BRT Transoeste: urban conflicts and space contradictions within the attractive city/BRT Transoeste: conflitos urbanos e contradicoes espaciais na "cidade atrativa".

AutorMendes, Alexandre F.

Introducao

A estrategia de construcao da cidade atrativa no Rio de Janeiro e baseada, principalmente, na acolhida de megaeventos, que permitem realizar grandes investimentos em termos de projetos e de infraestruturas urbanas. Alem disso, adquirir o estatuto de "cidade olimpica" transformou-se numa vantagem disputada pelas cidades na busca de uma melhor insercao na competicao internacional das cidades, especialmente desde o "sucesso" do modelo urbano de Barcelona, ligado a organizacao das Olimpiadas de 1992. A cidade do Rio de Janeiro que contratou consultorias catalaes, desde os anos 1990, venceu finalmente as candidaturas da copa do Mundo 2014 e das Olimpiadas 2016 (2).

Este tipo de estrategia neoliberal de construcao, transformacao e gestao do espaco urbano e conjunta ao desenvolvimento do marketing urbano externo (dirigido ao exterior, turistas, investidores, etc.) e interno (dirigido a populacao local). A retorica dos poderes publicos, para justificar a organizacao de megaeventos e as transformacoes do espaco urbano que necessitam, baseia-se tradicionalmente nos beneficios em termos economicos e de infraestruturas urbanas. Porem, os beneficios economicos, raramente demostrados depois dos eventos, tem sido contestado em vasta literatura (3). Nos casos das Olimpiadas de Atenas (2004), Beijing (2008) e Londres (2012), as despesas reais em termos de investimentos foram tres vezes superiores ao valor previsto inicialmente.

Na literatura especializada em mega eventos, permeada por outras areas tal como geografia, planejamento urbano e direito, os impactos socioespaciais dos megaeventos sobre as populacoes locais das cidades-sede tem se tornado cada vez mais estudados. Os casos das Olimpiadas em Beijing (2008) e Atenas (2004) e da Copa do Mundo na Africa do Sul (2010) reforcaram a necessidade de pesquisar os impactos negativos e sociais dos megaeventos, para alem dos discursos oficiais (4). A questao da mobilidade e a questao da moradia sao dois elementos extremadamente importante no estudo das injusticas e violacoes de direitos experimentadas pelas populacoes locais, frequentemente as de baixa renda, com esse tipo de estrategia urbana.

No Rio de Janeiro, os projetos de transporte representam 55% dos investimentos oficiais da copa do Mundo (contra os estadios, com 37%, no segundo lugar) e 55% dos investimentos das Olimpiadas chamados "o legado" (5) (TCU, 2014; APO, 2014). Este contexto permite uma serie de investimentos em obras de transporte coletivo, nunca ocorrida na historia da cidade do Rio de Janeiro e levou os poderes publicos a falar de uma verdadeira "revolucao do transporte" (6). Este artigo, atraves do estudo de caso do BRT (Bus Rapid Transit) Transoeste nos contextos desta "revolucao do transporte" e da construcao da cidade atrativa.

Assim, o presente artigo esta divido em dois eixos principais: a) o primeiro, busca realizar uma contextualizacao do sistema BRT no quadro geral da "revolucao do transporte" anunciada pela Prefeitura do Rio de Janeiro. Nesse topico, o BRT Transoeste sera analisado para revelar as contradicoes existentes, em especial a situacao relacionada a seguranca, ao conforto e a reproducao de uma "hierarquia modal" que mantem o privilegio do transporte automobilistico; b) o segundo, traca uma relacao entre as formas de implantacao do novo sistema e reintroducao de uma politica oficial de remocao de favelas, iniciada a partir do ano de 2009. O BRT Transoeste volta a ser analisado, a partir do estudo de dois casos especificos de remocao integral de duas favelas da Zona Oeste: Restinga e Vila Harmonia.

Para o primeiro eixo (pontos 1 e 2), utilizamos uma triangulacao de dados e informacoes recolhidas atraves da metodologia qualitativa usada no trabalho de tese de Legroux (2016), isto e a) a aplicacao de entrevistas realizadas, por um lado, com os setores publicos e privados ligados a "revolucao do transporte" e, por outro lado, com familias removidas (ou em risco de remocoes) por conta dos projetos de transporte, dentre elas, tres comunidades (Restinga, Recreio 2 e Vila Harmonia) removidas pela implantacao do BRT Transoeste, b) repetidas idas ao campo, para a observacao das transformacoes em curso, e, c) utilizacao de dados oficiais.

No segundo momento do artigo (pontos 3 e 4), o retorno das politicas remocionistas e descrito atraves de (i) dados organizados pelo Comite Popular da Copa e Olimpiadas do Rio de Janeiro (7), atraves de uma serie de informacoes prestadas por orgaos publicos e instituicoes de defesa do direito a moradia adequada; (ii) pesquisas publicadas recentemente atraves de livros e artigos; c) noticias publicadas em jornal local (todas de 2009). Com relacao ao ponto 4, o estudo de caso foi realizado principalmente atraves do acervo do Nucleo de Terras e Habitacao da Defensoria Publica do Estado do Rio de Janeiro (8), onde constam: (i) termos de depoimentos de moradores removidos; (ii) cartas enviadas para autoridades publicas; (iii) documentos publicos relacionados as propostas de negociacao e aos valores de indenizacao; (iv) peticoes juridicas assinadas pela Defensoria Publica e pelo Municipio do Rio de Janeiro; (v) decisoes judiciais; (vi) atas de reuniao ocorridas no Nucleo de Terras e Habitacao e em comunidades atingidas. O material foi complementado atraves de relatorio de pesquisa do sociologo Alexandre Magalhaes, realizado atraves de entrevistas aos moradores removidos.

1) O contexto da "revolucao do transporte" no Rio de Janeiro.

A "revolucao do transporte", cujos principais projetos sao apresentados na tabela 1, nao compreendem apenas os investimentos oficiais dos megaeventos, mas tambem varios outros projetos que beneficiam da construcao da cidade atrativa. E o caso do teleferico do morro da Providencia, que se integra totalmente com a logica do Porto Maravilha, investimento ligado as Olimpiadas (9). Estes projetos seriam, no discurso oficial, capazes de reverter o quadro da crise da mobilidade, isto e, de proporcionar a populacao um sistema de transporte coletivo eficiente e de qualidade.

A "rede estruturante de BRT" constitui, segundo o discurso oficial, o alicerce da "revolucao do transporte" no Rio de Janeiro, com quatro linhas BRT totalizando mais de 150 km, que interligam os "clusters olimpicos", isto e o centro e a zona portuaria, Deodoro, Maracana e Barra da Tijuca. Assim, o BRT Transcarioca liga o aeroporto internacional com a Barra da Tijuca, o Transolimpica liga Deodoro a Barra da Tijuca, o Transoeste conecta Barra da Tijuca com a zona oeste (Campo Grande e Santa Cruz), e o Transbrasil liga Deodoro ao Centro do Rio.

A zona da Barra da Tijuca e particularmente beneficiada porque e destino de tres dos quatros BRTs e recebera tambem a linha 4 do metro. Para a regiao, a escolha do Rio de Janeiro como cidade-sede dos Jogos Olimpicos inaugura um novo ciclo que retoma a relacao entre a multiplicacao de empreendimentos imobiliarios/comerciais e uma nova onda de remocoes de favelas (ja vivenciada na decada de 1990). O pesquisador Renato Cosentino esclarece os dados relacionados aos investimentos:

Dos investimentos listados na Matriz de Responsabilidades, a regiao vai receber 85%, ou R$ 5.5 bilhoes, do total. Do montante de R$ 632,4 milhoes investido pela Prefeitura neste orcamento em 11 projetos, 95% dos recursos (nove projetos) tem o bairro como destino, em obras relacionadas ao Parque Olimpico e ao Parque dos Atletas (10).

Por outro lado, a valorizacao e criacao da centralidade da Barra da Tijuca e adjacencias e acompanhada de um movimento reverso de apropriacao fundiaria pelos pobres da cidade, produzindo uma zona de potencial conflito que constitui o pano de fundo para as remocoes ocorridas em razao da implantacao do BRT. Conforme demonstra o mapa abaixo, entre 2000 e 2010, o crescimento de habitantes em favelas foi de 53% contra 28% para habitantes de outras areas.

  1. Os impactos do BRT Transoeste: revolucao na politica de transporte ou reflexo das contradicoes da cidade atrativa?

    Tanto em termos de avancos reais na mobilidade dos habitantes no que diz respeito a qualidade e a capacidade do sistema, que em termos de impactos sobre a justica socioespacial do Rio de Janeiro, o caso do BRT Transoeste permite uma reflexao ampla sobre as contradicoes da cidade atrativa. O BRT Transoeste foi o primeiro BRT a entrar em operacao e foi inaugurado no dia 6 de junho de 2012 com a presenca de Eduardo Paes (prefeito da cidade do Rio de Janeiro), Sergio Cabral (o ex-governador do Estado do Rio) e Lula (ex-Presidente do Brasil)--representando simbolicamente a uniao dos tres governos entorno do projeto olimpico. Ligando Barra da Tijuca as zonas de populacao de baixa renda de Campo Grande e Santa Cruz, conta com um percurso de 56 quilometros e um custo de R$900 milhoes (SMTR, 2013). Alem disso, realizada uma extensao de seis 10 quilometros (R$ 92 milhoes) entre o terminal Alvorada e o terminal da nova linha 4 do metro, a estacao Jardim Oceanico

    Nos discursos oficiais o BRT e claramente reservado as classes de baixa renda das zonas de Santa Cruz e Campo Grande, que podem se deslocar economizando, oficialmente, 40% do tempo que antes gastavam. Numa entrevista com Alexandre Castro, diretor do CCO (Centro de Controle e de Operacoes do BRT Transoeste):

    Com relacao aos resultados em termos de mobilidade, o sistema transportava, em abril de 2015, 180.000 pessoas em pessimas condicoes de conforto (11). A superlotacao nos horarios picos aconteceu antes de atingir a meta de 220.000 passageiros por dia, e o problema e central dado que uma boa parte dos trajetos sao pendulares (casa/trabalho).

    O BRT Transoeste tambem apresentou problemas de seguranca: foi envolvido em 20 acidentes, dos quais 07 letais (12). Em janeiro de 2015, em apenas um dia foram registrados dois acidentes com 150 pessoas feridas. Em 2014 e 2015, quatro grandes protestos foram realizados para denunciar a situacao de superlotacao e inseguranca que passaram a fazer parte do cotidiano dos usuarios...

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