Bullying, Violência de 'Gente Grande

AutorRodrigo Felberg; Caroline Matos
Páginas335-341

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1. Introdução

A despeito da recente onda de discussão e da atenção que tem sido dispensada aos atos abarcados pela expressão bullying, na última década, trata-se de um assunto que já é objeto generalizado de estudo desde os anos 1990, com ênfase na Europa, dada a constatação, à época, de uma crescente onda de violência entre os jovens em idade escolar.

Destarte, essa espécie de violência psicológica ou física integra o cotidiano há muito tempo e afeta as mais diversas classes sociais, posições econômicas e diferentes níveis culturais. É, de fato, uma questão social, e assim precisa ser analisada para que seja possível traçar políticas efetivas de prevenção e repressão.

Não se ignora, por certo, que introduzir a incidência do bullying é especialmente maior, mais evidente entre crianças e adolescentes, notadamente em ambiente escolar. A este respeito, é possível apontarmos dados emblemáticos:

(1) Pesquisa feita pelo IBGE em 2012 — PENSE 2012 — constatou que 20,8% dos estudantes de ensino fundamental admitem praticar bullying e 7,2% dizem já ter sido vítima de bullying1;

(2) No Reino Unido, metade dos suicídios entre crianças e adolescentes tem relação com bullying, e o número de tentativas de suicídios neste contexto chega a ser 100 vezes maior2;

(3) Em Los Angeles, pesquisas apontam que 28% dos alunos entre 6 e 12 anos sofrem algum tipo de bullying dentre estes, 30% foram perpetrados dentro das salas de aula. Ainda, constatou-se que 1 em cada 10 estudantes troca de escola por causa do bullying3;

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(4) No Estados Unidos, foi constatado um aumento de 50% no índice de suicídios entre crianças de 10 a 14 anos4.

Por aqui, um dos casos de maior repercussão na mídia brasileira aconteceu em 2011, no Rio de Janeiro, bairro do Realengo, quando o jovem W. M.
O., de 23 anos, adentrou na Escola Municipal Tasso da Silveira e atirou em vários alunos, matando 12 e ferindo outros estudantes com idade entre 12 e 14 anos. Ele cometeu suicídio, na sequência. Segundo vídeo divulgado pelo próprio agressor, tudo se deu em razão do bullying que sofreu quando era aluno na aludida instituição de ensino.

Este é apenas um exemplo de muitos que serve como demonstração clara de que o bullying, apesar de, na maior parte das vezes, dar-se na idade escolar, acaba por estender seus efeitos por toda a vida adulta da vítima, reforçando inseguranças e dificultando o seu relacionamento social. Em casos mais graves, pode desencadear desvios psicológicos, como neuroses, psicoses e depressão, o que explica os atos de violência em massa e suicídios.

Além disso, ainda que não venhamos a constatar efeitos duradouros na vítima humilhada, a prática de bullying, frequentemente, acabará por tangenciar as descrições tipológicas de lesões corporais, injúrias, difamações, tortura, racismo, dentre outras.

Portanto justifica-se uma breve análise da adequação penal das condutas que caracterizam o bullying, especificamente dentro das previsões do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069, de 13 de junho de 1990), bem como estabelecer o que tem sido discutido do ponto de vista legislativo para prevenção e repressão desta prática.

2. Conceito de bullying

Inicialmente, convém delimitarmos no que consiste o bullying, as suas formas e os ambientes em que frequentemente se desenvolve.

O termo bullying ganhou considerável destaque com o professor norueguês Dan Olweus, da

Clemson University5, um estudioso no assunto. Segundo ele, que estuda o tema desde os anos 1990, o comportamento agressivo e negativo, os atos executados repetidamente e o desequilíbrio de poder entre as partes são as características basilares do fenômeno.

Por sua vez, as psicólogas Telma Vinha e Mônica Valentim, da UNICAMP — Universidade de Campinas, apontam quatro características essenciais do bullying: (1) intenção de humilhar; (2) reiteração da agressão; (3) presença de público espectador; e
(4) submissão da vítima6.

Podemos considerar, pois, o bullying como uma prática repetitiva, de viés estigmatizante e intolerante, consistente em ofender e/ou humilhar a vítima, impingindo-lhe certa condição de suposta inferioridade. Pode ser praticado por vários meios, dentre os quais a violência física ou psicológica.

Para a distinção do bullying é importante a compreensão de que este não se caracteriza por uma mera discussão isolada, um desentendimento pontual, ainda que haja troca de ofensas pessoais, baseadas em características físicas, por exemplo. Isso porque, em essência, a prática de bullying tem uma conotação de relativa contumácia.

E por que a repetição integra o próprio “DNA” desta prática cruel? Porque as características que “justificam” a prática discriminatória não são, em regra, passíveis de extirpação imediata por parte das vítimas. Aquela criança que vem sendo humilhada porque está acima do peso ou porque tem dificuldade de relacionamentos ou aprendizado, por exemplo, não consegue, em regra, resolver tais questões de plano. Aliás, aos olhos do agressor, talvez jamais venha a fazê-lo, e, ainda assim, é possível que as humilhações não cessem, sendo apenas transferidas para outros elementos discriminatórios. Além disso, os ofendidos não costumam deixar, imediatamente, o grupo que as vitimizam, vez que este faz parte de seu convívio diário. Por outro lado, as causas do bullying encontram-se no agressor, e não na vítima.

Segundo Dan Olweus, o bullying pode aparecer em dois meios:

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(1) Bullying Direto: é a forma mais comum, traduz-se na intimidação ou violência praticada contra a vítima, por meio de palavras, gestos, expressões faciais e contato físico;

(2) Bullying Indireto: constitui a prática de isolamento da vítima, afastando-a da convivência normal do grupo social em que se insere. Um dos meios é a perpetração de boatos constrangedores, com intuito de difamar a vítima, por exemplo7.

Com o avanço da inclusão digital e a ampla difusão das redes sociais, surgiu o chamado cyber-bullying, que se constitui na prática de quaisquer das formas acima descritas, desde que por meio da rede mundial de computadores.

O cyberbullying merece especial atenção. A quantidade de jovens em idade escolar conectados e com uso intensivo das redes sociais é significativa. Segundo a ONG Safernet — em parceria com a operadora de telecomunicações GVT —, que entrevistou quase 3 mil jovens brasileiros de 9 a 23 anos, 62%...

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