O Supremo Tribunal Federal Brasileiro e a Eficácia dos Direitos Fundamentais nas Relações entre Particulares

AutorCibele Gralha Mateus
Ocupação do AutorBacharel em Direito pela PUC/RS; Advogada; Especialista em Processo Civil pela ULBRA/RS; Mestre em Direito do Estado pela PUC/RS.
Páginas75-95

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O Supremo Tribunal Federal Brasileiro e O Supremo Tribunal Federal Brasileiro eO Supremo Tribunal Federal Brasileiro e O Supremo Tribunal Federal Brasileiro eO Supremo Tribunal Federal Brasileiro e a Eficácia dos Direitos Fundamentais
a Eficácia dos Direitos Fundamentaisa Eficácia dos Direitos Fundamentais
a Eficácia dos Direitos Fundamentaisa Eficácia dos Direitos Fundamentais nas Relações entre Particulares
nas Relações entre Particularesnas Relações entre Particulares
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SUMÁRIO: Introdução. 1 Um Pouco Sobre as Teorias a Respeito da Eficácia dos Direitos Fundamentais nas Relações entre Particulares. 1.1 Teorias que Negam a Eficácia dos Direitos Fundamentais nas Relações entre Particulares.
1.2 Teoria da Eficácia Mediata e Indireta. 1.3 Teoria da Eficácia Imediata e Direta. 2 Os Posicionamentos do Supremo Tribunal Federal Relativamente à Eficácia dos Direitos Fundamentais nas Relações entre Particulares. 3 Considerações Finais. 4 Bibliografia.

“Cada um é responsável por todos. Cada um é o único responsável. Cada um é o único responsável por todos.” (Saint-Exupéry)

Introdução IntroduçãoIntrodução IntroduçãoIntrodução

A discussão relativa aos direitos fundamentais não é nova, entretanto, não por isso desprovida de atualidade, ainda mais, quando se muda o foco, alterando-se o pólo passivo da relação do Estado, para particulares.

Assim, temos como objetivo neste trabalho demonstrar de que forma o Poder Judiciário brasileiro, através do Supremo Tribunal Federal, vem contribuindo para esta discussão. Para tanto, iniciaremos apresentando, ainda que de forma sintética, as teorias que abordam a eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares para então, após, situar o Supremo Tribunal Federal dentre elas.

* Bacharel em Direito pela PUC/RS; Advogada; Especialista em Processo Civil pela ULBRA/RS;

Mestre em Direito do Estado pela PUC/RS.

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1 Um Pouco Sobre as Teorias a Respeito da Eficácia dos Direitos 1 Um Pouco Sobre as Teorias a Respeito da Eficácia dos Direitos1 Um Pouco Sobre as Teorias a Respeito da Eficácia dos Direitos 1 Um Pouco Sobre as Teorias a Respeito da Eficácia dos Direitos1 Um Pouco Sobre as Teorias a Respeito da Eficácia dos Direitos Fundamentais nas Relações entre Particulares
Fundamentais nas Relações entre ParticularesFundamentais nas Relações entre Particulares
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Na Alemanha, a partir do julgamento que entrou para a história como “Caso Lüth”, passou-se a, de forma efetiva, discutir a questão da vinculação dos particulares a direitos fundamentais. Diversas são as teorias que buscam justificá-la, bem como traçar as linhas do “como” realizá-la; por outro lado, há também as teorias que defendem a não eficácia dos direitos fundamentais nas relações ente particulares. Em meio a estes dois extremos, encontramos, ainda, outras teorias, teorias medianas, não no sentido qualitativo, e sim no sentido de comungar um pouco de cada uma.

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1.1 Teorias que Negam a Eficácia dos Direitos Fundamentais Teorias que Negam a Eficácia dos Direitos FundamentaisTeorias que Negam a Eficácia dos Direitos Fundamentais Teorias que Negam a Eficácia dos Direitos FundamentaisTeorias que Negam a Eficácia dos Direitos Fundamentais

nas Relações entre Particulares nas Relações entre Particulares nas Relações entre Particulares nas Relações entre Particularesnas Relações entre Particulares

Os principais argumentos esposados por aqueles que advogam a não vinculação dos particulares a direitos fundamentais são: 1) ao aceitarse a vinculação esta arrasaria com a identidade do direito privado, eis que conferiria ao Poder Judiciário um poder que é próprio do Legislativo, legitimamente democrático1; 2) tradicionalmente, os direitos fundamentais são oponíveis unicamente frente ao Estado, entendimento diverso implicaria em negar a própria natureza deste direitos.2Como representante desse posicionamento, no âmbito americano, há a State Action. Segundo esta teoria, os Direitos Fundamentais vinculam apenas o Estado e são invocáveis perante uma ação estatal presumidamente ilícita.

Segundo esta teoria deve-se questionar se a ação é proveniente do Estado; caso não seja, deve-se verificar se, de alguma forma, pode ser atribuída ao Estado (public function theory).

As principais críticas a esta teoria, segundo Ubillos, dizem com a impossibilidade de fixar regras e teses em um caso particular para verificar se é ou não um caso imputável ao Estado, bem como pelo fato de a principal sustentação da mesma ser a defesa da existência de uma esfera unicamente

1 REIS, Jorge Renato. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais nas relações interprivadas: breves considerações. In: LEAL, Rogério Gesta e REIS, Jorge renato. Direitos sociais e políticas públicas. Tomo 5. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2005. p. 1497-1514.

2 MAC CRORIE, Benedita Ferreira da Silva. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. Coimbra: Almedina, 2005. p. 14.

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O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL BRASILEIRO E A EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS... 77 privada, estabelecendo, conforme Sombra, uma “estanque separação entre o público e o privado e a concepção dos direitos fundamentais como direitos subjetivos públicos exercidos exclusivamente contra o Estado.”3Também contrário à tese da vinculação dos particulares a direitos fundamentais manifestou-se Forsthoff aduzindo que ao assim fazer gera-se uma dissolução da Constituição, pois esta deixa de ser lei, para ser mera ordem de valores. Assim, mesmo as cláusulas gerais como mecanismo de abertura proporcionado pelo Poder Legislativo para o Poder Judiciário para garantir a eficácia indireta dos direitos fundamentais nas relações estabelecidas entre particulares, teriam efeito devastador.4Por fim, também contrária à tese da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, manifestou-se Schwabe, na Alemanha, e, mais recentemente, Murswiek5. Esta teoria foi denominada como “Convergência estatista”. Segundo Sarlet,

[...] além de negar a relevância da discussão em torno de uma eficácia direta ou indireta dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, sustenta, em suma, que a atuação dos particulares no exercício da autonomia privada é sempre produto de uma autorização estatal, sendo as ofensas a direitos fundamentais sempre oriundas do Estado, já que a este incumbe o dever precípuo de proteger os direitos fundamentais em geral [...]6.

Desta forma, nega-se também a importância da Teoria dos Deveres de Proteção, pois se o Estado não proibiu determinada conduta, logo, a está permitindo. Partindo-se desta premissa, afirma-se que toda afronta a direitos fundamentais levada a cabo por particulares é sempre imputável ao Estado, não havendo, portanto, que se falar em vinculação dos particulares a direitos fundamentais e tão somente em vinculação do Estado aos mesmos.

3 SOMBRA, Tiago. A eficácia dos direitos fundamentais nas relações jurídico-privadas: a identificação do contrato como ponto de encontro dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Fabris, 2004. p. 197.

4 Citado por TORRES, Jesús García e BLANCO, Antônio Jiménez. Derechos fundamentales y relacciones entre particulares: la drittwirkung em la jurisprudência del Tribunal Constitucional. Madrid: Editorial Civitas, 1986. p. 33-34.

5 MAC CRORIE, Benedita Ferreira da Silva. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. Coimbra: Almedina, 2005. p. 37.

6 SARLET, Ingo W. Direitos fundamentais e Direito Privado: algumas considerações em torno da vinculação dos particulares a direitos fundamentais. In: SARLET, Ingo. A Constituição concretizada: construindo pontes com o público e o privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 107-165.

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A principal crítica a este posicionamento é a de que as pessoas não agem por delegação Estatal7e são responsáveis pessoalmente pelos seus atos (civil ou penalmente), a não ser que o Estado tenha descumprido um dever específico. Ademais, o Estado ao realizar a intervenção o faz em função de um imperativo de tutela e não por ser responsável, ainda que indireto, pelo litígio.8Em que pese a existência destas teorias, as mesmas não conseguiram ocupar local de destaque nem mesmo em seus países de origem. Nos Estados Unidos, conforme já visto, há uma tendência a temperar a state action através da public function theory. Quanto a Alemanha, terra natal da Teoria da Convergência Estatista, conforme veremos, posiciona-se no sentido de defesa da eficácia dos direitos fundamentais nas relações estabelecidas na esfera privada.

1.2 Teoria da Eficácia Mediata e Indireta
1.2 Teoria da Eficácia Mediata e Indireta1.2 Teoria da Eficácia Mediata e Indireta


1.2 Teoria da Eficácia Mediata e Indireta1.2 Teoria da Eficácia Mediata e Indireta

During foi, na Alemanha, em obra publicada em 1956, o primeiro a sustentar, sob a égide da Lei Fundamental de 1949, a noção de eficácia mediata ou indireta dos direitos fundamentais nas relações entre particulares. Para During, segundo Sarlet, “[...] o reconhecimento de uma eficácia direta no âmbito das relações entre particulares acabaria por gerar uma estatização do Direito Privado e um virtual esvaziamento da autonomia privada.”9 Isto, pois, admite o autor que os indivíduos podem renunciar (o que, todavia, não é característica distintiva da eficácia mediata, uma vez que se admite a renúncia a direitos fundamentais até o limite de seu núcleo essencial, mesmo quando estamos diante da eficácia imediata) aos seus direitos fundamentais nas relações entre particulares, tornando-se, assim, injustificável a...

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