Brutalidade da maioria e democracia constitucional: Reflexões sobre o Estatuto da Família e a PEC da Maioridade Penal

AutorAna Paula Oliveira Ávila
CargoDoutora em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2007).Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2001)
Páginas73-112
Rev. direitos fundam. democ., v. 22, n. 2, p. 73-112, mai./ago. 2017.
DOI: 10.25192/issn.1982-0496.rdfd.v22i2815
ISSN 1982-0496
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
BRUTALIDADE DA MAIORIA E DEMOCRACIA CONSTITUCIONAL:
Reflexões sobre o Estatuto da Família e a PEC da Maioridade Penal
BRUTALITY OF THE MAJORITY AND CONSTITUTIONAL DEMOCRACY:
Reflections on the “Family Statute” and the constitutional amendment proposal
(PEC) to reduce the legal age for criminal responsibility
Ana Paula Oliveira Ávila
Doutora em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2007).Mestre em
Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2001).Professora Titular de Direito
Constitucional dos Cursos de Graduação e Mestrado em Direito do UniRitter Porto Alegre
Resumo
Este trabalho propõe reflexões sobre as deliberações parlamentares em
dois projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional Brasileiro: o
Estatuto da Família e a PEC da Maioridade Penal. Propõe-se um
exame à luz de conceitos desenvolvidos na teoria política, de tirania e
brutalidade da maioria. Em uma análise fundada em pesquisa
qualitativa e exploratória e na técnica do estudo de casos, parte-se da
definição de brutalidade para o exame das técnicas de contenção,
presentes no desenho institucional adotado pelos estados e no discurso
dos direitos humanos e fundamentais. Com base neles, fixam-se os
parâmetros para a avaliação dos projetos legislativos em curso. Em
seguida, aprofunda-se o exame de uma das técnicas em particular o
controle judicial da atividade legislativa, expondo-se os aspectos mais
críticos em relação a esta atividade e sua contribuição para o exercício
legítimo e equilibrado da democracia. Nas conclusões, serão pontuadas
as inadequações substanciais do Estatuto da Família e da PEC da
Maioridade Penal e, com base na jurisprudência consolidada do STF,
revela-se o que se pode esperar do Tribunal caso seja provocado para
examinar as leis decorrentes da aprovação final desses projetos.
Palavras-chave: Brutalidade. Democracia. Decisões Majoritárias.
Revisão Judicial. Direitos Humanos.
ANA PAULA OLIVEIRA ÁVILA
74
Rev. direitos fundam. democ., v. 22, n. 2, p. 73-112, mai./ago. 2017.
Abstract
This article proposes some reflections about two bills under discussion
in the Brazilian Parliament: the “Family Statute” and the constitutional
amendment proposal (PEC) to reduce the legal age for criminal
responsibility. The article operates with two concepts developed in
political theory: the tyranny and the brutality of the majority. Based on
qualitative/exploratory research and legal case-study, it analyzes the
concept of brutality and the restraint techniques available in the
institutional design and in the human/fundamental rights theory, which
sets the parameters for the proper assessment of those bills pending
final approval. One technique in particular requires further exam the
judicial review, to expose critical aspects regarding the Courts role,
limits, and its contribution for a fair and legitimate democracy. In the
conclusion, and based on previous decisions of the Brazilian Supreme
Court (STF), the article points out the substantial inadequacy of both
legislative proposals and forecasts what can be expected from the Court
should these bills turn into statutes reviewed in the light of the Brazilian
Constitution.
Keywords: Brutality. Democracy. Majority Decisions. Judicial Review.
Human Rights.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
“The tyranny of the Legislature is really the danger most to
be feared, and will continue to be so for many years to
come.” (Alexis de Tocqueville, 1835)
Avançam no Congresso Nacional duas propostas legislativas de grande impacto
social: o Estatuto da Família e a chamada PEC da Maioridade Penal. O primeiro, PL n.
6.583/2013, foi aprovado pela comissão especial da Câmara dos Deputados (mas
ainda pende de recurso para que a matéria seja submetida ao Plenário) e em seu
ponto mais polêmico no art. 2o reduz a entidade familiar ao núcleo social formado a
partir da união de um homem e uma mulher”. O segundo, propondo a redução da
maioridade penal de dezoito para dezesseis anos (PEC 191/1993), já foi aprovado em
BRUTALIDADE DA MAIORIA E DEMOCRACIA CONSTITUCIONAL:...
75
Rev. direitos fundam. democ., v. 22, n. 2, p. 73-112, mai./ago. 2017.
dois turnos pela Câmara dos Deputados e agora aguarda a deliberação do Senado. Os
dois projetos seguem, em teoria, os trâmites democráticos constitucionalmente
previstos na Constituição e estão logrando as respectivas aprovações por votação
majoritária dos parlamentares diretamente eleitos pelo povo: no caso do Estatuto da
Família, por maioria simples dos votos; no caso da PEC da Maioridade Penal, por
maioria qualificada de 3/5. No aspecto formal, a deliberação majoritária implementa a
democracia.
O problema de pesquisa que motiva este estudo está em saber se o Legislativo é
soberano para impor à sociedade, de modo definitivo e legítimo, decisões formadas por
deliberação majoritária, ou se há limites à liberdade de conformação da maioria do
Parlamento. Verificando-se, como hipótese, o reconhecimento de limites, cumpre
investigar o que os fundamenta e qual a autoridade estatal encarregada de controlá-
los. No percurso da investigação, pretende-se expor a tensão que se estabelece entre
a maioria consolidada e as minorias vencidas quando o objeto da disputa envolve
direitos que devem ser reconhecidos a todos os indivíduos que pertencem à
sociedade, ou que estão protegidos em normas constitucionais fundamentais. Cuida-
se, de um lado, das condições para a legitimidade no exercício da democracia e, de
outro, do órgão constitucionalmente responsável por conter eventual arbitrariedade nas
decisões majoritárias. Daí a ideia de “brutalidade da maioria” que, depois de definida,
iluminará algumas reflexões sobre um segundo problema, que é responder se o
legislador é absolutamente livre para decidir as questões envolvidas nos dois projetos
legislativos mencionados, num caso restringindo o conceito de família ao núcleo social
formado por um homem e uma mulher (operando a exclusão dos núcleos formados a
partir de união homoafetiva), e noutro reduzindo a maioridade penal de dezoito para
dezesseis anos.
Na análise desses elementos, empregou-se a pesquisa qualitativa de natureza
exploratória, assim como a técnica do estudo de casos e o método hipotético-dedutivo.
O marco temporal e espacial do presente estudo é amplo, à medida que o conceito-
chave adotado para as reflexões propostas (o conceito de tirania) forma-se a partir das
observações registradas por um cientista francês (Alexis de Tocqueville), por volta de
1830, a respeito do desenvolvimento do sistema democrático norte-americano (A
Democracia nas Américas). Nesse longo período, a observação das implicações da
tirania durante a implementação das práticas democráticas (e da crescente pluralidade

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT