídio coletivo – cuja decisão abrange a todos da categoria, indistintamente, sem maiores discussões processuais. Além disso, a experiência mundial, em diversos ordenamentos jurídicos, dos acordos e convenções coletivas, demonstra a ampla capacidade de atuação dos enti esponenziali para a tutela da classe representada, situação equivalente à possibilidade da fixação de convenção coletiva de consumo pelos representantes dos grupos, que atuam como...

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