Breves comentários sobre as pesquisas eleitorais e sua sistematização no direito eleitoral brasileiroJosé Maciel Sousa Chaves - Stheven Ourives Razuk

AutorDaniel Castro Gomes da Costa
Páginas341-359

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1. Síntese histórica acerca do tema no Brasil

Após o golpe de estado motivado pela conturbada vitória de Júlio Prestes em 1930, a corrente liberal representada por Getúlio Vargas assumiu a presidência da República, permanecendo no cargo durante quinze anos ininterruptos.

Em virtude da deposição do titular em 1945, o então ministro do Supremo Tribunal Federal, José Linhares, assumiu a presidência da República por convocação das Forças Armadas. Neste ano, quando já subtraído do cidadão brasileiro o direito subjetivo público de sufrágio por demorados quinze anos, movimentou-se a primeira pesquisa eleitoral realizada no Brasil para o cargo de Presidente da República, que veio a ser assumido por Gaspar Dutra, no ano de 1946.

Em meados da década de cinquenta, durante o governo de Juscelino Kubitschek, as pesquisas eleitorais ganharam maior relevância no fervor das disputas eleitorais e passaram a ser utilizadas em todas as esferas de governo, seja federal, estadual ou municipal.

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No entanto, embora aperfeiçoados os métodos de pesquisa com o passar do tempo, não havia como garantir a devida idoneidade das informações repassadas ao eleitor, gerando assim dificuldade para detectar eventual ocorrência de ilícito, por conseguinte configurados danos aos concorrentes e à própria soberania popular.

Assim, percebendo a importância e a influência da pesquisa no eleitorado a legislação eleitoral brasileira só veio regular a divulgação das pesquisas, atividade que levanta o desempenho dos concorrentes prévios ao certame eleitoral, por meio dos arts. 48 e 49 da Lei nº 9.100/95, em seguida nos art. 33 a 35 da Lei nº 9.504/97, e, posteriormente, pelas Resoluções nos 21.631/04, 22.143/06, 22.420/06 e 22.623/07, entre outras emitidas pelo Tribunal Superior Eleitoral, no uso de suas atribuições conferidas pelo art. 23, IX do Código Eleitoral.

2. Definição e finalidade das pesquisas eleitorais

O termo pesquisa advém do verbo latino persequirere, que significa averiguar1,

buscar por toda parte2, etc. A semântica do termo indica que pesquisa é "a indagação ou busca minuciosa para averiguação da realidade"3ou ainda "levantamento de informações detalhadas a respeito da opinião do público acerca de determinado assunto, acontecimento etc."4Nesse contexto, pesquisa eleitoral é exatamente essa busca minuciosa, técnica, com métodos pré-estabelecidos e adequados que tenham o mister de apurar a intenção de votos dos eleitores ou sua opinião sobre os candidatos, a fim de determinar tendências de uma eleição que se aproxima.

Desta feita, os candidatos, partidos ou coligações utilizam-se da pesquisa para obter dados de extrema relevância sobre a realidade do público votante e, a partir dessas informações, direcionam a campanha eleitoral, adotando estratégias condizentes com os anseios populares e obtendo assim maior eficiência na conquista de votos.

As pesquisas eleitorais também constituem verdadeiro instrumento de marketing5, termo que, embora aplicável às necessidades do mercado voltado aos bens de consumo, também pode ser empregado como uma finalidade da pesquisa eleitoral sob a definição de um novo ramo deste ofício, conhecido como marketing político. José Jairo Gomes6adiciona que "é certo que os resultados apresentados podem influir de modo relevante e perigoso na vontade dos eleitores. Por serem psicologicamente influenciáveis, muitos indivíduos tendem a perfilhar a opinião da maioria. Daí a votarem em candidatos que supostamente estejam ‘na frente’ ou ‘liderando as pesquisas’".

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Por outro lado, além da qualidade de instrumento de marketing político, as pesquisas eleitorais também assumem importante elemento de exercício da democracia representativa, que acaba por estreitar relações entre os mandatários e o povo, conforme lembra José Afonso da Silva7. Com a opinião pública traduzida em pesquisas eleitorais, as reivindicações populares ganham relevância não só para estimular a produção de abstratas "metas de governo", mas também como exigência de posterior fidelidade à representação confiada ao eleito, que (nunca é demais lembrar) nada é sem a aprovação popular.

2.1. Pesquisa e enquete - diferenciação ontológica e jurídica?

Enquete é a "pesquisa de opinião sobre uma questão qualquer, que envolve documentos, depoimentos, experiências pessoais"8. Enquete e pesquisa possuem a mesma finalidade - investigar a opinião do público sobre um determinado tema. A enquete possui diferença da pesquisa, vez que aqui não se exige um detalhamento maior das informações obtidas, muito menos há coleta minudente dos dados, tratando-se de ato informal, sem critério científico.

Por sua vez o tratamento jurídico dado a enquete é diferenciado. Dispensa-se o registro na Justiça Eleitoral da elaboração de enquetes eleitorais, ainda que produzidas com o fito de publicação de seus resultados. Devem-se preencher os requisitos do art. 15 da Resolução nº 22.263/07, o qual exige que na divulgação da enquete conste expressamente "não se tratar de pesquisa eleitoral descrita no art. 33 da L.E., mas de mero levantamento de opiniões, sem controle de amostra, o qual não utiliza método científico para sua realização, dependendo apenas da participação espontânea do interessado".

Além do critério informal de confecção, a norma que disciplina sobre a matéria acrescenta um outro elemento para diferenciá-la da pesquisa: a espontaneidade dos pesquisados na participação de coleta. Exige-se para qualificar o ato de investigar a opinião pública como enquete, que os entrevistados voluntariamente procurem o órgão pesquisador para expressar sua opinião.

Exemplo típico de enquete é a investigação de opinião realizada por meio da rede mundial de computadores9, onde se lança uma pergunta acerca de um candidato ou sobre o resultado de uma eleição na internet, para um número indeterminável de pessoas, e a resposta pode ser dada por qualquer internauta, de qualquer localidade, bastando responder a questão.

Assim, não nos parece razoável a posição do Tribunal Superior Eleitoral que subtrai das enquetes com finalidade de divulgação de resultado a mesma diligência exigida das pesquisas eleitorais. Enquanto veículo de informação de opinião pública acerca do

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desempenho dos candidatos ou partidos, enquete, por menos criteriosa e informal que seja, exerce influência sob a avaliação do eleitor.

Embora louvável a intenção acautelatória do art. 15 da Resolução nº 22.263/2007, a norma não alcança o objetivo que almeja. O simples fato do órgão de comunicação especificar que aquele resultado averiguado não teve método científico e que se trata de sondagem ou enquete não elide a potencialidade de influência sobre os eleitores.

Não nos parece, mesmo que conste na divulgação da enquete a advertência prevista no preceito primário da norma em comento, que o público saberá distinguir as diferenças entre as duas figuras. Na nossa ótica, será influenciado de igual modo, pois recentes estatísticas apontam que mais da metade do eleitorado brasileiro, 51,5% dos 127,4 milhões de eleitores brasileiros aptos a votar até o final de 2007 não conseguiram completar o ensino básico ou apenas lê e escreve.10Transferir a esse eleitor a responsabilidade já avocada pela lei eleitoral em exigir do divulgador determinados comportamentos é cometer uma tentativa de agressão à integridade da campanha eleitoral.

O parágrafo único do mesmo artigo11dispõe sobre o preceito secundário da norma eleitoral para o descumprimento da advertência exigida, no sentido de acarretar as mesmas sanções aplicáveis à pesquisa carente de registro.

3. A obrigatoriedade de registro da pesquisa eleitoral e sua disciplina

Consoante abordado no capítulo antecedente, as pesquisas eleitorais possuem finalidades precípuas como estratégia de campanha, marketing político, aproximação entre eleitorado e os candidatos, entre outras. A Lei eleitoral (nº 9.504/97) só se preocupa com a pesquisa que detenha fins de divulgação ao público em geral com finali-dade de marketing político ou caráter informativo e, portanto, capaz de influenciar o eleitorado na tomada de decisões.

A cautela legislativa dada às divulgações das pesquisas não é uma preocupação exclusiva do plano normativo legal, ela tem assento em princípios constitucionais mais profundos, situados no coração do Estado Democrático de Direito.

O direito constitucional de sufrágio (art. 14, CF/88) é embasado por alguns princípios materiais, quais sejam: universalidade, voto secreto, igualdade, periodicidade, unicidade, imediaticidade e liberdade.12Esse último nos interessa para fins dessa exposição, pois é ele que dá suporte constitucional às limitações e exigências insertas na lei, quanto à divulgação das pesquisas eleitorais.

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O princípio da liberdade denota "garantir ao eleitor o exercício do direito de voto sem qualquer coação física ou psicológica de entidades públicas ou de entidades privadas"13. Consiste em garantir a genuína manifestação popular, legitimando o sufrágio e o exercício da soberania do povo. O voto é a lídima expressão da vontade do cidadão, um ato único, individual, intransferível e deve ser protegido a todo custo de ingerências ilícitas.

Destarte, esse é o princípio constitucional que se projeta nos dispositivos da lei eleitoral que regula as pesquisas e lhes dá sustentáculo, na tentativa de impedir que o eleitorado se deixe...

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