Art. 285-A: Breves Notas sobre a Lei 11.277/2006 e algumas de suas consequências no Direito Processual Civil Brasileiro

AutorJacob Arnaldo Campos Farache; Marcelo Sant’Anna Vieira Gomes; Stephan Holanda Pandolfi
CargoGraduando do 6º período de Direito da Faculdade de Direito de Vitória – ES (Brasil)/Graduando do 6º período de Direito da Faculdade de Direito de Vitória – ES (Brasil)/Graduando do 6º período de Direito da Faculdade de Direito de Vitória – ES (Brasil)
Páginas180-210

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Introdução

A busca por mais racionalidade, celeridade e efetividade na tutela jurisdicional vem ensejando diversas reformas no ordenamento jurídico brasileiro. Tais motivações ensejaram uma série de reformas no Código de Processo Civil, a partir da década de 90. Mais recentemente, a Lei 11.277 de 07 de fevereiro de 2006 inseriu no Código de Processo Civil o art. 285-A com a seguinte redação:

Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.

§ 1o Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação.

§ 2o Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso.

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Na exposição de motivos da lei supramencionada, consta que a inclusão de tal dispositivo “faz-se necessária à alteração do sistema processual brasileiro com o escopo de conferir racionalidade e celeridade ao serviço de prestação jurisdicional, sem, contudo, ferir o direito ao contraditório e à ampla defesa”1. Malgrado as boas intenções, a doutrina vem debatendo o tema com opiniões das mais variadas. Há quem considere a sentença proferida com base neste artigo como emprestada2. Outros julgam que o artigo é materialmente inconstitucional3. Há, ainda, quem considere que o art. 330 do CPC (julgamento antecipado da lide) já traria um benefício muito mais concreto e expressivo aos julgamentos e, desse modo, os juízes prefeririam ser parcimoniosos ao lançar mão do art. 285-A4.

Enfim, um ponto já é consenso: o artigo é complexo e suas implicações merecem estudo e análise por parte dos operadores do direito. Destarte, o objetivo deste artigo é ressaltar, de forma breve e sucinta, algumas das implicações do art. 285-A no Direito Processual Civil brasileiro. Contudo, como o tema possui diversas vertentes, ora na fase principiológica ora na fase recursal, o estudo recorrerá a tópicos distintos para tratar de cada assunto, a despeito de uma impressão sobre os assuntos estarem esparsos, é mister lembrar que todos eles estão ligados à linha de pesquisa proposta, ou seja, o art. 285-A e suas implicações no Direito Processual pátrio.

Para cumprir o compromisso acima assumido, o artigo está dividido em sete tópicos de desenvolvimento do tema, são eles: a) uma interpretação gramatical,Page 182 primeiramente, para analisar os termos empregados no dispositivo; b) uma análise de alguns princípios frente ao dispositivo; c) uma breve exposição dos procedimentos de apelação frente ao julgamento de improcedência da petição inicial; d) uma aplicação da teoria da causa madura ao art. 285-A; e) uma apreciação sobre a citação prevista no art. 285-A; e) uma reflexão sobre a possibilidade ou não de ação rescisória nas sentenças proferidas com fulcro no art. 285-A; f) enfim, uma apreciação de certos argumentos que defendem a inconstitucionalidade do dispositivo ora analisado. Por fim, na conclusão, pontua-se os as implicações mais relevantes que o tema trouxe ao processo civil brasileiro.

1 Art 285-A: Uma interpretação gramatical

Existem alguns termos utilizados no caput do referido artigo que merecem uma análise mais minuciosa. São eles, basicamente: “unicamente de direito”, “no juízo” e “sentença de total improcedência em outros casos idênticos”.

O termo “unicamente de direito” suscita várias discussões. Algumas dessas vertentes remetem àquilo que os processualistas consideraram como matéria de fato e o que deve ser tido como matéria de direito. Nesse sentido, há dois posicionamentos bem relevantes na doutrina sobre estas expressões. O primeiro deles é de Cássio Scarpinella Bueno ao aludir

que não há, propriamente, uma questão, unicamente de direito no sentido que consta da regra aqui comentada. Ela, a questão, é no máximo, predominantemente de direito porque a mera existência de um autor, de um réu e de um substrato fático que reclama a incidência de uma norma jurídica já é suficiente que haja questão de fato no caso concreto. Mas, e aqui reside o que releva para compreensão do art. 285-A, esta questão de fato é alheia a qualquer questionamento, a qualquer dúvida, ela é padronizada ou, quando menos, padronizável; ela, a situação de fato, não traz, em si, maiores questionamentos quanto à sua existência, seus contornos e seus limites. O que predomina, assim, é saber qual o direito aplicável sobre aqueles fatos que não geram dúvidas que não geram controvérsia entre as partes e perante o juiz5.

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Por sua vez, para Humberto Theodor Júnior, “unicamente de direito” diz respeito às conseqüências jurídicas que não podem ser as alegadas pelo demandante6, ainda que tenham ocorrido fatos. Sendo assim, o

juiz poderá proceder o julgamento de acordo com a regra do art. 285-A quando acreditar que, mesmo se ocorridos os fatos narrados na inicial, a conseqüência jurídica pretendida pelo demandante não seria possível, de acordo com o entendimento exposto, naquele juízo, em outros casos idênticos7.

Desse modo, a relevância da expressão “unicamente de direito” deve ser percebida, na prática, quando são observados outros dois dispositivos do CPC: o art. 283 e o 515 § 3º. O primeiro diz respeito aos documentos indispensáveis de apresentação junto com a petição inicial e o segundo a possibilidade de julgamento da chamada “causa madura” pelo tribunal quando da apelação. Por conseguinte, se uma questão não suscita a produção de provas, ou seja, nas situações em que o “juiz discorde da conseqüência jurídica pretendida pelo demandante, independentemente de estarem provados os fatos narrados na petição inicial”8, cabe a aplicação de imediato da sentença nos moldes do art. 285-A.

Outrossim, de uma sentença proferida com fulcro no art. 285-A caberá apelação que pode ser julgada imediatamente pelo tribunal com base no art. 515, § 3º do CPC (“Teoria da Causa Madura”9), justamente, pelo fato da questão não carecer de produção de novas provas. Esta situação é observada nas causas em que haja a comprovação de plano através de prova documental dos fatos constitutivos do direito do autor.

Na fase recursal, portanto, a causa pode ser julgada com efeitos de coisa julgada material e formal pelo tribunal com fulcro no art. 515, § 3º do CPC, o que impediráPage 184 possíveis rediscussões da matéria no futuro, salvo por via de ação rescisória. Por isto, alerta Lima que o advogado diligente deve anexar todos os documentos indispensáveis para a causa já na inicial, pois, caso contrário, isto “poderá lhe colocar em maus lençóis na fase recursal”10.

Outro termo a ser analisado é “no juízo”. Segundo Lima, é “utilizado como sinônimo de órgão jurisdicional”11. No entanto, é douta a lição de Cássio Scarpinella Bueno ao realizar uma interpretação sistemática do Código de Processo Civil com suas últimas modificações (Lei n. 11.276, 11.277 e 11.280, todas de 2006). Para este autor, a inserção do art. 285-A no CPC quebrou com uma lógica das alterações que vinham sendo realizadas, qual seja: para que o magistrado pudesse julgar, liminarmente, a improcedência (ou procedência) da petição inicial, deveria realizá-lo de acordo com o entendimento dos tribunais superiores ou do Supremo Tribunal Federal.12

No entanto, na aplicação do art. 285-A, o juiz de primeiro grau poderá julgar improcedente a petição inicial, liminarmente, de acordo com o entendimento do próprio juízo de primeira instância. Nas palavras, do próprio Cássio Scarpinella Bueno13,

seja como for, no caso do art. 285-A, o paradigma, pelo menos é isto que a Lei, com todas as letras, diz, são decisões dos próprios juízos de primeiro grau, as suas próprias ‘sentenças de total improcedência em outros casos idênticos

Cássio Scarpinella Bueno14 complementa, ainda, quePage 185 em nome da leitura sistemática do processo civil [...] uma interpretação do art. 285-A em que ‘sentença do juízo’ seja entendida simetricamente aos já referidos dispositivos de lei, isto é, como ‘súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior’, para empregar, aqui, o referencial amplo do art. 557 na redação da Lei n. 9756/1998 [...] esta é a única forma de manter o art. 285-A afinado ‘ao modelo constitucional do processo”, observando-se de forma potencializada o princípio da isonomia.

Fica clara, seguindo o pensamento do referido autor, que se faz necessária a utilização do paradigma das novas modificações realizadas no Código de Processo Civil. Isso se dá pelo fato de que, para determinados casos, não há uma única tese jurídica a ser levantada para decidi-los, em todos os graus de jurisdição, assim como noutros juízos. Utilizar-se do referencial, por exemplo, do art. 55715, serve para uma otimização da prestação jurisdicional, em consonância com o princípio da isonomia, reforçando ainda mais a idéia de um processo civil constitucional. Dessa forma, o padrão para tal indeferimento liminar da petição inicial jamais poderá ser, neste contexto, as decisões de primeiro grau, mas dos

Tribunais – e, dentre eles, preferencialmente dos Tribunais Superiores, assim entendido o Supremo Tribunal e o Superior Tribunal de Justiça -, não porque sejam melhores que os demais, não é disto que o estudo de Direito se ocupa, mas...

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