Medicina e Saúde Pública no Brasil: dos pajés e físicos aos homens de ciência do século XX

AutorMarco Antonio Stancik
CargoMestre e Doutor em História pela Universidade Federal do Paraná. Professor do Instituto Agronômico do Paraná.
Páginas111-136
MEDICINA E SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL: DOS PAJÉS E
FÍSICOS AOS HOMENS DE CIÊNCIA DO SÉCULO XX
Prof. Dr. Marco Antonio Stancik1
Resumo: A proposta do artigo é analisar as transformações históricas que singu-
larizam a atuação dos médicos no Brasil, dos tempos coloniais, até o início do
século XX. Observa-se que a medicina colonial se desenvolveu em meio ao des-
crédito da população e escassez de recursos, ao passo que durante o período
monárquico essa situação tendeu a sofrer importantes transformações. Iniciado
o século XX, os médicos, além de dividirem-se em várias especialidades, assumi-
ram a missão de regenerar a raça.
Palavras-chave: Medicina; Saúde Pública; Eugenia; Brasil (século XIX)
Abstract: The purpose of this article is to analyze the historical changes in the
practice of Medicine in Brazil, starting in the Colonial times, until the beginning of
the XXth century. We can state that colonial medicine was developed without
many resources and without much credibility among the country’s population.
During the Brazilian monarchy that situation has changed and, after the beginning
of the XXth century, the medical practice was already divided into several medical
specialities and the mission of its practitioners become the own regeneration of
the human race.
Key-words: Medicine; Public Health; Eugenics; Brasil (XIXth-century)
Confiança e desconfiança, temor e crença ilimitada são senti-
mentos presentes, de modo ambivalente, em toda relação do-
ente-terapeuta, seja entre os índios do Novo Mundo e seus
xamãs, as feiticeiras e as populações européias, médicos ou
charlatães. [...] A cada encontro do médico com o paciente, de
forma sutil, relativamente controlada, domesticada pela quí-
mica e pelo controle industrial, a questão se renova, persiste.
O médico, ao utilizar remédios, está agindo como o charlatão,
o curandeiro e os antigos feiticeiros. Ainda que fundado em
1 Mestre e Doutor em História pela Universidade Federal do Paraná. Professor do Instituto Agronômi-
co do Paraná. E-mail para contato: marcostancik@hotmail.com
112 REVISTA ESBOS Volume 16, Nº 21, pp. 111-136 — UFSC
uma racionalidade distinta, ao medicar se arvora a provocar o
organismo – irritar a doença, segundo Platão – ou a modificar
a natureza. Temeroso do que faz, ou arrogante de sua ciência,
talvez nem sempre esteja cônscio deste fato.2
INTRODUÇÃO
Iniciando nos primeiros tempos da colonização européia, o presente estudo
analisa os diferentes modos de intervenção no processo saúde-enfermidade pra-
ticados no Brasil, avançando até o momento em que começou a se tornar mais
nítida a distinção entre as especialidades médicas que se afirmaram no início do
século XX.
Empreendimento este através do qual se pretende destacar algumas das
características que singularizam e revelam o caráter histórico do exercício da
cura no Brasil e as transformações sofridas pela profissão médica. Para tanto,
discute-se o assunto tendo por base a análise bibliográfica, em contraposição
com fontes primárias, de forma a evidenciar o caráter histórico e social das for-
mas de enfrentamento das doenças e demais ameaças à vida e das ambições
médicas de intervenção no corpo doente e no ‘corpo social’.
Isso porque entende-se que se “a medicina e as doenças têm sua história,
e se o medo das doenças, que é ao mesmo tempo o medo do sofrimento e da
morte, prossegue sendo uma constante na trajetória humana, as formas de en-
frentá-las têm sofrido profundas transformações”.3
SER MÉDICO
No ano de 1919, o prestigiado médico e literato Afrânio Peixoto dirigiu-se aos
formandos da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro nos seguintes termos:
Um médico é hoje em dia personagem que conta nas coletivi-
dades humanas, pois dentre os técnicos somos nós exata-
mente aqueles que, pela amplitude dos conhecimentos, me-
lhores serviços poderemos prestar às causas públicas. Delas
a mais pertinente, e que é de salvação do presente e do futuro,
é a higiene, o aspecto social da medicina, que amplia para as
necessidades e urgências coletivas as aptidões individuais
da profissão. O governo dos homens não prescinde de nós,
da nossa colaboração e certo vos havereis muitas vezes como
intérpretes dos seus ensinamentos nas consultas, informa-
ções, pareceres e até na administração sanitária regional, tal-
vez mesmo nacional. Servindo a brasileiros, não vos descui-
deis de principalmente servir ao Brasil4

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