BRICS: um balanço crítico

AutorAna Elisa Saggioro Garcia
CargoDoutora em Relações Internacionais pelo IRI/ PUC-Rio e mestre em Ciência Política pela Universidade Livre de Berlim. Professora do Departamento de História e Relações Internacionais na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Coordenadora do Laboratório Interdisciplinar de Estudos de Relações Internacionais (LIERI/UFRRJ). ...
Páginas120-137
https://cadernosdoceas.ucsal.br/
Cadernos do CEAS, Salvador/Recife, n. 241, p. 374-391, mai./ago., 2017 | ISSN 2447-861X
BRICS: UM BALANÇO CRÍTICO
BRICS: a critical balance
Ana Elisa Saggioro Garcia
Doutora em Relações Internacionais pelo IRI/ PUC-
Rio e mestre em Ciência Política pela Universidade
Livre de Berlim. Professora do Departamento de
História e Relações Internacionais na Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
Coordenadora do Laboratório Interdisciplinar de
Estudos de Relações Internacionais (LIERI/UFRRJ).
Pesquisadora colaboradora do Instituto Políticas
Alternativas para o Cone Sul (PACS). Tem
experiência na área de Economia Política
Internacional, atuando nos seguintes temas: Teoria
Critica, Gramsci, hegemonia, imperialismo,
empresas multinacionais e relações Sul-Sul.
E-mail: anasaggioro@gmail.com
Informações do artigo
Recebido em 08/05/2017
Aceito em 23/05/2017
Resumo
Surgido a partir de conferências internacionais no
início deste século, os BRICS ganharam importância
política e econômica após a crise mundial de 2008,
quando passaram a ser vistos como um polo
alternativo a hegemonia dos EUA e da Europa. Neste
artigo, todavia se questiona o suposto papel contra
hegemônico dos BRICS. Em termos políticos, sua
agenda não vem sendo de confrontação, mas sim a
de reivindicar “um lugar à mesa” junto às potências
ocidentais. Enfim, buscam um lugar apropriado à sua
dimensão econômica nas instâncias de concerto
global. De todo modo, iniciativas como a de criação
do Novo Banco de Desenvolvimento e uma política
de cooperação internacional diferenciada
representam pontos de disputa entre os BRICS e os
polos de poder tradicionais. Mas isso está longe de
significar uma real alternativa para uma ordem
mundial mais justa. Além disso, entre os países
membros existem não só convergências. As próprias
relações entre os BRICS e deles com outros países do
Sul global se inserem num quadro mais amplo de
acumulação capitalista e respondem a uma lógica de
disputa por recursos naturais, acesso a mercados e
mão-de-obra barata. Por isso mesmo, um desafio
central continua sendo a articulação de lutas sociais
desde baixo: camponeses e trabalhadores/as que
enfrentam e resistem em seus territórios a gran des
projetos conduzidos por corporações dos países
BRICS e suas instituições financeiras.
Palavras-chave: Relações internacionais.
Geopolítica. Hegemonia mundial.
Desde quando falamos nos BRICS?
A constituição do agrupamento BRICS (sigla que se refere aos países membros: Brasil,
Rússia, Índia, China e África do Sul) se deu ao longo da década de 2000, após o acrônimo ser
inicialmente concebido pelo banco Goldman Sachs na identificação de mercados
promissores para a atuação de agentes econômicos e financeiros. Em 2003, duas outras
articulações relevantes pavimentaram o caminho para os BRICS: o IBAS - agrupamento entre
Índia, Brasil e África do Sul, com o foco na cooperação Sul-Sul e a reunião da Organização
Mundial do Comércio (OMC), em Cancu n, onde o Brasil, a Índia e outros países “em
desenvolvimento” se agruparam para pleitear melhores termos para o acesso aos mercados
agrícolas mundiais. Já em 2006, ocorreu a reunião entre Brasil, Índia, Rússia e China, nas
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margens da Assembleia Geral da ONU.
Porém, é com a crise finance ira global, iniciada nos EUA em 2008, que a discussão
sobre o papel dos BRICS ganha relevância. A crise despertou a ideia de que os países centrais
estariam perdendo poder na ordem mundial, e que a China, juntamente com outros países
com economias chamadas "emergentes", estariam desafiando a posição dominante dos EUA
e Europa, e indicando um novo polo de poder no futuro. A crise consolida o novo papel do
G20, com a cúpula de 2008 incluindo os chefes de Estado dos BRICS para negociar possíveis
saídas. No ano seguinte, em 2009, ocorreu a primeira cúpula dos BRICS na Rússia, sucedida
de cúpulas anuais que foram dando corpo e conteúdo ao agrupamento para além de uma
identificação de mercados. Portanto, com os países centrais em crise, os BRICS despertaram
a discussão sobre hegemonia, no início do século XXI, e por isso se tornaram relevantes.
Prashad (2013) afirma que a emergência dos BRICS como potências do Sul Global
precisa ser compreendida à luz de dois grandes projetos que a antecederam, um derrotado e
outro bem-sucedido. O projeto derrotado pode ser denominado, grosso modo, de Terceiro
Mundo. Ele tem seu início nos processos de descolonização e se institucionaliza no
Movimento dos Não-alinhados. Economicamente, o projeto se baseia nos programas de
substituição de importações (especialmente no âmbito da Conferência das Nações Unidas
sobre Comércio e Desenvolvimento - Unctad) e culturalmente, nas lutas contra as hierarquias
sociais e raciais. Nesse projeto se enquadra a criação de cartéis de produtores de commodities,
como a OPEP. Emergem aqui grandes ideias pós-coloniais, como o pan-africanismo. O
projeto do Terceiro Mundo começa a colapsar com as crises da dívida da década de 1980. As
negociações, que foram conduzidas, país por país, pelas elites locais e pelo Clube de Paris,
impossibilitaram qualquer ação coletiva dos países do Tercei ro Mundo, e facilitaram a
introdução de programas d e ajuste estrutural como condição para essa negociação
(PRASHAD, 2013). Podemos observar que esse ideário “terceiro-mundista” é resgatado por
muitos numa visão “romantizada” dos BRICS.
O projeto neoliberal, induzido pelos países centrais, foi bem sucedido. Ele significou,
grosso modo, um conjunto de programas e medidas políticas e econômicas que sustentaram
a ideia de um papel reduzido do Estado no mercado e na vida social em geral. O Estado
deveria cortar gastos sociais e privatizar serviços e ativos públicos. A ideia de “eficiência”
ajudou a dar uma roupagem técnica àquilo que era, na verdade, político e ideológico.
Empresas realocaram sua produção para d iversas partes do mundo, apoiadas em nova s

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