Brazilian human rights activism on the Inter-American Commission on Human Rights reports (1970-2015)/O ativismo de direitos humanos brasileiro nos relatorios da Comissao Interamericana de Direitos Humanos (1970-2015).

AutorMaia, Marrielle
CargoTexto en portugues - Ensayo

Introducao

Nas Americas, o Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH) foi criado a partir da previsao de mecanismos de garantia desses direitos na Declaracao Americana de Direitos e Deveres do Homem de 1948. O primeiro orgao estabelecido com o proposito de promover e proteger os direitos humanos foi a Comissao Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Ela foi criada como mecanismo autonomo da Organizacao dos Estados Americanos (OEA) por meio da Resolucao VIII de 1959. Em 1969, os Estados Membros da OEA avancaram no fortalecimento da normativa regional sobre o tema com a Convencao Americana de Direitos Humanos que em seu texto previu a criacao da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH).

O SIDH tem atuado na supervisao da incorporacao dos direitos humanos nos Estados da regiao. A Comissao atua principalmente por meio do sistema de relatorias (1) e do sistema de peticoes. Este ultimo e acionado por meio de denuncias de individuos e organizacoes que buscam reparacao e exposicao de violacoes que sao ignoradas pelos Estados.

Esse mecanismo, assim como os outros regimes regionais (2), possui uma caracteristica particular que o diferencia do regime global de direitos humanos: a permeabilidade a atuacao direta da sociedade civil nas denuncias. Essa peculiaridade e tema de ampla discussao tanto no ambito do Direito Internacional Publico, no que se refere aos individuos e organizacoes naogovernamentais (ONGs) enquanto atores relevantes no direito internacional, como nos debates das Relacoes Internacionais que discutem o papel dos mesmos como agentes no sistema internacional (TORELLY, 2015; CASTANHEIRA, 2015; PORTMANN, 2010; NIJMAN, 2009; GREEN, 2008; KOSKENNIEMI e LEINO, 2002; SLAUGHTER, TULUMELLO e WOOD, 1998; ST. KOROWICZ, 1956).

Estudos recentes sobre o tema defendem que o ativismo de direitos humanos no SIDH possui um carater transnacional, fruto da crescente atuacao das redes transnacionais de advocacy, geralmente especializadas no litigio estrategico (CAVALLARO, 2002; SANTOS, 2007; ABRAMOVICH, 2009; CARDOSO, 2011; BERNARDES, 2011; PIOVESAN, 2013). Keck e Sikkink (1999, p. 91, traducao nossa) definem redes transnacionais de advocacy como "formas de organizacao caracterizadas por comunicacao e trocas voluntarias, horizontais e reciprocas". Ao destacar a atuacao dessas redes, alguns trabalhos enfatizam o papel preponderante das ONGs internacionais, sendo elas as responsaveis pelo fornecimento de recursos e expertise para que organizacoes domesticas executem suas agendas (KECK e SIKKINK, 1999; WIEST e SMITH, 2006; BUKOVSKA, 2008; KIEL, 2011).

Nao obstante o reconhecimento do papel das ONGs internacionais no acionamento e fortalecimento do Sistema, merece atencao o fato de, nos relatorios publicados pela CIDH sobre as denuncias contra o Brasil entre os anos de 1970 (ano do primeiro relatorio emitido) e 2015, predominarem atores domesticos como peticionarios.

Nesse contexto a pesquisa aqui descrita buscou tracar o perfil dos denunciantes nos casos acolhidos pelo orgao regional de direitos humanos como forma de dialogar com os estudos que buscam compreender as redes transnacionais de advocacy nos casos brasileiros na CIDH.

O trabalho esta dividido em quatro secoes. A primeira traz a metodologia utilizada para o levantamento dos dados empiricos e da literatura que compoem o estudo. A segunda descreve os resultados da pesquisa realizada no ambito do Nucleo de Pesquisas e Estudos em Direitos Humanos do Instituto de Economia da Universidade Federal de Uberlandia sobre o Brasil como acusado na CIDH. A terceira traz a caracterizacao do perfil dos denunciantes e a mobilizacao de direitos humanos nas peticoes, a partir de um dialogo com as contribuicoes teoricas da bibliografia selecionada. Por fim, a ultima secao traz consideracoes sobre a atuacao dos ativistas que se valem das oportunidades proporcionadas pela abertura institucional da CIDH com vistas a promover seus valores e interesses na ressignificacao dos direitos humanos.

Metodologia

Para este estudo foi utilizada uma base de dados que reune informacoes sobre os casos sul-americanos recebidos pelo sistema de peticoes da CIDH, produzida no ambito do Nucleo de Pesquisas e Estudos em Direitos Humanos do Instituto de Economia da Universidade Federal de Uberlandia (NUPEDH-UFU) (3). Ela reune informacoes sobre 119 casos apresentados contra o Brasil com relatorios de admissibilidade, merito, nao admissibilidade ou arquivamento publicadas entre os anos de 1970 e 2015. Foram buscadas tambem informacoes sobre as peticoes em analise pelo orgao, entretanto ate o ano de 2006 a Comissao nao disponibilizava informacoes precisas sobre o numero de peticoes recebidas.

Somente em 2015 a CIDH registrou que recebeu 99 peticoes contra o Brasil (CIDH, online). E verdade que para tracar o perfil do ativismo e como as redes tem se formado em torno de reclamacoes contra o Brasil, seria de fundamental importancia o acesso a esses processos.

De toda forma, a identificacao daqueles demandantes que obtiveram sucesso ao terem sua reclamacao reconhecida pelo Sistema e reveladora quando se adota uma abordagem que combina a analise da acao coletiva e a mobilizacao do direito no ambito da CIDH, uma vez que o orgao e permeavel e estimula a participacao da sociedade civil em um processo que reconhece os direitos humanos como um construto normativo e processo politico. Consideramos, portanto, a mobilizacao do direito como uma forma de ressignificacao da normativa juridica promovida por meio da acao dos litigantes que buscam o mecanismo como estrategia para a promocao de seus interesses e valores.

Procedeu-se tambem uma revisao da bibliografia sobre o tema, a partir de um levantamento realizado nas bibliotecas da Universidade Federal de Uberlandia e da Universidade de Brasilia, em tres bases de dados online: JSTOR, Periodicos Capes e Pro Quest. O levantamento teve como objetivo permitir a discussao dos dados colhidos a partir de um dialogo com os trabalhos recentes que tem como objeto o ativismo no Sistema Interamericano na busca pela protecao dos direitos humanos no Brasil.

Os descritores utilizados na busca foram, em portugues e ingles: "Brasil", "Sistema Interamericano de Direitos Humanos", "Comissao Interamericana de Direitos Humanos", "Advocacy" e "Ativismo Transnacional". Foram encontrados 45 artigos publicados em periodicos com corpo de revisores e 9 dissertacoes e teses. A busca levou em consideracao trabalhos publicados entre os anos de 1990 a 2015. Deste numero, foram excluidos aqueles que aparecem em duplicidade e aqueles cujo o assunto descrito nao e pertinente ao objeto de estudo. A selecao final e composta por 14 artigos e 1 tese de doutoramento. O referencial bibliografico foi complementado com outras fontes de obras classicas sobre o tema e alguns outros trabalhos que nao possuem enfoque no Brasil, mas que trazem importantes reflexoes sobre o ativismo de direitos humanos na regiao. A discussao e apresentada juntamente com os resultados obtidos nas bases de dados para permitir a analise qualitativa dos dados empiricos.

O Brasil como acusado no sistema de peticoes da CIDH

Conforme ja apresentado, este estudo partiu da analise de uma base de dados que agrega informacoes dos casos sul-americanos de violacao de direitos humanos recebidos pelo sistema de peticoes da Comissao Interamericana. As categorias e variaveis de analise foram organizadas de forma a permitir identificar o perfil dos casos contra o Brasil por meio da analise de 141 documentos coletados no sitio oficial da CIDH que configuram 119 casos peticionados entre os anos de 1970 (ano da primeira denuncia acolhida contra o Brasil) ate o ano de 2015.

Foram analisados 87 relatorios de admissibilidade, 22 relatorios de merito, 13 relatorios de nao admissibilidade e 19 relatorios de arquivamento. Em 8 casos foram solicitadas medidas cautelares de protecao e em 2 casos a Comissao Interamericana logrou solucao amistosa. (4) Observa-se um aumento substantivo de denuncias acolhidas e relatadas contra o Estado Brasileiro a partir da decada de 1990.

Esse aumento do acolhimento de demandas, segundo Abramovich (2009), e atribuido a uma maior atuacao do ativismo transnacional. No entanto, isso tambem pode ser explicado por urna politica da propria CIDH de reforcar a atuacao no sistema de peticoes a partir da decada de 1990.

De acordo com Haddad (2013) no periodo da ditadura militar a producao de relatorios sobre paises (country reports) foi privilegiada como mecanismo para a mobilizacao da vergonha ao assinalar o quadro geral das violacoes de direitos humanos nos paises da regiao. O foco na producao destes relatorios foi uma estrategia importante na documentacao e exposicao das violacoes cometidas pelos governos militares e contou com o apoio de ONGs de direitos humanos, que eram as principais provedoras de informacoes acerca dos abusos que aconteciam nos Estados.

A atuacao no sistema de peticoes individuais so foi reforcada apos o final da Guerra Fria, quando a Comissao tambem decidiu criar as relatorias tematicas, com intuito de focalizar suas acoes em areas especificas dos direitos humanos (HADDAD, 2013).

Bernardi (mimeo), de forma complementar a essa analise, enfatiza que a pouca relevancia do sistema de peticoes nos primeiros anos de atuacao da CIDH que coincidiram com o periodo da ditadura militar brasileira, deve-se ao fato de que, o mecanismo ainda em fase de consolidacao, nao possuia capacidade ou ferramentas para confrontar o Brasil. (5) Evidencia disso, segundo o autor, e a reiterada omissao de informacoes sobre casos avaliados contra o Brasil nos relatorios anuais, bem como a falha em divulgar o numero verdadeiro de denuncias de violacoes de direitos humanos que tinha o pais como alvo.

Com efeito, a democratizacao ensejou a reconstrucao do marco normativo de direitos humanos no Brasil mediante a Constituicao de 1988 e a ratificacao de tratados internacionais o que impulsionou a incorporacao da pauta de...

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