Breves notas sobre a audiência, sua evolução e previsão legal: das ordenações ao novo CPC/2015

AutorGisele Leite - Denise Heuseler
CargoMestre e doutora em Direito, Professora universitária - Advogada, Pós-graduada Lato Sensu em Direito Civil
Páginas167-198
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Revista Judiciária do Paraná – Ano XI – n. 11 – Maio 2016
Breves notas sobre a audiência, sua evolução e
previsão legal: das ordenações ao novo CPC/2015
Gisele Leite1
Mestre e doutora em Direito
Professora universitária
Denise Heuseler2
Advogada
Pós-graduada Lato Sensu em Direito Civil
Pequeno histórico
P    , verica-se que,
ao tempo das Ordenações, a audiência não se apresentava propriamen-
te como um ato processual, mas como ato ordenatório e coordenador
da atividade forense em geral. Signicava a sessão em que o juiz pesso-
almente ouvia as partes, por si ou por seus advogados e procuradores,
deferia seus requerimentos, proferia sua decisão sobre as questões de
fácil e pronta solução, e publicava suas sentenças, fossem interlocutó-
rias ou denitivas.
A audiência ordinária consistia num tempo durante o qual o juiz
cava à disposição dos litigantes para a prática de atos de natureza ad-
ministrativa, ouvindo requerimentos dos presos, as pessoas religiosas
e mulheres que estivessem presentes, em seguida os advogados e pro-
curadores, começando pelo mais antigo. O juiz realizava, assim, atos
processuais de maior relevância, em vários processos, recebendo dos
advogados os termos de recursos e protestos.
Todos os termos da audiência eram lançados nos respectivos livros
encadernados para os escrivães, depois em seus cartórios, os transcre-
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verem em seus respectivos feitos. E as Ordenações Portuguesas eram
expressas em que, “depois de acabar de ouvir a agente, que na audiência
estiver, não a levantaria o juiz, sem antes mandar perguntar pelo por-
teiro, em alta voz, se ainda alguém havia que quisesse requerer alguma
cousa” (Ord., Tít. 19, § 4º).
Pereira e Souza apud Carreira Alvim conceitua a audiência como
sendo o lugar no qual os juízes ouvem as partes por si, por seus ad-
vogados ou procuradores. Neste lugar é que as causas devem prosse-
guir os seus termos, sendo regulados pelos juízes que a elas presidem.
Decidem-se em audiência as questões de fácil expedição.
Já Othon Sidou arma que a audiência como “momento culmi-
nante da atividade jurisdicional” constituiu, e ainda constitui, o núcleo
do processo em todos os tempos: “os reis primitivos, depois os juízes
que passaram a exercitar a distribuição da justiça em nome do monar-
ca, o iudex e o pretor romanos, o vizir egípcio, o cádi muçulmano e o
Rachimbourg germânico sempre ouviram de viva voz as partes, antes de
fazerem ouvir seu julgamento.
No CPC de 1939, ao qual não se pode negar o crédito pela moderni-
zação da estrutura e dos conceitos básicos do processo civil brasileiro e
que substituíra a antiga concepção duelista pela ideia de o processo ser
instrumento público e dinâmico de atuação da lei, a audiência passou
a ser ato processual integrante de cada determinado processo, suprimi-
das as antigas audiências ordinárias, de evidente inutilidade, retratando
apenas um ritualismo superado e inócuo.
Assim, a audiência de instrução e julgamento tornou-se no CPC de
1939 um termo essencial do processo ordinário, não se podendo con-
ceber a sua preterição. É quando o processo vive a sua hora culminante,
porque é nela que o juiz entra em contato com as provas, ouve o debate
e pronuncia a sentença.
O código assegurou a importância da audiência inclusive nas causas
em que a pretensão das partes se fundamentasse em prova exclusiva-
mente documental, por possibilitar, mesmo em tais casos, não apenas
a realização do debate oral, como ainda, ser proferida logo a sentença,
bem como a uência do prazo para a interposição dos recursos, sem a
necessidade de novas intimações.
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O CPC de 1939 realmente adotou o sistema oral, apesar de manter
a função de documentação apresentando-se no simples caráter prepa-
ratório do debate oral, ou seja, a documentação contém o anúncio das
declarações que serão feitas em audiência.
Na lição de Chiovenda, as declarações juridicamente relevantes far-
-se-ão somente em audiência. Nesta, deve-se também conrmar oral-
mente as declarações anunciadas e escritas, mas pode-se modicar, re-
ticar ou abandoná-las e formular outras
não anunciadas. Usualmente a declaração
oral não faz mais que evocar as declara-
ções escritas, constituindo uma referência
a estas; não se entende, porém, olvidar as
alegações escritas ou simplesmente contra-
riá-las; se não é feita ou evocada oralmente
em audiência, perdem as declarações escri-
tas sua relevância original.
Todavia, o processo brasileiro conti-
nuou consagrando a regra de que as decla-
rações fundamentais das partes se contêm
na petição inicial e na contestação apre-
sentadas não com a função de meros escritos preparatórios, mas como
declarações de vontade em denitivo, traçando os lindes da pretensão
e da resistência.
O CPC de 1939 adotou o processo oral e suas regras da imediação,
que Chiovenda considerou a essência da oralidade, da concentração e
da identidade física do juiz, e regras que, aliadas à atividade dos litigan-
tes, realmente romperam em denitivo com os conceitos dominantes
no antigo processo, já irrecusavelmente superado, inapto a atender às
necessidades de ecácia da atuação jurisdicional em uma sociedade
econômica e culturalmente em franco processo de evolução.
Liebman, que teve certeira inuência no CPC de 1973, considerou
indispensável a audiência, posto ser inaceitável suprimir a oralidade,
ainda mais no sistema legislativo brasileiro, onde havia uma única audi-
ência, que era a de instrução e julgamento, destinada ao conhecimento
do mérito.
O código assegurou
a importância da
audiência inclusive
nas causas em
que a pretensão
das partes se
fundamentasse
em prova
exclusivamente
documental
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